Fatores climáticos podem afetar inflação

Embora os fatores climáticos sejam um dos pontos de referência no recente comportamento da inflação, uma análise mais detalhada dos componentes do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) mostra que a inflação encontra-se disseminada por toda a economia, e a instabilidade do clima é apenas um componente a mais nessa conta.

Cálculos mostram que o índice de difusão referente ao mês de março atingiu 71,05 – ou seja, de 100 itens, 71 sofreram algum ajuste de preço no período –, enquanto o núcleo de dupla ponderação ficou em 0,59% e o núcleo por exclusão de monitorados e alimentos também ficou em 0,88 (todos medidos pelo Banco Central), em um sinal de que não é o recente choque de alimentos que tem influenciado a inflação (veja gráfico abaixo).

 

 

“A inflação recente tem sido afetada por efeitos secundários do clima: 51% do índice em março foi de alimentação, e 71% de difusão, mostrando que a inflação está generalizada”, explica o economista André Perfeito, da Gradual Investimentos. “O aumento está em cima de alimentos, que conta com vários subitens e acaba batendo desse jeito no índice. É só para fazer uma ponderação, e como o grupo como um todo está subindo, ele é o que mais afeta”.

Para André Perfeito, a inflação tem sido afetada por questões estruturais e conjunturais. No caso da conjuntura, o economista destaca a questão climática, que atinge tanto os alimentos como os preços de energia elétrica. “São Paulo está pleiteando até pegar água do Rio de Janeiro. É uma situação bastante dramática em termos pluviométricos, e que tem afetado a estrutura de preço”. Entre os pontos estruturais, destaque para o aumento de salário do trabalhador, que tem batido no setor de serviços. “O IPCA mede inflação da camada mais rica, que tem afetado consumo, e essa parcela tem sido afetada por serviços. Por mais que não tenha sido forte em março, ela aconteceu nos últimos meses, e esse processo que pode ser confundido como ascensão da classe D/E para C afetou a dinâmica de inflação, não tem como negar”.

A questão do grupo Alimentação e Bebidas também foi abordada pelo economista Etore Sanchez, da LCA Consultores. “O IPCA está avançando fortemente agora por conta de um choque de alimentos. Então, alguns produtos sofreram bastante com problemas de clima, se bem que existe o risco de racionamento de energia”, diz. “Os alimentos são mais sensíveis na parte de in natura, como frutas, verduras e legumes e, devido a essa sensibilidade, qualquer problema climático vai gerar restrição de oferta e aumento de preços, e isso tem ditado o ritmo do IPCA recentemente”.

Quanto a variação de preços de energia, ela exerce efeito direto sobre o grupo Habitação que, em março, cedeu na margem (de 0,77% em fevereiro para 0,33% em março) muito por conta do aluguel e do preço de energia – que, segundo Sanchez, conta com uma metodologia de cálculo particular. “Quando não existe reajuste de preços, a parte de energia tem uma metodologia diferente: pega-se as oscilações dos preços gerados de impostos que, neste caso, são cobrados “por dentro”, e o percentual vai depender do consumo. E caiu o consumo na margem: com as temperaturas de janeiro e fevereiro houve um aumento de 0,63%, que ajudou a aumentar a base de cálculo e, em março, houve uma queda de 0,87%”.

Segundo o economista da LCA Consultores, isso deve mudar nos próximos meses por conta do recente reajuste de 14,24% aprovado pela Cemig, e que ocorrer em níveis similares junto à Eletropaulo e à Light. “Todo o alívio da política de redução, que foi positiva, está sendo revertida em virtude da estiagem. As distribuidoras tem parte da energia descoberta, e tiveram de comprar no mercado spot e encarar o teto, e isso é avaliado pela ANEEL na hora do reajuste”.

Outro grupo que tem influenciado o ritmo de preços é Transportes. Embora muito do avanço (de -0,05% em fevereiro para 1,38% em março) tenha sido puxado pelo aumento das passagens aéreas, o combustível exerce uma parte relevante na composição de preços. “No caso do etanol, ele sofreu bastante com o clima, e o etanol também é componente da gasolina. Além da questão da paridade energética, ao redor de 70% – se o preço do etanol fica maior do que 70% do preço da gasolina, e praticamente todos os consumidores são flex, o excesso de demanda acaba mexendo com os preços, e não se tem para onde correr”.

A mecânica de outros grupos

Quanto aos outros grupos que formam o IPCA, a dinâmica funciona de forma distinta. No caso do Vestuário, Etore Sanchez explica que o setor tem uma espécie de regra: “Vemos alívio no começo do ano, fruto de promoções de resto de estoques das festas do ano anterior, e com a renovação da coleção isso avança. A coleção de inverno entra, os preços sobem, caindo posteriormente e as festas voltam a impulsionar. É um efeito de sazonalidade e, em março, parte da coleção é renovada e se viu um avanço na margem – com o dado passando de -0,40% em fevereiro, fruto de promoções, chegando a 0,31% em março. A expectativa é que os preços subam até março, para ter uma nova desaceleração em junho. Daí, tem dados em queda até agosto e, em setembro/outubro, entra uma nova coleção e os preços sobem”.

No caso de Despesas Pessoais, o que gerou um impacto importante no índice foi o recente reajuste do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que afetou diretamente o preço dos cigarros em janeiro, o que alavancou o grupo. “Os reajustes de salários das empregadas domésticas também ajudaram a elevar a variação do grupo, e a perspectiva é que isso se acomode, pois não existe um reajuste de cigarro no horizonte e nem um grande dissídio para os empregados domésticos”. Contudo, espera-se um novo impulso em dezembro, com as grandes empresas antecipando o reajuste do IPI esperado para janeiro de 2015.

No grupo Saúde, os produtos farmacêuticos tem sido o destaque, muito por conta do recente reajuste de preços autorizado pela Anvisa, que estabeleceu em até 5,68% o aumento de preços em medicamentos regulados pelo governo a partir de 31 de março. “Projetamos que esse aumento comece a afetar o índice de abril a junho. Estimamos que venha um ajuste de 3,20% ao consumidor ao longo desses três meses”.

A cotação do dólar é outro fator a se acompanhar, muito por conta de sua influência sobre o grupo Artigos de Residência. Segundo Sanchez, grande parte dos itens que compõem tal categoria não são fabricados no Brasil, e o recente avanço do dólar atingiu o grupo. A recente queda da moeda norte-americana pode até afetar os preços do grupo no curtíssimo prazo, mas de maneira pouco expressiva. E o esperado “efeito Copa” em termos de consumo também não deve ser muito esperado. “Existe parte do comprometimento de renda do consumidor, e não sei se virá alguma medida para estimular o setor. Se não houver, a expectativa é que os preços caiam por conta da demanda”.

Depois do grande boom do começo do ano, o grupo Educação deve ficar em compasso de espera até a virada do semestre. “Por conta da metodologia, que utiliza o sistema de caixa e não competência, o reajuste de preços das mensalidades de janeiro acabou afetando o bolso em fevereiro. Daí tem outro ponto em julho/agosto, que é fruto dos cursos não regulares que tem reajuste nessa época, e não da mensalidade anual”.

Quanto ao grupo Comunicação, Etore Sanchez diz que o reajuste de aproximadamente 13% aprovado pela Anatel para ligações telefônicas entre aparelhos fixos e celulares representa apenas parte do indicador, e não deve chegar em sua totalidade ao bolso do consumidor.

O que esperar para os próximos meses?

Diante da forma como a instabilidade de preços está disseminada pelos produtos, a condição climática será um fator importante a se acompanhar daqui em diante. “É muito difícil projetar o clima, mas a melhor projeção que temos – dado que seja algo volátil – é que haverá reversão ao que é tido como normal, e a expectativa é que isso se normalize e os preços voltem ao normal”, diz Etore Sanchez, da LCA. Contudo, o estouro da meta é considerado inevitável: as estimativas da consultoria apontam um fechamento de 6,24% para a inflação em dezembro, mas com viés de alta, e o teto da meta sendo estourado em junho (chegando a 6,53%), “com pico ao redor de 6,82% em julho”.

Na visão de André Perfeito, os motivos conjunturais que tem afetado o índice de preços são “transitórios”, ao passo que os preços de itens industrializados estão em níveis considerados “relativamente tranquilos” pelo economista, já que a cotação do real está forte e a indústria opera com um certo nível de ociosidade. Entretanto, a questão do desemprego pode afetar o comportamento do setor de serviços no futuro. “O que vai acontecer, na minha visão, é que está tendo piora de expectativa da inflação e dos investimentos, que vão se traduzir em alta dos juros e menor emprego, e esse emprego menor vai acabar batendo na inflação em algum momento”, diz. Quanto ao fechamento do IPCA, o economista estima um avanço de 6,54% para o fim do ano, chegando ao pico de 6,90% em setembro.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • saber escolher

    Na alimentação é normal fugir do tomate quando aumenta o preço por pura especulação, frutas de estçaõ devem ser consumidas etc. na alimentação é possível fugir da especulação. Do pedágio, sabesp, copel, cemig e demais grupos encarcerando os mandantes.

  • Lógico que podem. A queda de
    Lógico que podem.

    A queda de um meteoro que cause a morte de metade da população mundial também deve afetar a economia.
    Um maremoto afetou a economia de Fukushima. O preço do alface subiu. Logo, maremotos causam aumento sistemático no preço do alface.
    Disso concluímos que maremotos causam inflação.
    Obrigado

    O artigo é de advogados ou apenas mais um analfabeto funcional?

    O asdunto só será notícia quando descobrirem uma fórmula matemática que relacione clima com economia.
    Meu primo trabalha na City num fundo privado que administra 500 bilhões de libras. Trabalha no fundo com previsões climáticas. Pós doutorado em matemática.

    Falaram uma cousa óbvia para estas reportetes, coitadas, sem embalsamento matemático mínimo fica mesmo difícil perceber o óbvio.

  • Clima não cria nem destroi

    Clima não cria nem destroi moeda, então não tem influência sobre a inflação.

    Pergunta:

    Pode haver aumento generalizado de preços com uma quantidade de moeda estável?

     

     

  • interessante é que nas taxas

    interessante é que nas taxas de juros e de lucros os entrevistados, aliás do mercado financeiro que vive de retorno em cima de tx de juros não há uma linha de comentário.E o e povo marcado, povo feliz.Diz a canção.

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