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Por que detesto a seleção brasileira

Por hugo

Do Ouro de Tolo

Por que eu detesto a seleção brasileira

Milly Lacombe

Um dia, fui torcedora.

Gritava vendo a seleção do país onde nasci atropelar adversários. Feliz, contava com cuidado o número de jogadores do meu time que tinham sido convocados, mas era também capaz de vibrar pelos rivais, que com a camisa amarela já não eram mais rivais: apenas companheiros de batalhas.

Gostava especialmente de Zé Sérgio, o ponta esquerda endiabrado que driblava e driblava e arrancava em direção ao gol. E Edinho na zaga, sempre motivo de orgulho máximo. Gostava de ver as seleções de Telê tocando a bola, colocando o adversário na roda, jogando para cima e fazendo gols. Torcia como uma maníaca pela seleção brasileira, que me enchia de orgulho, mesmo quando perdia.

Mas aí, em 98, tudo mudou. Morando nos Estados Unidos e vendo a Copa ao lado de muitos mexicanos em bares pela cidade, senti vergonha. Uma vergonha tão profunda que matou, em mim, a seleção brasileira.

No começo, apenas parei de acompanhar os jogos: o time passou a ser indiferente em minha vida. Mas, em 2002, me peguei torcendo fervorosamente para todo e qualquer adversário. E notei, pela primeira vez, como o conjunto brasileiro tem a simpatia da arbitragem: na dúvida, pró-Brasil. Claro que mesmo sem a camaradagem da juizada, as atuações do Marcão, Ronaldo e Rivaldo talvez fossem capazes de garantir a taça. Mas, ainda assim, o que eu via em campo era a seleção do Ricardo Teixeira, e tudo o que ele representava (e ainda representa, agora na figura do replicante Marin) para o futebol brasileiro.

As derrotas de 82 e 86 estabeleceram a regra: melhor jogar feio e ganhar do que bonito e perder. Cegos pela cobiça, esquecemos de pensar que poderia haver o “jogar bonito e vencer”, possibilidade que o time do Barcelona, desde 2005, tratou de mostrar ao mundo que existe. Em 2002, inauguramos oficialmente o “jogar feio e ganhar”. E assim, morreram os meias e nasceram volantes às pencas, agora reis supremos do meio de campo.

Times inteiros passaram a ser formados ao redor das duplas – ou trincas, ou quadras – de volantes. O que importava era destruir o ataque adversário. E passamos a dar botinada, a vibrar com empates e vitórias conquistadas com a tal simpatia da arbitragem.

Entraram em cena as simulações de falta, o cai-cai, o “vamos segurar esse empate”, o jogo encenado. E, com a diminuição da qualidade do futebol, aumentava a arrogância de todos os que eram chamados a fazer parte da comissão técnica: somos os melhores, não sentimos pressão nenhuma, que se danem as críticas.

Coletivas de jogadores e treinadores passaram a ser momentos de constrangimento. Todos ali faziam questão de mostrar que eram superiores com aquela camisa e não aceitariam palpites nem perguntas que não visassem levantar a moral do escrete. Questões “assessoria de imprensa” eram bem vindas; olhar crítico, impedido. Um tipo de arrogância emprestada do poderoso-chefão que estava no comando, um homem com cacoetes de ditador. Bastava um novo cara ser convocado, ou um outro treinador ser contratado, para que o empavonamento nascesse outra vez. E tome patada nas entrevistas – e botinada em campo.

Parte da mídia, claro, comprou, por conveniência, o nacionalismo vendido pela CBF: a seleção é a nação em campo. E tome discursos nacionalistas e completamente distanciados da realidade do que se via em campo. Mas a pátria de chuteiras a que Nelson Rodrigues se referia era outra: era uma patria representada pela ginga, pelo drible, pelo meia habilidoso, pelo futebol moleque, mas não mascarado. Ainda não tinha sido inventado o cai-cai: tudo o que havia era a ingênua e romântica luta pela posse de bola.

A seleção usada como instrumento de boçalização da nação passou a me dar ganas ainda maiores de torcer pelos rivais, quaisquer que fossem eles. Ou, como me abriu a cabeça texto do escritor Jair Ferreira dos Santos, da tentativa de fazer de cada transmissão uma ponte entre a Casa Grande, representada pelo poder opressor da CBF e de parte da imprensa, e a Senzala, representada por todos nós do outro lado do aparelho de TV.

E aprendi a admirar os argentinos, que não caem, que não fazem firula, que jogam bem ou jogam mal, mas com a garra de sempre. Nada poderia estar mais distante da verdade do que o mantra que a imprensa pacheca ainda teima em repetir: a tal catimba argentina. Se existe catimba, ela está do nosso lado, na cada dia mais teatral encenação de faltas, na desistência em seguir com a jogada depois de qualquer esbarrão a fim de cavar uma bola parada, no chute na canela que leva nossos “atores” a colocaram as mãos ao rosto, cairem simulando um desmaio para em seguida estrebucharem no chão com um olho no juiz e em busca do que parece ser o objetivo maior de algumas partidas: a expulsão do adversário.

Vi alguns jogos da seleção brasileira em aparelhos de TV por bares em Buenos Aires. Tudo o que escutei a minha volta era admiração pela camisa do país onde nasci. Os argentinos brincam, dizem que Maradona foi melhor do que Pelé, tiram onda; mas não sentem vergonha de admirar publicamente o futebol que um dia jogamos. A enorme raiva que destoa da rivalidade parece estar apenas do lado de cá, agigantada pela imprensa pacheca, que ainda acha que pode usar a seleção como instrumento de propaganda.

Em dois mil e seis o Brasil perdeu para a própria empáfia e conheceu uma nova combinação de possibilidades: além do “jogar feio e ganhar”, havia também o “jogar feio e perder”. As imagens pós-derrota, ainda em campo, mostram o tamanho de toda a nossa arrogância: jogadores rindo, dando os ombros para a eliminação.

Antes disso, Kaká era tratado como o craque que nunca foi e nunca será, e Robinho, quase sempre no banco, tido como a solução, coisa que nunca seria. Mesmo jogando mal e com um catadão vestindo a camisa amarela, em campo parecia sempre haver a certeza de que não perderíamos. Mas, dessa vez, nem com a ajuda do juíz daria para ganhar. A seleção que desaprendeu a jogar bola, a seleção que se comporta como um timinho, acovardada em seu campo de defesa, preocupada em matar o ataque adversário e sem nenhuma criatividade para avançar coletivamente, morreu de vez, ainda que fosse demorar para começar a cheirar mal.

Uma geração de volantes invadiu o mercado. Meias por natureza eram, na base, incentivados a desarmar mais do que a armar. Morreu o futebol arte, ceifado pela raiz: jogar feio e ganhar sempre preferível a jogar bonito e perder. A mentalidade tacanha de que tudo o que importa é ser o primeiro, reflexo de uma sociedade que mede o sucesso pelo saldo bancário e não pelo esforço aplicado ao trabalho, nem pela produtividade – muito menos pela honestidade.

Enquanto nosso futebol batia as botas, a CBF enriquecia: patrocínios milionários que nunca fizeram nada pela estrutura do jogo no país: campos de várzea, trocedores tratados como gado, jogos cada vez mais pobres.

Houve um dia, quando estávamos longe de ter uma Confederação milionária orquestrando nosso futebol, e mais longe ainda de ser a sétima economia do mundo, em que ir ao banheiro em um estádio brasileiro e pisar em poças de urina pelo caminho era aceitável. Faz muito que não precisa mais ser assim, e nada mudou. Ah, mudou sim, vamos sediar a Copa.

Vamos, na verdade, tirar dinheiro do contribuinte para ajudar a enriquecer mais meia dúzia de empresários. Um país com altos índices de corrupção e baixos de IDH não pode sediar eventos como a Copa. Não deveria.

Durante 30 dias , o Brasil será embargado pela FIFA, que assumirá o controle da nação, mudará as leias, explorará o turismo e tudo o mais que puder, sairá com o lucro e deixará o lixo.

Celebrar a infraestrutura que a Copa deixará é consolo de otário: infraestrutura é obrigação que qualquer governo deve oferecer a seu povo, e não é necessário um mega evento para justificar a construção de linhas de metrô, aeroportos modernos, estádios decentes.

Hoje, quando o Brasil entra em campo, arrasta com ele toda essa podridão, todo esse cheiro do ralo, toda a empáfia tão bem nutrida por aqueles que há décadas administram nosso jogo. Não tem como ganhar.

Em 2014, vai perder em casa, e vai perder em grande estilo. Podem trazer quantos juízes simpáticos à camisa amarela quiserem. Outra vez, cairemos para nossa própria arrogância. Mas isso está longe de ser o que mais vai doer. O que mais vai doer será ver o time do genial Messi campeão aqui dentro de nossa casinha.

Haveria no mundo maneira mais poética e simbólica de acabar com o reinado da nociva CBF sobre nosso futebol? No creo.

Luis Nassif

Luis Nassif

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