Mobilidade global revela nova atividade profissional: o interculturalista

Mobilidade global revela nova atividade profissional: o interculturalista

Por Ana Brescancini e Anna Silvia de Rosal e Rosal 

Transitar em ambientes que combinem várias culturas tem sido cada vez mais comum. Por diversos motivos, o número de pessoas que muda o país de residência cresceu nas últimas décadas, o que requer atitude de atenção e diálogo com o diverso. O Brasil é destino de imigrantes, refugiados e expatriados (profissionais transferidos para trabalhar em outro país). Sua população enfrenta os desafios de conviver, educar (crianças e adolescentes) e negociar com pessoas que pensam a partir de referências culturais diferentes. Na perspectiva de quem recebe novas chegadas representam um estímulo para compreender, explicar e celebrar a própria cultura.

Esse cenário revela a necessidade de desenvolver habilidades para lidar com aspectos subjetivos, inerentes a momentos de contato entre indivíduos com sensos de observação referenciados pelas respectivas culturas e traços de personalidade. Na largada do século XXI, ter fluência cultural passa a ser tão importante quanto ter fluência digital.

Fluência cultural significa ir além da constatação das diferenças e lançar-se no esforço de compreender o diverso e criar  condições para o diálogo e para a sinergia. Um campo novo de atuação profissional se desenha a partir da necessidade de atuar em situações de convívio social marcadas pela diversidade: o interculturalismo.

Interculturalista é o profissional que atua na análise e facilitação de situações em que a diferença cultural se faz presente, seja por envolver pessoas de diferentes países, profissões, empresas, crenças religiosas e outros traços, crenças e valores que orientem o comportamento individual e de grupo. Trata-se de perfil que prevê  educação formal, no sentido de desenvolver habilidades no uso de métodos e técnicas empregados em contextos, áreas e situações de diversidade. Características pessoais,  experiência profissional e de vida também contam. Contudo, o fato de encontrar-se numa situação de contato com outra(s) cultura(s), num dado momento, não faz de alguém um(a) interculturalista. 

Em recente estudo desenvolvido a partir de uma pesquisa junto a 405 profissionais, de 43 nacionalidades, a ex-atleta, psicóloga e interculturalista Susan Sansberg, traçou um perfil sobre a atividade do interculturalista. Ela esteve no Brasil em dezembro de 2015 e apresentou os resultados de seu trabalho em evento promovido pela SIETAR[1]. Merece atenção nos dados obtidos por Susan a concentração de interculturalistas em economias desenvolvidas como Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França e Reino Unido, atuando principalmente como autônomos e/ou docentes. A pesquisa revelou que a atividade é predominantemente feminina, fortemente motivada pela própria experiência de viver em outro país e por fatores intrínsecos, como: autorrealização e busca de novos desafios. Prova disso é o fato de o trabalho voluntário aparecer como primeira aproximação com a atividade e o posicionamento no mercado de trabalho ainda ser pautado como grande desafio.

A motivação intrínseca observada no perfil do interculturalista pesquisado por Susan: o desejo de ampliar horizontes, pessoais e profissionais. Nesse sentido, quem tem potencial para desenvolver fluência cultural se coloca em situações marcadas pela diversidade e acolhe os desafios inerentes a tais situações. Há uma curiosidade intelectual em aprender sobre o diferente, desvendar significados e elaborar análises comparativas. Na base desse entusiasmo investigativo está o respeito pela diversidade de pensamento e de interpretações, dado que tudo o que se refere a traços de cultura não admite juízo de valor:  cultura é o que é e nenhuma cultura, pessoa ou país tem todas as respostas para o espectro de situações da vida real. Uma postura analítica como essa cria um campo fértil para a busca de múltiplos pontos de vista para entender e contextualizar uma dada situação e, se for o caso, lidar com eventuais conflitos.

Mesmo lidando com o desafio de apresentar fluência cultural nos mais distintos âmbitos, como nos órgãos públicos, em empresas, escolas e consultórios, entre outros ambientes onde o estrangeiro se faz presente, a atividade do interculturalista ainda é escassa no Brasil. No entanto, o número de pessoas atraídas por este contexto é crescente e requer espaço de troca e aprimoramento.  Precisamos, então, aprofundar a compreensão sobre as interações humanas. Isso significa empreender esforços para “adquirir senso de cultura[2], no sentido de explicitar as diferenças, estabelecer comparações e situar nuances que permitem harmonizar sentidos e estabelecer diálogos.

Anna Silvia Rosal de Rosal é pesquisadora e Mestre em Psicologia, especialista em Psicoterapia Psicanalítica e professora convidada na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

Ana Brescancini é Mestre em Mercadologia pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas e professora convidada na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).

 

 


[1]SIETAR é uma Organização Não-Governamental cujo principal objetivo é a pesquisa, o treinamento e as atividades educacionais no campo das relações interculturais.

[2] Bonnie Gwin.  CEO da Heidrick & Struggles no Linkedin. Post Today’s global leader needs passion, not just a passport. 20 de maio de 2015.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • A Presidente merecia comunicação melhor administrada.

    Dia 03/03/2016, 23:00h na TV Brasil, o Íbsen Pinheiro foi entrevistado e fez propaganda do golpe, que se o povo fosse prá rua a Dilma cairia, perguntado sobre o povão do “não vai ter golpe”, disse: “Esse pessoal não conta.” Entrevistadora dizendo que o governo Dilma devastou a economia. 

    O que as Brigadas Herzog estão fazendo com voluntariado deveria servir de exemplo ao Governo Dilma até 2018. Deveriam montar uma base pelo mundo afora prá trabalhar na comunicação de uma agenda em defesa do governo. Pelo que vimos em manifestações contra o golpe pelo mundo, não faltariam colaboradores.

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