A receita depois do pesadelo Bolsonaro, por Luis Nassif

Prêmio Nobel de Economia em 2006, Edmund Phelps publicou um artigo instigante sobre as razões do dinamismo, ou da perda de dinamismo nas economias ocidentais.

Ele critica a dificuldade dos economistas em trabalhar com a incerteza. Tratam a economia como se fosse um processo cumulativo, calculado, em que o futuro é previsto a partir do passado. É o manual do cabeça de planilha. Em momentos de ruptura, de crise sistêmica, dançam.

O desenvolvimento do Ocidente, diz Phelps, sempre esteve ligado à noção da incerteza, e da busca do novo. A revolução se deu através da inovação na base, envolvendo todas as pessoas, trabalhadores, empresários, e todo tipo de indústria.

Ele atribui a Robert Solow, do MIT, a consagração da tese de que a taxa de progresso técnico era exógena à economia. Lembra em muito o ex-Ministro Pedro Malan, que minimizava políticas científico-tecnológicas, afirmando que bastaria importar máquinas modernas, que já vinham com o conhecimento embutido.

Aí se volta à noção da economia e do desenvolvimento como um sistema, uma engrenagem que produz desenvolvimento quando todos os fatores avançam na mesma direção.

No início dos anos 90, quando começaram os primeiros movimentos pela qualidade, parecia que esse sentimento tinha tomado conta de amplos setores. Aliás, no alvorecer do período democrático, Fernando Collor acertou em cheio com o conceito de câmaras setoriais – juntando, em um mesmo ambiente, produtores, fornecedores, trabalhadores em torno do objetivo de conferir competitividade ao setor.

Atrás de sua estratégia, havia conceitos claramente definidos pelo maior – e mais desconhecido – economista brasileiro da época, Júlio Mourão, do quadro do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Coube a ele lançar as bases da política da integração competitiva, entendendo o desenvolvimento como um processo sistêmico.

No governo Fernando Henrique Cardoso, avançaram-se nos conceitos de Arranjo Produtivo Local e nas bases dos primeiros programas de inovação, muito devido ao então Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira.

No governo Lula, as conferências nacionais se constituíram em poderosíssimo instrumento de coordenação federativa. As conferências de inovação deram início a um pacto envolvendo associações empresariais, trabalhadores, sindicatos. Ganharam corpo os movimentos pela educação e pela inovação. A Confederação Nacional da Indústria chegou a montar o MEI (Movimento Empresarial pela Inovação), pelo qual grandes empresas – nacionais e multinacionais – implementariam programas para levar a qualidade aos pequenos.

O governo Dilma lançou alguns programas relevantes de inovação, como o Brasil Competitivo, em parceria com a CNI, estimulando institutos de pesquisa a atuarem em rede resolvendo problemas estruturais da indústria. E foi relevante com o MEI (Microempreendedor Individual), permitindo a formalização de milhares de microempresários por todo o país.  As políticas de compras da Petrobras estimulavam pequenas empresas.

Todos esses movimentos, uma construção social e econômico penosa – dado o ambiente negativo das políticas monetária e cambial – ruíram com a perda de rumo do governo Dilma. A própria Dilma poderia ter promovido uma correção de rumos. As eleições seguintes garantiriam a alternância de poder, necessária em toda democracia, com o esgotamento do ciclo petista.

Mas, aí, sobreveio o golpismo, com Ministério Público Federal, através da Lava Jato, e com a complacência cúmplice do STF (Supremo Tribunal Federal), dando início à destruição do sistema partidário e da economia nacional.

Agora, o pesadelo de Bolsonaro traz uma nova divisão, que irá se consolidar gradativamente: entre o Brasil moderna, de esquerda e direita, e o país dos subterrâneos e das milícias.

Seria relevante que as lideranças mais racionais, de lado a lado, começassem a construir a ponte para o recomeço, que se dará um ponto qualquer do futuro.

Assim que passar o pesadelo bolsonariano, o trabalho de reconstrução terá que se dar em torno de um amplo pacto nacional juntando movimentos, sindicatos, empresas, mercado, universidades, institutos.

O político, ou o pacto, que lograr essa síntese dominará o próximo ciclo político.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Você está muito otimista Nassif
    Eu acho que o pesadelo não é Bolsonaro, mas sim a chamada "Nova Democracia". Os filhos da revolução resolveram retomar o poder e contaram com os votos do eleitorado mais alienado do mundo. Agora estou achando difícil esse pessoal sair.

    • Também acho!

      Trocar a cavalgadura por um grupo de fascistas mais inteligentes, mas igualmente medievais, não trará ao Brasil quaisquer benefícios a médio e longo prazos!

  • Nassif, faz uma semana que
    Nassif, faz uma semana que seus artigos dão como certa a queda do presidente. Não sei até que ponto isso pode ser positivo, visto que sobram Mourão, Moro, Damares, Pontes, Guedes, Velez, Araújo, congresso e senado com uma enorme quantidade de ignorantes... Você teria como jogar o xadrez do dia depois da possível queda do Bolsonaro, levando em consideração que não cairá?
    Atenciosamente,
    Montagna.

    • Xadrez do dia

      Montanha,

      Xadrez não é tarô.

      Sabe como é, o xadrez é racional, exige horas de reflexão e pode não culminar em previsões dadas como certas.

      No caso, o melhor é consultar um oráculo.

      Se a mulher que disse que o bozo ia ser presidento porque o seu destino estava entremeado com o destino do brasil for consultada agora, "possa ser" que ela diga a data e a hora do desenlace, digo, do desembarque do coiso do planalto.

      Aqui o link para as previsões e o vídeo

      https://www.1news.com.br/noticia/527017/noticias/astrologa-que-previu-atentado-a-bolsonaro-faz-novas-previsoes-assustadoras-muito-pior-01112018

      Cá pra nós, ela disse que o coiso fica e que o brasil será feliz com ele.

      Minha reação:

      Misericórdia!

      • Kkkk, eu sei que xadrez não é
        Kkkk, eu sei que xadrez não é tarô, mas xadrez também se joga! E acho que o Nassif tem as qualidades necessárias para bem jogar o xadrez. Agora, se a moça disse que o coiso fica e que seremos felizes, então está dito!

        Misericórdia²

        Abs,
        Montagna

  • Pacto?
    Com o partido do judiciário? Nunca vão largar o osso.

    Com a midia golpista? Veja o que a Globo esta fazendo com o capetao que housou enfrenta-la

    Com esse congresso? Que corrupto afastou Dilma a honesta

    Com os bolsominions que querem sangue de Lula?

    Com os evangélicos do dinheiro benzido?

    Com os militares das mamatas pros filhos e filhas?

    Ta dificil hein Nassif?

  • Cambada de ignorantes,

    Cambada de ignorantes, burros, selvagens, que tomaram o poder, e misturando insensibilidade com maldade e egoísmo querem acabar com os mais vulneráveis socialmente, os desprovidos, pela ganância de terem mais poder, força e dinheiro. A insistência na deformação da previdência,  é uma estratégia de repetição de uma necessidade de reforma que não existe na prática. Mas com a ajuda da banca e da mídia querem empurrar goela abaixo do povo, fazendo-o acreditar que é para seu bem.  

    Já disse que estou com o saco cheio e há 6 meses de garantir minha aposentadoria, não vou aceitar passivamente nenhuma mudança nese meu direito. Caso ocorra, não descansarei enquanto não pegá-los um a um. Chega de passividade, esgotou. Agora é pra,valer.

  • Com os poucos elementos que

    Com os poucos elementos que tenho para analisar, penso que Bolsonaro não vai cair por enquanto. As condições que o levaram à presidência estão todas aí. Há um desgaste prematuro inegáve de sua imagem de xerife da moral e bons costumes, mas essa faceta era cohecida de todas as grandes forças que o avalizaram em detrimento do PT/Lulismo. Talvez seu enorme despreparo, que aos poucos revela uma inépcia total, tem assustado mais seus partidários mais espertos.  A cada dia que passa avançamos uma página na saga de Simão Bacamarte. 

  • "Racional"
    A minha curiosidade é sobre qual "liderança racional" o Nassif se refere no campo golpista. Ora, TODOS se juntaram depois de uma, duas, tres, quatro vitorias eleitorais do "lulopetismo". O Sr. FH é o primeiro da lsta. Depois da ressaca eleitoral de 2010 ainda, pregou "bater bumbo" pra classe media. Em setembro de 2012 percorreu todos os saloes movendo mundos e funndos pelo "todos contra o PT"... A partir de 2013 foi aquilo que todos viram...

    A tomada do poder foi mais importante que qualquer outra coisa, pouco importando se arregaçassem as instituiçoes antes de uma quinta derrota consecutiva...

    O pessoal quer é MANDAR, e assim fazerem seus negócios. Falam mal dos governos, do Estado e da Politica porque querem o governo, o Estado e a Politica para ELES. Essa é a "racionalidade".

    • Poucos estão considerando
      Poucos estão considerando a hipotese de que essa geração que está chegando ao fim se lançou a uma disputa tao encarniçada pelo poder que fez com que muita gente voltasse a acreditar que os estamentos militar e judiciário, com seus empregos e salarios garantidos, fossem os "fieis da balança" de uma ilusoria pacificação social.

      Eles, os militares e as facçoes judiciárias, acreditam ou fingem acreditar nisso. Muita gente está com eles nao é à toa.

  • Nesse trecho do post " Assim

    Nesse trecho do post " Assim que passar o pesadelo bolsonariano, o trabalho de reconstrução terá que se dar em torno de um amplo pacto nacional juntando movimentos, sindicatos, empresas, mercado, universidades, institutos" faltou mais um ator pra esse pacto = os militares. Hoje no Brasil na prática vivemos um governo regido por militares. E se a família Bolsonaro se tornar uma pedra no sapato insuportável, os miitares não terão dúvidas em tirá-lo do caminho pra que Mourão seja o presidente. E aí, se Mourão-Militares fizerem a economia diminuir drasticamente o desemprego, aí esquece pacto. Os militares se tornam os donos da bola a partir desse momento  vão escolher os civis que jogarão no time deles - desde que não tenha ideias tidas de esquerda. A elite brasileira, miserável como sempre, conseguiu a façanha ( e o golpe pra isso foi tirar Lula da disputa de 18 )  de fazer o povo escolher um regime militar pelo voto. Se os militares tiverem o mínimo de competência, vão dizer que a classe política do país, no executivo, só serve pra gerar crise e assim o  Brasil caminha pra que só militar seja escolhido presidente, numa espécie de PRI abaixo do Rio Grande. Um PRI que aqui seria um PFA - partido das Forças Armadas. 

  • A receita depois do pesadelo Bolsonaro

    -> Lembra em muito o ex-Ministro Pedro Malan, que minimizava políticas científico-tecnológicas, afirmando que bastaria importar máquinas modernas, que já vinham com o conhecimento embutido.

    FHC e seus Chicago's Boys, assim como hoje pretende ser Bolsonaro e seu Chicago's Oldie, foi o príncipe gestor da perpetuação do pacto maldito brasileiro: entre a SELIC da Av. Paulista e o boi branco na Amazônia transformada em cerrado.

    enquanto o Brasil não romper este pacto maldito entre os banqueiros e os exportadores de commodities, não iremos a parte alguma, senão à extinção de nossa soberania nacional e à catástrofe ecológica.

    -> E foi relevante com o MEI (Microempreendedor Individual), permitindo a formalização de milhares de microempresários por todo o país.  As políticas de compras da Petrobras estimulavam pequenas empresas.

    a estratégia para um desenvolvimento sustentado economicamente, ecologicamente sustentável e socialmente includente é clara:

    - toda a espinha dorsal deve ser estatal sob estrito controle público, com a iniciativa privada se integrando na cadeia de suprimentos, mas sempre sob forte regulação contra cartelização e oligopolização.

    ao longo de nossa História, o grande empresário brasileiro mostrou-se como incapaz para dirigir o país, e mesmo um dos principais entraves ao desenvolvimento nacional.

    dos que aí estão, praticamente não se salva nenhum. o lugar que lhes cabe é em Curitiba.

    -> Assim que passar o pesadelo bolsonariano, o trabalho de reconstrução terá que se dar em torno de um amplo pacto nacional juntando movimentos, sindicatos, empresas, mercado, universidades, institutos. O político, ou o pacto, que lograr essa síntese dominará o próximo ciclo político.

    qualquer pacto só se viabiliza a partir de uma posição de força e num cenário de absoluta falta de outras opções.

    um pacto não se impõe por si só, pela certeza de suas propostas, pela razoabilidade de seus argumentos, pela racionalidade de suas análises.

    o "diálogo" e a "negociação" com a lumpenburguesia no Brasil só se viabiliza por uma coexistência nada pacífica garantida por uma permanente dissuasão "armada".

    a força só entende a linguagem da força. o poder só teme o poder. a hegemonia só pode ser derrotada pela contra-hegemonia.

    enquanto a lumpenburguesia brasileira não estiver toda na cadeia, como foi feito casuísticamente com os empreiteiros e os donos de frigorífico, não haverá nenhum pacto viável.

    o grande pacto de reconstrução do Brasil só se ergue a partir de determinadas circunstâncias. estas circunstância não acontecerão espontaneamente. precisam ser forjadas..

     

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