Dois poemas em galego-português

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

Dois poemas em galego-português

Por F. Ponce de León

Do blogue Poesia contra a guerra

Dois poemas em galego-português são reproduzidos neste artigo. O primeiro deles, referido às vezes como ‘A cantiga da ribeirinha’ ou ‘Cantiga de g[u]arvaia’, é atribuído a Pai (Paio) Soares de Taveirós (trovador galego que teria vivido em meados do século 12). É um clássico, ainda que cercado de dúvidas e mistérios. O segundo é de autoria de João Soares de Paiva, o Trovador (1140?-1215?), talvez o autor mais antigo de uma obra literária no âmbito do galego-português. Este é, infelizmente, o único poema dele que chegou até nós.

Vale registrar que Vasconcelos (2004 [1904]) [1] adota 1189 como o ano de composição do primeiro poema, “inserindo-o”, como ela própria diz, “dentro do reinado de Sancho I” (p. 431) – trata-se do rei Sancho I, o Povoador (1154-1211), o segundo rei de Portugal. A datação dela tem sido contestada; caso esteja correta, no entanto, faria desses versos o texto literário em galego-português mais antigo que se conhece. Ainda segundo Vasconcelos (2004 [1904]), o segundo poema teria sido composto por volta de 1213.

As versões aqui reproduzidas foram extraídas do livro Poesia contra a guerra (2015), do qual constam ainda as respectivas versões em português moderno.

 

No mundo non me sei parelha

Pai Soares de Taveirós

 

No mundo non me sei parelha,

mentre me for como me vay.

Ca já moiro por vós. E ay

mia senhor branca e vermelha,

queredes que vos retraya

quando vus eu vi en saya!

Mao dia me levantei,

que vos enton non vi fea.

 

E mia senhor, des aquel di’ay

me foi a mi muyn mal.

E vos, filha de don Paay

Moniz, e ben vus semelha

d’aver eu por vos guarvaya,

pois eu, mia senhor, d’alfaya

nunca de vos ouve nen ei

valia d’ũa correa.

*

Ora faz ost’o senhor de Navarra

João Soares de Paiva

                                                                                                                                

Ora faz ost’o senhor de Navarra,

pois en Proenç’est el rey d’Aragon!

Non lh’a(n) medo de pico nen de marra

Tarraçona, pero vezinhos son;

nen an medo de lhis põer bozon

e riir-s’-an muit’én Dura e Darra.

Mais se Deus traj’o senhor de Monçon,

ben mi cuid’eu que a cunca lhis varra!

 

Se lh’o bon rey varrê’-la escudela

que de Pamp’lona oïstes nomẽar,

mal ficará aquest’-outr’en Todela

que al non á [a] que olhos alçar;

ca verrá i o bon rey sojornar

e destruir á o burgo d’Estela,

e veredes Navarros [l]azerar

e o senhor que os todus caudela.

 

Quand’el rey sal de Todela, estrẽa

el essa ost’e tod’o seu poder:

ben soffren i de travalh’e de pẽa,

ca van a furt’e torna[n]-s’en correr.

Guarda-s’el rey, come de bon-saber,

que o non filhe luz en terra alhẽa,

e onde sal, i s’ar torna jazer…

ao jantar, ou se non, aa cẽa.

*

Nota

[1] Ver Glosas marginais ao cancioneiro medieval português (Acta Universitatis Conimbrigensis, 2004 [1904]), de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Para detalhes e comentários adicionais, ver o artigo ‘As duas primeiras cantigas do período trovadoresco’ (Revista da Academia Brasileira de Filologia [Nova Série], n. 5, 2008), de Horácio Rolim de Freitas. Para um panorama amplo e detalhado da literatura medieval portuguesa, ver o blogue português Cantigas medievais galego-portuguesas.

*

Redação

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  1. Mais um, do rei D. Diniz

    Cantiga de amor

    Um tal home sei eu, ai bem talhada,

    que por vós tem a sa morte chegada.

    Veedes quem é, seed’em nembrada:

    eu mia dona.

     

     

    Um tal home sei que perto sente

    de si morte certamente.

    Veedes quem é, venha-vos em mente:

    eu mia dona.

     

     

    Um tal home sei, aquest’oíde,

    que por vós morr’e vo-lo partide.

    Veedes quem é, nom xe vos obride:

    eu mia dona.

     

    Cancioneiro da Biblioteca Nacional 514, Cancioneiro da Vaticana 97

        

  2. Agora uma cantiga de amigo

    Ai flores de verde pino

    Loryel Rocha (???)

     

     

    Ai flores, ai flores do verde pinho,

    se sabedes novas do meu amigo?

    Ai Deus, e u é?

     

    Ai flores, ai flores do verde ramo,

    se sabedes novas do meu amado?

    Ai Deus, e u é?

     

     

    Se sabedes novas do meu amigo,

    aquel que mentiu do que pôs comigo?

    Ai Deus, e u é?

     

    Se sabedes novas do meu amado,

    aquel que mentiu do qui mi há jurado?

    Ai Deus, e u é?

     

     

    Vós me perguntardes polo voss’amigo,

    e eu bem vos digo que é sã’e vivo.

    Ai Deus, e u é?

     

    Vós me perguntardes polo voss’amado,

    e eu bem vos digo que é viv’e são.

    Ai Deus, e u é?

     

     

    E eu bem vos digo que é sã’e vivo

    e seera vosc’ant’o prazo saído.

    Ai Deus, e u é?

     

    E eu bem vos digo que é viv’ e são

    e seera vosc’ant’o prazo passado

    Ai Deus, e u é?

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