Continua a montagem do governo interino de Michel Temer.

Nos Ministérios, em geral, é uma surpresa atrás da outra, do Ministro da Saúde que não sabe interpretar indicadores do SUS, e sustenta que plano de saúde não deve ser regulado, ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que admite que sua única experiência com a indústria foi como contador de uma fábrica.

De uma maneira geral, o segundo escalão está sendo inteiramente loteado, em um grau até hoje inédito.  Possivelmente nem no interregno de José Sarney chegou-se a tal nível de aparelhamento.

Mas na montagem de parte da equipe econômica está se acertando mais o passo.

A indicação de Pedro Parente para a presidência da Petrobras é garantia da manutenção da profissionalização de gestão instituído por Aldemir Bendine e da consolidação dos sistemas de compliance.

Parente é um funcionário público de carreira, com passagem bem-sucedida pelo setor privado. No governo FHC, foi a grande âncora na qual se sustentou o governo, depois dos desastres do apagão.

Na economia, persiste a visão fiscalista torta, de buscar o equilíbrio fiscal à custa de mais cortes orçamentários.

Mas houve um ganho efetivo na indicação de Ilan Goldjan para o Banco Central, pela possibilidade de corrigir alguns dogmas do mau monetarismo.

A peça do BC

Uma das poucas notícias positivas estruturantes, nos últimos tempos, foi o anúncio da possibilidade do próximo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, criar uma instância superior à do Banco Central para formular a política cambial.

O país tem uma resistência histórica a corrigir erros óbvios. Adota-se uma teoria incorreta, mas que gera vencedores. Constatadas as inconsistências, elas se perpetuam mantidas pelos grupos vencedores.

É o caso da política cambial brasileira, a maneira como ficou subordinada ao sistema de metas inflacionárias.

Criou-se uma situação esdrúxula.

A qualquer soluço da inflação, independentemente das causas (choque de oferta ou de demanda, problema climático, choque cambial), aumentam-se os juros. Imediatamente, iniciam-se duas consequências deletérias:

1      Mais juros, mais entrada de dólares, mais apreciação cambial. Isto é, o real fica mais valorizado comprometendo as exportações.

2      Juros na veia do orçamento, pressionando a dívida pública e comprometendo fatias cada vez maiores do orçamento.

No entanto, não há nenhuma restrição, nenhum limite contra essas sequelas. Em todo esse longo período, que vem do início da gestão Armínio Fraga no BC até hoje, o BC atuou de forma esdruxulamente independente. Não se travava da independência técnica – necessária na implementação da política monetária – mas no direito absoluto de criar desajustes cambiais e custos astronômicos de juros.

Em todo país civilizado, a política cambial é elemento central de política econômica, diretamente ligada a um projeto de país. Nenhum governo abre mão do poder de decidir sobre o câmbio.

Se quer estimular a indústria interna, mantém a moeda desvalorizada. Se julga a economia suficientemente forte, valoriza a moeda. Se quer praticar populismo cambial, aprecia o câmbio.

Seja qual for o objetivo, definir a política cambial é prerrogativa de governo. Ou, no mínimo, de um conselho interdisciplinar que analise todos os impactos da política monetária sobre o conjunto da economia, incluindo emprego e orçamento.

Não se sabe até que ponto, como presidente do BC, Ilan ousará as propostas que podia elaborar livremente, de fora do governo. Se instituir esse conselho, com uma composição de peso, e acelerar a queda da taxa Selic, ante a iminência de queda acelerada da inflação, terá dado sua contribuição.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Claro, a parte econômica tem que ser resguardada para não perder

    Claro, a parte econômica tem que ser resguardada para não perder valor o patrimônio a ser vendido, agora tudo aquilo que é serviço público quanto pior melhor.

    Baita xadrez!

     

  • Engana-se caro Colunista, em

    Engana-se caro Colunista, em relação ao sr. Parente, quer como funcionário público (senhor caspas, de triste memória no BB), quer como na área privada (sua passagem pela RBS é sentida até hoje, como aquele jogador comprado por muito dinheiro e com desempenho pífio). Para o país, como um todo e a Petrobrás em particular, raposa no galinheiro privatista.

  • Governo “tira-gosto”

    O Temer está ainda com a espada de Dâmocles sobre a sua cabeça, pois, ainda há uma probabilidade razoável de Dilma voltar ao Governo. Esta probabilidade de Dilma voltar aumenta em proporção direta com a eventual implantação de medidas que Temer (e os seus apoiadores golpistas) gostaria de tomar e não pode, por conta disso.

    Temer fará nestes 180 dias um governo “tira-gosto”, de degustação, tímido, mostrando apenas a ponta do iceberg que esconde as verdadeiras intenções neoliberais, observando tanto a opinião pública como a direção do vento dentro dos senadores mais indecisos em relação à Dilma. A classe empresarial apoia integralmente (foi enternecedor o anuncio da KIA na TV ontem, apoiando ao novo ”Presidente”), assim como o PIG e outros setores golpistas dentro dos poderes “meritocráticos” da república.

    Aplicando este raciocínio ao caso específico do Goldfajn, embora Nassif destaque alguma ação “estruturante”, o 90% do iceberg oculto traz a autonomia do BC no seu bojo.

    O papel das mulheres no novo governo golpista

    No plano social, a falta de mulheres na nova equipe de Governo contrasta com a exaltação do “way of life” da primeira dama “recatada e do lar”, cuja vida de dondoca já começa a aparecer em publicações internacionais. Ainda, o cartão de crédito inesgotável da mulher do Eduardo Cunha no exterior traz mais um sinal de estes novos tempos, onde o papel reservado à mulher, neste novo cenário político no governo golpista, é para usar e exibir (como a canção de Vinícius de Moraes). O programa “mulheres ricas” da Band poderia fazer sucesso nestes novos tempos.

    Este aspecto é mais um complicador para Temer e o seu “grupo de homens e um destino”, com roteiro de filme machão dos anos 50. Pelo menos, o PIG poderá novamente “bombar” com a Revista “Caras” e outras do tipo, agora com vasto material para educar a mulherada brasileira. A gente já não tinha mais o que ler nos consultórios médicos ou no cabeleireiro. A Dilma só andava de bicicleta, porra!

  • O Senado se mistura ao

    O Senado se mistura ao governo interino com nomes de primeiro e segundo escalão que disputam e conseguem cargos na formação administrativa federal provisória. Com isso, como o Senado vai ter isenção para depois de 180 dias julgar presidente afastado? Claro que o governo provisório vai agir para continuar a governar, se tiver chance disso. O próprio fato de deputados fazerem parte do governo interino em grande número, já põe a própria votação de autorização para andamento do processo de afastamento em clara suspeição. Qualquer parlamentar jamais poderia compor um governo provisório enquanto durasse o processo de afastamento por parlamentares. Se o longo rito do processo visava estender ao máximo as possibilidades de defesa do presidente afastado, a prática mostrou que ele não funciona nesse sentido, quanto em torno do suposto impeachment opera um grupo político fortíssimo no parlamento e muito interessado em galgar ao poder, e esse grupo faz livremente uma coalizão interna no Congresso com esse fim. Na verdade isso cheira tão fortemente a usurpação de poder que é impossível não se tapar o nariz. Não pode haver nenhuma dúvida. Aí está um golpe de Estado de parlamentares para tomarem e absorverem o poder executivo. Que não poderia ter acontecido, ressalte-se, sem a participação fundamental do poder judiciário.

  • Acho que Temer está o

    Acho que Temer está o seguindo o conselho dum acessor de Clinton para a primeira eleição deste em 92 ="É economia, seu estúpido!"  Ou seja, loteia até não poder mais todos os setores, se alia com o que há de mais nebuloso, para dizer o mínimo, na parte política e aposta TODAS as fichas numa área econômica de respeito. Temer sabe que se ele acertar na economia, coisas bobas como corrupção serão deixados de lado ou conveniente esquecidos. Mas, se a economia dar com os burros n'água, ele cai rapidinho.

  • Aparelhamento de OSs de P&D&I

    " De uma maneira geral, o segundo escalão está sendo inteiramente loteado, em um grau até hoje inédito.  Possivelmente nem no interregno de José Sarney chegou-se a tal nível de aparelhamento."

    Nassif, nem as OSs ligadas a P&D&I estão escapando:

    http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/3-organizacoes-sociais-de-ciencia-estranham-cabecas-de-planilha-do-novo-ministerio/

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