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A ilusão de óptica nos impedimentos

Do Instituto Ciencia Hoje, via twitter

A regra ainda mais clara

Pesquisadores brasileiros identificam ilusão de ótica que pode estar por trás de erros de arbitragem. Junto com colegas belgas, desenvolvem método de treinamento para juízes e bandeirinhas errarem menos na hora de marcar impedimento.

Por: Saulo Pereira Guimarães

Publicado em 05/07/2011 | Atualizado em 06/07/2011

 

Pesquisadores acreditam que as marcações indevidas de impedimento no futebol podem estar relacionadas ao fenômeno óptico chamado ‘flash-lag’. O treinamento dos bandeirinhas pode ser a solução. (foto: Wikimedia Commons/ Rdikeman – CC BY-SA 3.0)

A regra é clara: um jogador está em impedimento quando, no momento em que um companheiro de time toca a bola em sua direção, há apenas um adversário entre ele e o gol rival. Cabe ao bandeirinha apontar o impedimento e ao árbitro, marcá-lo.

As marcações indevidas de impedimento podem estar relacionadas a um fenômeno óptico chamado flash-lag

Parece simples, mas não é, visto que esta é uma das grandes fontes de erros, polêmicas e até injustiças do futebol. Para ajudar a resolver o problema e minimizar as discussões entre os torcedores insatisfeitos, um grupo de pesquisadores busca entender os erros de marcação dessa infração nos campos.

A equipe comandada pelo médico e neurocientista Marcus Vinicius Baldo trabalha no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP). Com base em estudos desenvolvidos nos Estados Unidos e Holanda, o grupo observou que as marcações indevidas de impedimento podem estar relacionadas a um fenômeno óptico chamado flash-lag.

Ver uma coisa, enxergar outra

A ilusão acontece quando objetos parados são comparados com objetos em movimento logo após um evento inesperado, como um flash. “Um acontecimento inesperado leva um tempo maior para ser percebido”, afirma Baldo.

O pesquisador exemplifica: “Imagine um ponto que se desloca da esquerda para a direita, passando por uma linha vertical no centro de um plano. No momento em que ele cruza a linha, outro ponto pisca em alguma parte da superfície. Se pedimos a uma pessoa que identifique a posição do ponto em movimento no momento da piscada, ela tende a indicar uma localização um pouco depois da linha.”

O ‘flash-lag’ é a impressão errada da posição de um objeto em movimento em função de um evento exterior inesperado. A percepção de que a barra está inclinada no momento em que os traços menores piscam em suas laterais é uma manifestação do fenômeno. (fonte: Vision Sciences Laboratory/ Harvard)

Extrapolando para o futebol, o jogador que recebe a bola atua como um ponto em movimento em relação ao adversário mais próximo (linha de referência) e o momento do passe desempenha o papel do evento abrupto (o flash). Nesse caso, a ilusão afetaria os bandeirinhas, responsáveis pela verificação dos impedimentos no instante do toque.

“Os assistentes tendem a enxergar um atacante mais à frente do que ele realmente está em relação a um defensor na hora do passe, o que denotaria impedimento”, explica o pesquisador. Essa constatação comprovou a existência do flash-lag em ambientes naturais, até então desconhecida.

Não há consenso entre os estudiosos sobre as razões que levam ao fenômeno. Para Baldo, que se dedica à análise dos aspectos físicos do flash-lag há 15 anos, um aspecto comum a todas as explicações é a discrepância de julgamento temporal por parte da visão.

“O que sabemos é que o sistema nervoso processa de formas diferentes coisas que vêm acontecendo e eventos abruptos”, afirma o neurocientista.

Brasil e Bélgica

O estudo é desenvolvido em parceria com o Departamento de Ciências Esportivas da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica. Enquanto Baldo simula o flash-lag em condições experimentais em seu laboratório na USP, seus resultados e conclusões são aplicados pelo grupo europeu em situações próximas às que os árbitros e assistentes enfrentam nos gramados.

“Fico responsável pelos experimentos mais relacionados à percepção visual, que dão embasamento à pesquisa levada a campo na Bélgica”, explica o neurocientista. Lá acontece o treinamento de árbitros e bandeirinhas para que o efeito visual do flash-lag seja minimizado entre eles.

Em seu laboratório, Baldo desenvolve experimentos a partir de elementos visuais simples. Diante de uma tela de computador, voluntários têm sua percepção avaliada, por exemplo, a partir do movimento circular de um ponto azul.

O ponto fica amarelo em determinados momentos de sua trajetória em círculo. Cabe aos voluntários clicar sobre o botão stop no instante em que o ponto muda de cor, tarefa nada fácil, dificultada pelo fenômeno visual.

O cérebro do voluntário pode se reprogramar para atenuar a ilusão de ótica

Em uma segunda etapa, os erros de percepção são apresentados aos participantes. Baldo acredita que, dessa forma, o cérebro do voluntário pode se reprogramar para atenuar a ilusão de ótica.

Na Bélgica, psicólogos dão prosseguimento à pesquisa, levando a campo situações de impedimento para avaliação de árbitros e bandeirinhas. “Além disso, eles também têm trabalhado com vídeos manipulados com situações reais de impedimento”, conta Baldo. A intenção é testar a eficácia desse tipo de treinamento, que poderia ser realizado em casa pelos interessados.

Segundo dados de um estudo conduzido na Universidade Vrije (Holanda), em 25 jogos da Copa do Mundo de 1998, o número de impedimentos marcados injustamente foi maior que o dobro da quantidade de impedimentos não sinalizados pelos assistentes.

Para o pesquisador, a assimetria na proporção das falhas corrobora a tese de que os bandeirinhas sofrem com o flash-lag. “Não acredito que esse seja o único fator, mas provavelmente é uma das principais razões para os erros de marcação”, avalia Baldo.

A parceria entre a USP e a universidade belga pode prestar um bom serviço ao esporte. “Com o treinamento dos bandeirinhas, haverá menos erros de arbitragem, que, no futebol, podem valer um título”, conclui o pesquisador.

Saulo Pereira Guimarães
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Luis Nassif

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