Guido Mantega piscou

Coluna Econômica

O Ministro da Fazenda Guido Mantega precisa se acautelar. O que de pior pode acontecer com a política econômica é quando o mercado perde o respeito pela palavra do Ministro. E o mercado perdeu o respeito.

Quando o mercado respeita, reduz-se substancialmente o custo das medidas de ajuste. A palavra inverte tendências sem a necessidade de tomar medidas, de se colocar à prova.

Quando perde o respeito, para surtir efeito as medidas precisam ser muito mais drásticas, custosas.

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OnteOntem, o dólar estava despencando no Brasil e no Chile. Na segunda-feira, o dólar tinha batido no piso de R$ 1,65 no Brasil. No Chile, também caiu.

O dia começou com o mercado fazendo o chamado “ajuste técnico” – uma alta esperada, depois de uma queda no momento anterior. No Chile, o Ministro da Fazenda anunciou a compra de US$ 12 bilhões de dólares para impedir o prosseguimento da queda do dólar. O mercado reagiu e o dólar valorizou-se 4,5%.

Pouco após as 12:30 o Banco Central anunciou uma fala de Mantega para as 15:30. O dólar foi subindo, chegou a aumentar 1,27%, batendo em R$ 1,672. Terminada a fala do Ministro, o dólar caiu para R$ 1,644.

Perda de respeito total.

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Em sua fala, Mantega limitou-se a garantir que a desvalorização do dólar é transitória e a ameaçar com medidas vagas, caso a queda prosseguisse.

Explicou que a recuperação da economia americana reduziu a percepção de risco global, deixando investidores mais à vontade para especular nas economias emergentes.

Parecia um economista de mercado falando sobre o mundo, explicando os motivos da queda, em vez de um Ministro da Fazenda agindo firmemente para contê-la.

Disse que o Brasil está autorizado pelo G-20 (o grupo das 20 maiores economias do mundo) a tomar um conjunto de medidas para conter a valorização do real. Depois, garantiu que o ajuste fiscal reduzirá o crescimento, abrindo espaço para a queda da inflação e dos juros.

E o mercado ouvindo e o dólar recuando.

Terminou enfático:

— O ajuste fiscal ajudará a política inflacionária do Banco Central, de modo a reduzir juros no país para atrair menos capitais externos. O governo está atento a essa questão. Não permitiremos que o dólar derreta.

E o dólar derretendo.

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Não vai dar certo. Não há mais tempo para contemporizar com o câmbio. Nem se fale do processo de desindustrialização em marcha, dos riscos que ameaçam as contas externas – hoje equilibradas apenas em preços irreais de commodities. Basta um novo estouro na bolha de commodities para as contas entrarem definitivamente no vermelho.

E tudo isso em um quadro mundial incerto, no qual muitos países começaram a proceder às chamadas “desvalorizações competitivas” – isto é, forçando a desvalorização de suas moedas para conseguir garantir parte dos empregos à custa de países com câmbio valorizado.

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Nos últimos anos, Mantega firmou-se empunhando bandeiras claras, manifestando preocupação com o câmbio. Cresceu quando ousou, na crise. De uns tempos para cá, está se enredando em um discurso dúbio, lançando desconfianças não apenas no mercado mas entre aqueles que estavam do mesmo lado da trincheira. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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