A serpente sai do ovo, por Luiz Gonzaga Belluzzo

Jornal GGN – Um governo que anuncia um corte de 30% no orçamento das universidades federais e, ainda, propõe a eliminação dos cursos de filosofia e sociologia dos currículos escolares estaria acometido de qual doença? Em artigo publicado nesta terça-feira (7), no jornal Valor, o professor titular do Instituto de Economia da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo procura responder a essa questão, recorrendo aos movimentos históricos que levaram a humanidade a gerar o iluminismo e, agora, a retomar visões medievais.

“Diante das misérias da vida e de uma vida de misérias, as vítimas dos deuses mundanos buscam refúgio no Incompreensível. Nos tempos de cólera, elas fogem das dúvidas e angústias que as atormentam. Adaptadas, conformadas, até mesmo confortadas e felizes preferem aceitar que sua existência é apenas uma permissão dos deuses e de seus procuradores na Terra”, reflete Belluzzo.

“Nos espaços fabricados pelas Novas Crenças não é possível manter conversações, porque neles a norma não é a argumentação, mas o exercício da animosidade sob todos os seus disfarces, a prática desbragada da agressividade a propósito de tudo e de todos, presentes ou ausentes, amigos ou inimigos”, completa.

O economista, considerado entre os 100 maiores heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists, pondera que “a angústia sem esperança”, em um mundo onde a desigualdade e a injustiça aumentam, “invoca as trevas da anti-razão”. Isso explica porque o presidente Jair Messias Bolsonaro, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, mantém grupos de fiéis, mesmo após a exposição de várias ações políticas e de gestão pública incoerentes para seus cargos.

“Para um contingente parrudo de brasileiros, não importam os deslizes de seus Deuses e Messias. Importa, sim, que os Escolhidos insistam e persistam na afirmação das crenças, ideologias, visões do mundo, valores que refletem os ressentimentos dos súditos maltratados pelas frustrações e misérias da vida”, explica.

Ao mesmo tempo, destaca Belluzzo, aumenta a percepção das pessoas de que existem fatores políticos e decisões de governo que resultam no regresso ou progresso individual e coletivo. “Esse sentimento [de que não é uma fatalidade] é cada vez mais intenso. É a nostalgia do futuro, um sentimento que reflete as angústias que povoam as almas de homens e mulheres, pasmos diante de uma situação econômica e social que ronda ameaçadoramente suas vidas e as de seus filhos”.

A crise, assim, é absorvida nas vidas de cada indivíduo e a resposta de cada um, em grande escala, tem influência nos movimentos de entradas e saídas de governantes. Nesse ponto, o economista ressalta que as redes sociais, então prometidas como espaço de movimentos livres de ideias e opiniões, acabaram se transformando “num calabouço policialesco em que a crítica é substituída pela vigilância”.

“A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento. Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo. “Estranho ideal policialesco, o de ser a má consciência de alguém”, diz o filósofo Gilles Deleuze, também suspeito de patrocinar o marxismo cultural”, continua.

Aqui chegamos em um ponto em que parece que a sociedade brasileira (e em termos mundiais) parece que anda na contramão da história. Ou seria a história que mudou de mão? Nessa reflexão, Belluzzo lembra do papel do Iluminismo, movimento contrário ao absolutismo que procurou substituiu a visão teocêntrica da Europa espalhada na Idade Média por uma visão mais racional.

“O homem do Iluminismo cobrou seus direitos de dominação, reivindicando o poder de suas Luzes, abominando os obstáculos da tradição ou de tudo que lhe figurasse contrário aos princípios de uma ordem natural, desvendada e comandada pela razão”, destaca o professor.

“Para Kant [um dos filósofos do Iluminismo], a ousadia de entender por si mesmo liberta o homem, sua imatura dependência de outrem. A imaturidade é auto infligida. Não resulta da incapacidade dos homens, mas da falta de coragem para usar seu entendimento sem a guia do outro”, completa.

Na passagem para os tempos modernos que marca o avanço do Iluminismo, Belluzzo lembra que o medo universal de mudanças deu espaço para o temor da estagnação.

“A concepção de ordem revelada foi progressivamente substituída pela ideia de ordem natural, cujos fundamentos estavam à mercê da análise racional. A sociedade, enquanto aglomerado de indivíduos, sedes da razão, estava submetida a leis de funcionamento semelhantes àquelas que presidiam o reino da natureza. O impulso de perseguir os próprios interesses expunha o indivíduo ao relacionamento com os demais, e o complexo dessas relações voluntárias constituía a sociedade global e ditava as normas de seu funcionamento”, explica. Para ler o artigo de Belluzzo na íntegra, clique aqui.

Redação

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