por Reginaldo Moraes
Celso Furtado e os impasses de um governo que se pretende progressista
Anos 1960, rescaldo de uma enorme derrota política – o golpe militar. Em diversos de seus livros, Celso Furtado, planejador e economista, refletiu criticamente sobre as dificuldades políticas da revolução brasileira. E forneceu elementos ainda hoje úteis para entender os impasses de uma coligação política que pretenda introduzir no pais ‘reformas de base’ que caminhem contra os interesses dominantes e a favor dos interesses das classes populares.
Um dos alvos da crítica de Furtado é o Poder Legislativo, sobretudo o Senado. Este dispõe de grande poder deliberativo no sistema legal em vigor. Ora, diz ele, sua composição é estruturalmente viciada, conferindo peso político descomedido a estados menos populosos e atrasados, universo eleitoral que se supõe mais permeável ao controle de “coronéis” locais. O poder de fazer leis fica desse modo em grande parte limitado a essa minoria comprometida com a estagnação e o despotismo. O Parlamento ‑ mecanismo clássico e constitucional de representação dos diferentes interesses ‑ tem sua identidade reduzida à fração “economicamente mais bem armada para vencer nas eleições”. Aparentemente, um vício de forma e de feitio. Mas ele conduz a um desacerto de fundo nas decisões de política econômica emanadas desse órgão:
“(…) o investimento público é financiado não com o esforço daqueles que se beneficiam dos frutos do desenvolvimento, e sim com o sacrifício daqueles que não têm acesso a esses frutos” (1962)
O sistema legislativo exclui sistematicamente, pela sua propria composição, os interesses das classes populares. Estes, aparentemente, só encontrariam quem os representasse através de novos poderes atribuídos ao Executivo:
“por conseguinte, surgiam condições para que o poder Executivo represente aquelas forças políticas emergentes que desafiam a tutela dos grupos dirigentes tradicionalistas” ( 1968)
Furtado aponta para o conflito entre as “expectativas das massas” e os princípios constitucionais que legitimam o poder, a ordem legal. O chefe do Executivo, eleito por voto majoritário, pela regra solene de ‘cada cabeça um voto’, assume um “mandato substantivo das massas”. E choca‑se contra o Congresso, controlado pela “classe dirigente tradicional”:
“Para manter‑se como poder legítimo, um Governo deve atuar dentro dos princípios constitucionais, e, ao mesmo tempo, corresponder no essencial às expectativas das massas que o elegeram. Entretanto, ao tentar cumprir o mandato substantivo das massas, com as quais pactuou no momento da eleição, o chefe do Poder Executivo entra necessariamente em conflito com o Congresso, sobre o qual exerce um estrito controle a classe dirigente tradicional” (1968)
Furtado tinha uma resposta para o impasse. Mais importante do que a resposta, porém, é a pergunta. Furtado pode não ter dado a ‘resposta certa’, mas soube fazer a pergunta.
Por detrás de sua reflexão, quem conhece a história dos tumultuados anos 1960 no Brasil, saberá reconhecer um slogan com o qual se procurava descrever o impasse do governo Goulart: Presidente progressista, parlamento reacionário.
Colocado diante de tal situação, o governo progressista parece condenado a um dilema: traição ou golpe. Se honrar seus compromissos e cumprir o mandato substantivo que as massas esperançosas lhe deram, enfrentará poderosas forças que o sabotarão até o limite do golpe. Se recuar diante dessas ameaças, trairá seus compromissos e, mais cedo ou mais tarde, flutuará sem bases. Cairá sem glória e, pior, esterilizará futuras tentativas de mudar o mundo: no chão em que pisou nem erva daninha crescerá.
Pode-se dizer que o executivo federal é apenas parte do poder no Brasil. É verdade. Mas naõ é insignificante. Se a coalização que o conquistou souber utilizar essa parte da força para alterar a correlação de forças adversa na sociedade, terá uma oportunidade de fugir do dilema. Corre contra o tempo. Corre contra a impaciência de uns e a acomodação de outros. Mas tem que correr. A pior escolha não é errar, é não ousar.
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A Venezuela escapou deste dilema
A Venezuela escapou deste dilema: no clima de generalizado desalento com os partidos tradicionais que antecedeu ao chavismo, elegeu um presidente progressista e um parlamento progressista.
E veja onde chegou!
Isso mostra que um parlamento de muitas cabeças é o contraponto necessário à presidência de uma cabeça só, porque se essa cabeça for de vento, aí danou. Penso que o melhor seria o parlamentarismo.
A questão não está no dilema
A questão não está no dilema entre muitas cabeças e uma. Está na distorção da representação, que tem raizes mais fundas. Não é resolvida apenas por uma mudança de regime como o parlamentarismo. Aliás, a Alemanha nazista era uma república parlamentar. E veja onde chegou.