O Pró-Brasil e o fim da era Guedes, que foi sem nunca ter sido

Apresentado ontem, na coletiva diária sobre o coronavirus, o plano Pró-Brasil, de retomada da economia e geração de empregos, não é nada. Mas traz alguns sinais significativos.

O que se anunciou, sob a coordenação do general Braga Neto, chefe da Casa Civil, foi tirar da gaveta os programas Parcerias Público-Privadas (PPPs) e o Programa de Investimento em Logística (PIL), lançado no governo Dilma Rousseff, já na fase terminal do pré-impeachment. Depois, montou um grupo de trabalho interministerial, excluindo do grupo o Ministro da Economia Paulo Guedes. Alegou-se que o papel de Guedes seria no segundo tempo do jogo, no financiamento do projeto.

Conversa! O Ministério da Economia engloba hoje os antigos Ministérios do Planejamento, do desenvolvimento Indústria e Comércio, do Trabalho. Na prática, desmanchou o super-ministério montado e entregue a Guedes.

Entregar o projeto ao general Braga é uma consequência lógica: traz os militares de volta ao conceito de segurança nacional – não as pirações sobre comunovirus e outras tolices -, mas a identificação de temas centrais de segurança nacional, da autossuficiência em produtos básicos e estratégicos.

Segurança nacional inclui setores específicos da economia: saúde, alimentação, energia, entre outros setores. O papel do Estado não é o de abrir empresas a torto e a direito para cuidar desses setores. É definir a estratégia de industrialização, o papel que cabe a cada setor. São necessárias estatais naqueles setores críticos, cuja necessidade de capitalização ou risco de negócio não atrai o setor privado. E capacidade de diagnóstico e de articulação com o setor privado, institutos de pesquisa, associações empresariais.

Desde os anos 50 foi assim com o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) financiando a indústria e a infraestrutura; o Banco do Brasil amparando a agricultura; a Caixa Econômica Federal financiando saneamento e habitação; a Petrobras desenvolvendo uma ampla rede de fornecedores e de pesquisa; a Eletrobras garantindo o equilíbrio e a modicidade tarifária do mercado de energia, CAPES e CNPq articulando os sistemas estaduais de financiamento de pesquisa. Essa construção preciosa, que vinha desde os anos 70, foi desmontada nos últimos governos, Temer e Bolsonaro, por um neoliberalismo extremamente superficial.

Por toda essa complexidade, a definição das políticas de investimento não é tarefa trivial, de meramente tirar projetos da gaveta e colocar no mercado.

Na logística, por exemplo, há todo um planejamento para identificar rotas de transporte, integração de modais, fluxos de mercadorias. Tem que se analisar a concorrência e a integração entre os diversos modais, o que exige estudos e experiência.

Do mesmo modo, o financiamento da infraestrutura exige estudos de cada tipo de concessão, modelagem dos instrumentos financeiros, das formas de seguro.

Por exemplo, os principais atores da construção civil – as grandes empreiteiras – foram dizimadas pela Lava Jato. Desde então, milhares de obras foram paralisadas por absoluta falta de limites aos trabalhos dos órgãos de controle. Como será a reconstrução?

Não basta abrir as burras e chamar os candidatos. Tem que haver um conceito claro orientando todas as ações. Nos próximos anos, haverá mudanças radicais no perfil da economia brasileira, com a necessidade de fortalecimento do complexo industrial da saúde, da oferta de energia a preços módicos, da diversificação de mercados para o agronegócio. Qual é a estratégia brasileira nesse novo cenário?

No novo desenho mundial, haverá um crescimento das políticas protecionistas, um movimento dos países trazendo de volta a produção, que foi terceirizada para a Ásia.

Por isso mesmo, o grupo de trabalho anunciado, em princípio não significa nada. E o Power Point apresentado é a maior demonstração do amadorismo e improvisação deste governo: não diz nada. Mesmo sendo um Power Point – programa de computador que aceita tudo -, é de uma pobreza franciscana: cinco lâminas que não passam de um amontoado de informações óbvias, que poderia ser feita por qualquer observador amador da política industrial. Programa-Pro-Brasil-22-abr-Versao-Imprensa

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Na minha opinião, esta primeira imagem do Power Point diz muito: a brancura excessiva: apenas crianças muito brancas: isso diz tudo sobre para quem o Brasil deve servir.

    • Esses militares mal formados (basta ver a qualidade do conhecimento deles qdo se expõem em qq disciplina de humanas), metidos a entendidos de assuntos que nunca trataram, se expõem cada vez mais como PARVOS ..pior que levam junto com eles a imagem do país.
      Com eles sempre foi assim, na base do cumpra-se, ou prendo e arrebento, afinal, eles sabem que AUTORIDADE pra eles, truculentos e limitados, é muito mais importante que qq argumento ou conhecimento, questão de vida ou MORTE, pensam.
      ..não tem jeito, não deu, não dá, não tem como dar certo.

  • Com todo respeito ao Nassif, isso é que forçar uma conclusão: "Entregar o projeto ao general Braga é uma consequência lógica: traz os militares de volta ao conceito de segurança nacional".

  • Obs:Quase toda a equipe econômica de Trump(se pronuncia Thuamp)é do Goldman Sachs do escândalo da Sub Prime de 2008 e SUPOSTAMENTE querem salvar a economia do seu País tb!!!

  • Bom... esse Braga Neto se formou na mesma escola do Heleno, do Mourão, do Bolsonaro, todos com antecedentes brilhantes como João Figueiredo, Newton Cruz et caterva. O Brasil não tem futuro, tem passado. Que por sinal foi uma desgraça. E o povo pedindo regime militar. Dessa vez acho que Deus pediu cidadania aos argentinos.

    • Não é o povo que pede ditadura. É uma minoria fascista barulhenta que está dividindo o país com suas neuroses e falácias.

  • Malgrado tenhas, Nassif, uma excelente visão estratégica, há coisas que não estão muito bem explicitadas, não só na implementação, mas na incoerência da postulação: como ter um "novo Plano Marshall" uma nova "Aliança para o Progresso (deles!)" e ficar atrelado aos E. D.A., cocomitantemente, o que é manifestantemente a "estratégia militar tupiniquim"? Isso aí é o nó górdio da questão. Ou não? Claro que escantear o mascate-mor é importante, mas não pode se limitar a isso.

  • De Fernando Brito, no seu Tijolaço : "Braga Neto é o Presidente da República?"

    "Na entrevista do Comitê de Crise do Governo Federal, com o atrativo da tardia participação do interventor de Jair Bolsonaro no Ministério da Saúde, algo chama a atenção.

    É anunciado um plano de recuperação econômica de R$ 240 bilhões de reais, chamado “Pró-Brasil”, que engloba todo o tempo restante deste governo.

    Sob o comando militar do general Braga Netto, que teve menos votos para presidente que o Cabo Daciolo.

    O Ministro da Economia nem presente estava. O nome do presidente da República nem sequer foi mencionado pelo “chefe” do plano.

    Para ele, ficaram as pobres referências de Marcelo Álvaro Antônio, o laranja do Turismo e do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, convocado para “falar pelos governadores”, sem legitimidade para isso, numa patética performance pró-liberação do comércio e das escolas que nem ele mesmo poderá realizar.

    Não dá sequer para falar do general Luiz Ramos, que culpa a imprensa por mostrar o sepultamento em massa de cadáveres, que vai assustar os idosos.

    O espetáculo foi patético.

    O Ministro da Saúde preocupou-se em falar dos efeitos da epidemia sobre a renda dos hospitais privados e do bilhão de reais do Itaú, um trocado perto dos recursos necessários à Saúde.

    Nada relativo a ações de emergência das quais o país precisa, desesperadamente.

    O “Plano Marshall” ou “New Deal”, como queiram, anunciado pelo “presidente” Braga Netto é uma tolice.

    Aposta, num período em que é evidente a retração do capital internacional, em que 7/8 dos recursos venham do capital privado.

    O “investimento” público na recuperação econômica não chega a um mês da ajuda emergencial. As obras citadas pelo general eram de duplicações de trechos de 9 km de rodovias! A rigor, avenidas urbanas, nada perto de uma revolução viária.

    Mais do que dinheiro, porém, falta-lhe legitimidade política para liderar um projeto de recuperação econômica.

    Pior, tem diante de si um desestabilizador cotidiano de qualquer serenidade, representado pelo presidente da República."

    https://www.tijolaco.net/blog/braga-neto-e-o-presidente-da-republica/

  • Se a coisa começou com os milicos já é sinal que nada andará.
    Essa gente tem a limitação intelectual imposta pela disciplina militar e ainda desvirtuada pelo golpismo.

  • O Brasil já era. Vamos tentar sobreviver a isso tudo e sair quando possível. Eu preparo minha filha para sair daqui. Ja nao tenho esperanças.

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