A Ascensão da China e o Império Americano, por por Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

A partir de 1939, uma sucessão de eventos e ações consolidaram ou desafiaram ou abalaram a hegemonia americana, durante o enfrentamento com o Eixo, durante o embate com a União Soviética na Guerra Fria e, a partir de 1979, diante da ascensão da China.

A Ascensão da China e o Império Americano

por Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

  1. Desde a segunda década do Século XXI e nas próximas décadas o fenômeno político, econômico e militar mais importante tem sido e será a firme disposição dos Estados Unidos de manter sua hegemonia mundial, seu poder e seus privilégios como Metrópole de um Império, face à ascensão e à competição chinesa.
  2. Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra Mundial em uma posição de extraordinária hegemonia militar, política, econômica, tecnológica e ideológica e, sobre a força dessa hegemonia, organizaram o sistema mundial e seu Império.
  3. Sua hegemonia militar absoluta era representada pela exaustão soviética, a segunda maior potência vencedora, pela rendição incondicional e a ocupação militar dos Estados inimigos, pela presença militar em territórios de Aliados e pelo monopólio da arma nuclear.
  4. Sua hegemonia política absoluta era demonstrada pela capacidade de reorganizar o sistema político doméstico dos inimigos derrotados, pela imposição de novas Constituições e nessas Constituições de cláusulas de proibição de terem Forças Armadas.
  5. Sua hegemonia econômica absoluta era revelada pelo fato de que seu PIB e suas exportações tinham dobrado durante a Guerra; sua produção industrial tinha crescido 15% ao ano; detinham 2/3 das reservas mundiais de ouro e produziam 50% do total mundial de bens e serviços. Enquanto isto seus adversários tinham tido suas economias destroçadas, assim como tinha ocorrido com a União Soviética, sua aliada essencial na Guerra.
  6. Os Estados Unidos gozavam de enorme prestígio e influência ideológica, decorrente da vitória do American Way of Life, otimista, alegre e próspero, sobre a sombria visão nazista da sociedade, da economia e do mundo, visão racista, ariana, de organização autoritária e violenta.

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  • A partir de 1939, uma sucessão de eventos e ações consolidaram ou desafiaram ou abalaram a hegemonia americana, durante o enfrentamento com o Eixo, durante o embate com a União Soviética na Guerra Fria e, a partir de 1979, diante da ascensão da China.

_____ Franklin D. Roosevelt (1933-1945)

1939, set. A invasão alemã da Polônia desencadeia a Segunda Guerra Mundial.

1940, set. A Alemanha, a Itália e o Japão assinam o Pacto Tripartite.

1941, mar. O programa Lend-Lease permitia aos EUA, ao ajudar com recursos e armas a Grã-Bretanha e a URSS, penetrar comercialmente no Império Britânico e impedir seu restabelecimento após a Guerra.

1941, ago. Churchill e Roosevelt assinam a Carta do Atlântico com os objetivos da guerra.

1941, dez. Ataque japonês a Pearl Harbour; os EUA declaram guerra ao Eixo.

1943, fev. Vitória soviética em Stalingrado.

1944, jul. O FMI e o BIRD estabelecem a hegemonia mundial do dólar.

_____ Harry S. Truman (1945-1952)

1945, mai. A Alemanha se rende e termina a Segunda Guerra na Europa.

1945, jun. A Carta da ONU prevê um Conselho de Segurança com cinco membros permanentes, com direito a veto.

1945, ago. Bombardeio atômico americano de Hiroshima e Nagasaki.

1945, ago. O Japão se rende e termina a Guerra no Pacífico.

1945, dez. Morrem 60 milhões na Segunda Guerra, sendo 400 mil americanos.

1946, mar. Discurso de Churchill sobre a “Cortina de Ferro”, em Fulton, Missouri.

1947, mar. Truman anuncia apoio financeiro e político a Governos anti-comunistas.

1947, jun. O Plano Marshall é o programa americano de reconstrução da Europa.

1947, out. Adotado o GATT, General Agreement on Tariffs and Trade.

1949, abr. É criada a OTAN, aliança militar para enfrentar a URSS.

1949, ago. Explosão da bomba atômica soviética quebra o monopólio dos EUA.

1949, out. Vitória da Revolução Comunista na China.

1950, jun. A Guerra da Coreia (1950-1953) leva ao rearmamento americano.

_____ Dwight D. Eisenhower (1953-1960)

1954, fev. Teste de bomba de hidrogênio americana, 1000 vezes mais poderosa.

1954, mai. O Viet Mihn toma a fortaleza francesa de Dien Bien Phu.

1956, fev. Kruschev denuncia os crimes de Stalin e defende a coexistência pacífica.

1957, out. A União Soviética lança o Sputnik, primeiro satélite artificial.

1959, jan. É vitoriosa a Revolução Cubana de Fidel Castro.

1959, fev. Teste do primeiro míssil balístico intercontinental, ICBM, pela URSS.

1960, jul. Divergências políticas causam a ruptura entre a China e a URSS.

1960. Os EUA tinham 1000 bombas atômicas em 1953 e 22 mil em 1960.

1961, jan. Eisenhower denuncia o “complexo industrial militar”.

1961, set. Criação do Movimento de Países Não Alinhados.

_____ John F. Kennedy (1961-1963)

1962, out. Crise dos misseis soviéticos instalados em Cuba.

_____ Lyndon B. Johnson (1963-1968)

1964, out. Explosão da primeira bomba atômica chinesa.

1967. As tropas americanas no Vietnam chegam a 525 mil homens.

1968, jul. O Tratado de Não-Proliferação atribui privilégios a cinco Estados.

_____ Richard Nixon (1969-1974)

1969, jul. A Missão Apolo 11 dos EUA leva o primeiro homem à Lua.

1971, ago. Os EUA abandonam a livre conversibilidade do dólar em ouro.

1971, out. A RPC assume seu assento no Conselho de Segurança da ONU.

1972, fev. Nixon visita a China.

1972, mai. Tratado SALT-1 reconhece a paridade estratégica e dá inicio à détente.

1973, dez. A OPEP reduz a oferta de petróleo cujo preço quadruplica.

 1974, ago. Nixon renuncia.

_____ Gerald Ford (1974-1976)

1975, abr. Os norte-vietnamitas tomam Saigon.

1975, out. Acordos de Helsinki sobre fronteiras na Europa e direitos humanos.

_____ Jimmy Carter (1977-1980)

1979, jan. Revolução Islâmica no Irã; reféns na Embaixada americana.

1979, dez. A União Soviética invade o Afeganistão.

1979. Deng Xiaoping inicia as reformas econômicas.

1980. Política de taxa de juros de 20% para conter a inflação nos EUA.

_____ Ronald Reagan (1981-1988)

1981. Início da política neoliberal agressiva americana, em aliança com Thatcher.

1983, mar. Anunciada por Reagan a Iniciativa de Defesa Estratégica (Star Wars).

1985, mar. Gorbachev torna-se SG do PCUS e inicia a perestroika e a glasnost.

1986, abr. Acidente do reator nuclear de Chernobyl.

_____ George H. W. Bush (1989-1992)

1989, nov. Derrubada do Muro de Berlim.

1990, fev. Gorbachev retira 380 mil homens da RDA, em troca do compromisso de não expansão da OTAN e concorda com a reunificação da Alemanha.

1991, fev. Os EUA derrotam o Iraque que se retira do Kuwait.

1991, dez. Desintegração da União Soviética em 15 Estados independentes.

1991, dez. Yeltsin assume o poder na Rússia.

1992. Bin Laden lança a Jihad contra as tropas americanas em terras islâmicas.

_____ Bill Clinton (1993-2000)

1994, jan. Entra em vigor o Acordo de Livre Comércio da América do Norte.

1994, abr. Criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

1994, dez. Tem início a negociação da Área de Livre Comércio das Américas.

1997. O Projeto para o Novo Século Americano (PNAC) advoga a hegemonia global e a capacidade americana de travar múltiplas guerras simultâneas.

1998. O PIB russo se reduz em 50%.

1999, dez. Boris Yeltsin renuncia e Vladimir Putin o substitui.

_____ George W. Bush (2001-2008)

2001, mar. Bush rechaça o Protocolo de Kyoto sobre gases de efeito estufa.

2001, set. Atentados terroristas às torres do World Trade Center e ao Pentágono.

2001, set. Bush anuncia a Guerra ao Terror.

2001, out. Os EUA atacam o Afeganistão.

2003, mar. Os EUA invadem o Iraque e cai o regime de Saddam Hussein.

2004, mar. Ingresso na OTAN da Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Lituânia, Letônia e Estônia.

2004, abr. Os EUA legitimam assentamentos judaicos em território palestino.

2004, mai. Com o ingresso de dez países do Leste, a EU passa a ter 25 membros.

2007. Início da crise financeira nos EUA.

2008, mai. Criação da UNASUL, sem participação americana.

2008. Havia cerca de 1.000 bases americanas no exterior e 6.000 bases nos EUA.

_____ Barack Obama (2009-2016)

2009. Os EUA participam das negociações da Trans Pacific Partenership – TPP.

2009. Política de expansão monetária (QE) recupera a economia americana.

2011, ago. Pela primeira vez Standard and Poor’s rebaixa a nota de risco dos EUA.

2011, dez. CELAC, Comunidade Latino Americana e Caribenha, sem os EUA.

2011, dez. A China se torna o maior parceiro comercial de todos os países da Ásia.

2012, nov. Xi Jinping é eleito Secretário Geral do Comitê Central do PCC.

2013. Os EUA lançam a Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP).

_____ Donald Trump (2017-2020)

2017, jan. Posse de Trump, empresário, entertainer, outsider, ultraconservador.

2017, jan. Trump proclama seu lema “America First”.

2017, jan. Os Estados Unidos se retiram da Parceria Transpacífica (TPP).

2017, jan. Os EUA decidem construir um muro na fronteira com o México.

2017, fev. Os EUA reconhecem Jerusalém como capital de Israel.

2017. Os EUA se retiram da Transatlantic Trade and Investment Partnership.

2018, mai. Os EUA se retiram do Acordo Nuclear com o Irã.

2018. Trump impõe tarifas às importações chinesas.

2019, jan. Os EUA concordam em “pausar” tarifas adicionais e a China concorda em comprar mais produtos agrícolas dos EUA.

2019, mar. Os EUA reconhecem a soberania de Israel sobre as Colinas de Golan.

2019. Assinada a fase 1 do Acordo comercial China/EUA.

2019, jun. Trump e Kim Jong Un se encontram na DMZ (Zona Desmilitarizada).

2019, jul. A Turquia compra sistemas de defesa aérea S-400 da Rússia.

2019, nov. Os EUA anunciam que se retirarão do Acordo de Paris sobre clima.

2019, nov. Os EUA deixam de considerar os assentamentos israelenses na Margem Ocidental como violação do Direito Internacional. Todos os 14 membros do Conselho de Segurança se opõem.

2019, dez. A UE inicia o registro do Special Purpose Vehicle (SPV), mecanismo financeiro para promover o comércio com o Irã diante das sanções americanas.

2020, fev. Início da Pandemia, em Wuhan, China.

2020, dez. As mortes por coronavírus atingem 400 mil nos EUA e 4,5 mil na RPC.

_____ Joe Biden (2021)

2021, jan. Reingresso dos EUA no Acordo do Clima de Paris.

2021, jan. Reingresso dos EUA na Organização Mundial da Saúde (OMS).

2021, jan. Permissão de entrada de pessoas de alguns países muçulmanos.

2021, jan. Determinada a preferência pela compra de bens produzidos nos EUA.

2021, jan. Plano de 2 trilhões de combate à COVID e de auxílio a desempregados.

2021, jan. Interrompida a construção do Muro na fronteira com o México.

2021, fev. A sonda Perseverance chega a Marte.

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  • A Carta das Nações Unidas define os princípios do sistema internacional que devem ser obedecidos por todos os Estados, dos mais poderosos aos mais fracos, em suas relações com os demais Estados.
  • O princípio da autodeterminação afirma que cada Estado tem o direito de organizar sua vida política, econômica e social de acordo com sua evolução histórica e de acordo com seus procedimentos sem que outros Estados possam interferir ou determinar quais princípios de organização do Estado, da economia e da sociedade devem ser obedecidos. No sistema das Nações Unidas, em que todos os Estados são soberanos, não há padrões internacionais de organização social, econômica e política que os Estados têm de obedecer.
  • Todavia, no mundo real, existe um Império. O Império dos tempos atuais é o Império Americano que, diante desses eventos, se transforma a cada dia na execução do objetivo estratégico de manter sua hegemonia.
  • A hegemonia em nível mundial é a capacidade de:
  • fazer os Estados aceitarem, ainda que alguns com relutância, uma visão do mundo em que o Estado hegemônico é o centro do sistema internacional;
  • organizar e liderar o sistema político mundial;
  • organizar a produção, o comércio e as finanças mundiais de forma a capturar, de modo “pacífico”, para a Metrópole do Império uma parcela maior do Produto Mundial para uso de sua população, e muito em especial de suas classes hegemônicas e de seus mais altos funcionários;
  • impor a agenda da política internacional;
  • punir os Governos dos Estados que se recusem a aceitar ou que se desviem das normas (informais) de seu funcionamento.
  • No mundo real, a Metrópole do Império impõe, informalmente, a suas “Províncias” as normas que devem por elas serem cumpridas.
  • Os 190 Estados membros das Nações Unidas, cada um deles formalmente soberano, estão vinculados à Metrópole do Império Americano por uma rede de acordos políticos, econômicos e militares e pela aceitação implícita de normas definidas pela Metrópole do Império, isto é, pelos Estados Unidos da América.
  • Com exceção da Rússia e da China, que são Adversários do Império Americano, os outros 190 Estados membros da ONU são Províncias do Império.
  • As normas (informais) da Metrópole para suas “Províncias” são:
  • economia capitalista, aberta ao capital estrangeiro;
  • reduzida intervenção, empresarial e regulamentar, do Estado na economia;
  • igual tratamento às empresas nacionais e às de capital estrangeiro;
  • a garantia de livre remessa de lucros pelas filiais de empresas estrangeiras;
  • amplo acesso das empresas estrangeiras a recursos naturais, em especial minérios;
  • amplo acesso das empresas estrangeiras aos mercados internos de bens e de serviços;
  • adequada proteção aos direitos de propriedade intelectual;
  • livre acesso aos meios de comunicação, inclusive a Internet;
  • acesso e liberdade de ação às ONGs estrangeiras;
  • regime político pluripartidário, com eleições periódicas;
  • respeito aos direitos humanos, civis e políticos;
  • política de tolerância religiosa;
  • ausência de forças armadas autônomas em doutrina e equipamento;
  • não desenvolvimento de indústrias nas áreas das armas de destruição em massa;
  • não celebração de acordos, em especial militares, com a Rússia e China;
  • ausência de cooperação com as Províncias “rebeldes”;
  • apoio às ações americanas, quanto à Rússia e China e às Províncias “rebeldes”.
  • Dentre essas normas informais a Metrópole considera como de grande importância:
  • economia capitalista, aberta ao capital estrangeiro;
  • reduzida intervenção, empresarial e regulamentar, do Estado na economia;
  • amplo acesso das empresas estrangeiras a recursos naturais, em especial minérios;
  • amplo acesso das empresas estrangeiras aos mercados internos de bens e de serviços;
  • adequada proteção aos direitos de propriedade intelectual;
  • não desenvolvimento de indústrias nas áreas das armas de destruição em massa;
  • ausência de cooperação com as Províncias “rebeldes”;
  • apoio às ações americanas, quanto à Rússia e China e às Províncias “rebeldes”.
  • E a Metrópole considera como de essencial importância:
  • a garantia de livre remessa de lucros pelas filiais de empresas estrangeiras.
  • A Metrópole tolera, por conveniência e dependendo das circunstâncias internas e externas de cada Estado (“Província”), o desvio de comportamento de um governo “provincial” em relação a alguma dessas normas. Todavia, a Metrópole exerce pressão constante para forçar seu cumprimento, tendo em vista a missão que a Metrópole se atribui de defender e fazer cumprir os valores americanos que considera universalmente válidos e que estariam incorporados a essas “normas”.
  • Esses Estados, formal e juridicamente soberanos, são, por essa razão, política, econômica e militarmente Províncias do Império Americano.
  • No sistema imperial, têm crucial importância para sua própria existência e funcionamento, as relações das classes hegemônicas de cada uma das Províncias com as classes hegemônicas da Metrópole do Império, e das classes hegemônicas provinciais entre si.
  • As “Províncias” modernas não são como eram as Colônias do Império Romano e as do Império Britânico. Não são governadas diretamente por representantes de Washington. São Estados formalmente independentes e soberanos, administrados por funcionários das classes hegemônicas locais, que devem “obedecer” a certas “normas” informais enumeradas no parágrafo 15 acima que, quando desobedecidas, os tornam Estados (“Províncias”) rebeldes, (rogue States) sujeitos a sanções unilaterais impostas pela Metrópole do Império, ou multilaterais, articuladas pela Metrópole.

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  • Uma magna questão que aflige as classes hegemônicas, seus representantes nos Governos, e mesmo as classes superiores e médias econômicas, profissionais e intelectuais das “Províncias” do Império, é como interpretar e agir diante de sinais de declínio dos Estados Unidos, a Metrópole do Império.
  • Alguns dos sinais importantes de declínio dos Estados Unidos da América são:
    • deterioração da infraestrutura;
    • crescente concentração de renda;
    • lento crescimento econômico;
    • expressiva canalização de recursos para especulação no mercado financeiro;
    • amplo consumo de drogas;
    • crescente antagonismo social, resultado de racismo, xenofobia e desigualdade de renda;
    • crescimento de movimentos de extrema direita;
    • disseminação e culto da violência.
  • Alguns indivíduos veem estes sinais de declínio com esperança por condenarem a natureza, o domínio e a ação imperial unilateral e agressiva dos Estados Unidos.
  • Certos estudiosos veem o declínio americano com apreensão por considerarem os Estados Unidos o último e mais forte baluarte da civilização ocidental, cristã, capitalista e democrática.
  • Alguns analistas consideram que os sinais de declínio têm a ver com a decadência econômica, política e ética da sociedade americana e a super-extensão do Império.
  • Outros estudiosos consideram o relativo declínio americano um resultado da ascensão da China. Outros, ainda, consideram que a situação americana reflete aquela decadência à qual se soma a ascensão da China.
  • Finalmente, mais otimistas, outros confiam no dinamismo da economia americana, nos valores de sua sociedade e no Poder de seu Estado para reverter tal declínio.
  • Uma questão, também magna, para as classes hegemônicas e que é gêmea da questão do declínio dos Estados Unidos, é como avaliar o futuro da ascensão vertiginosa da China e de como agir diante deste fenômeno.
  • Alguns consideram que a República Popular prosseguirá no seu ritmo de crescimento acelerado e ultrapassará os Estados Unidos em termos de PIB nominal na próxima década.
  • Analistas consideram que a China enfrentará graves problemas ambientais e crescentes tensões sociais devido ao agravamento das disparidades de renda, apesar de ter eliminado a extrema pobreza em 2020.
  • Outros estudiosos ressaltam que a China revelará sua natureza imperial e exercerá pressões sobre seus vizinhos, principalmente em questões de soberania no Mar do Sul da China, criando um ambiente regional hostil.
  • Outros consideram que a capacidade exportadora e importadora chinesa aumentará assim como os grandes superávits de que goza e que a China continuará a ser um parceiro cada vez mais importante dos países de seu entorno, inclusive aqueles “ocidentais” como o Japão, a Coréia do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia.
  • Diante das possíveis combinações de hipóteses sobre o declínio americano e a ascensão chinesa os Governos das “Províncias” tendem a assumir diferentes atitudes.
  • Os Governos de algumas “Províncias” adotam uma posição de alinhamento com a Metrópole, principalmente aqueles Governos mais frágeis ou mais dependentes e aqueles ideologicamente mais identificados com os Estados Unidos, como são a Austrália e o Japão.
  • Outros Governos Provinciais pretendem assumir uma posição de neutralidade, de procurar não tomar partido nesse embate, como alguns países europeus.
  • Já outros consideram que haveria uma oportunidade de “jogar” neste embate, de modo a obter vantagens em troca do alinhamento com um ou com outro lado.

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  • A capacidade política e técnica do Governo da República Popular da China demonstrada ao enfrentar a Pandemia de 2020, a vitalidade da economia chinesa de crescer, durante e apesar da Pandemia, em comparação com a incapacidade americana de enfrentar a Pandemia do ponto de vista científico, econômico e político e a divisão da sociedade americana, fomentada por Trump e refletida nos 74 milhões de votos que recebeu, são fatos que contribuíram para fortalecer a imagem chinesa no mundo.
  • Ademais, a RPC tem logrado significativos avanços tecnológicos, científicos e industriais, como resultado de crescentes investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Quase todos os membros do Comitê Permanente do Politburo do PCC tem cursos de engenharia.
  • A China forma, por ano, mais de 10 mil doutores em engenharia e cerca de 500 mil bacharéis em engenharia;
  • A China é o país que mais publica trabalhos científicos e que registra o maior número de patentes;
  • Os supercomputadores chineses são considerados os mais poderosos do mundo;
  • As dez maiores empresas do mundo de energia fotovoltaica são chinesas;
  • Nove das dez maiores empresas do mundo em energia eólica são chinesas;
  • A China produz 80% das 17 terras-raras mais importantes;
  • A China produz mais de 50% do aço produzido no mundo;
  • A China em 2020 se tornou o segundo maior produtor de armas do mundo;
  • A China lançou em 2019 a primeira espaçonave que pousou no lado oculto da Lua;
  • A China é líder da indústria de drones, com 70% do mercado mundial;
  • Em 2016, foi apresentado o primeiro jato comercial projetado e construído inteiramente na China.
  • A China aumentará os investimentos em pesquisa aplicada em 7% a cada ano e em pesquisa básica 10%, nos próximos anos. Algumas das áreas prioritárias serão genética; biotecnologia; neurociência; inteligência artificial; informação quântica; semicondutores.
  • Todavia, a agressiva propaganda anti-China, promovida inicialmente pelo Presidente Trump, com o apoio de importantes líderes do Partido Democrata, não só nos Estados Unidos mas em todas as “Províncias”, tem procurado difundir e “fixar” a ideia de existência de uma natureza “maléfica” da China e de um confronto entre dois Impérios, dois sistemas, duas sociedades, radicalmente distintas.

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  • Alguns analistas consideram que a ascensão da China poderá levar a um conflito armado com os Estados Unidos pois esta ascensão prejudica os interesses econômicos da Metrópole do Império Americano, sua liderança e sua hegemonia e os próprios valores humanos do capitalismo e da democracia.
  • Dificilmente a Metrópole do Império Americano, cuja dinâmica se encontra no seu complexo tecnológico-industrial-militar; em sua rede mundial de filiais de megaempresas; nos cargos de comando que ocupa em organismos internacionais; em suas alianças com as classes hegemônicas de cada uma de suas Províncias; e em sua disposição de fazer uso da força, assistirá, resignada e tranquila, seu declínio e substituição pela hegemonia chinesa ou por um mundo multipolar que emergiria de uma nova solidariedade humana.
  • Do outro lado, não interessa à República Popular da China, devido aos desafios econômicos da luta pelo desenvolvimento e dos desafios políticos que enfrenta, o conflito com os Estados Unidos.
  • Ademais, há uma simbiose importante entre a economia chinesa e a economia americana em termos de comércio, de investimentos e de aplicação de reservas chinesas em títulos americanos, simbiose cuja dissolução afetaria gravemente os dois países.
  • Todavia, leve ou não a conflitos armados, sejam eles diretos ou indiretos, a rivalidade e a competição entre os Estados Unidos e a China afetará todas as “Províncias” do Império Americano, entre elas o Brasil, uma de suas maiores “Províncias” e de maior potencial.

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  • O Brasil é o quinto país do mundo em território; o sexto em população; foi uma das dez maiores economias do mundo até 2019, e com a Pandemia passou a ser a décima segunda economia; tem uma variada gama de recursos do solo e subsolo; um grande mercado potencial consumidor e para investimentos; um importante parque industrial a ser modernizado.
  • Tem uma sociedade altamente coesa em termos de idioma, de religião e de etnia, porém, é um país altamente vulnerável do ponto de vista interno, cuja causa primária é a extrema concentração de renda. O Brasil, do ponto de vista externo é altamente vulnerável em termos políticos, militares, econômicos, tecnológicos e ideológicos.
  • A importância dos Estados Unidos para o Brasil é extraordinária, pois:
    • o Brasil se encontra na zona estratégica mais importante para os Estados Unidos, o Hemisfério Ocidental, considerada pelos EUA sua zona “natural” de influência desde a proclamação da Doutrina Monroe, em 1823;
    • os EUA são um importante parceiro comercial do Brasil, inclusive para produtos industriais; tanto como importador como exportador;
    • os EUA são o mais importante investidor na economia brasileira, tanto em ativos físicos como em títulos na Bolsa;
    • os EUA são o mais importante fornecedor de tecnologia para o Brasil;
    • os EUA são o mais importante centro de formação de jovens lideranças políticas e econômicas brasileiras;
    • a influência cultural/ideológica americana é predominante na formação do imaginário das classes hegemônicas e da população. Ela se exerce através da literatura, inclusive técnica, da música, da produção audiovisual no cinema, na TV, na Internet, e da rede de entidades de ensino de idioma (e de cultura), e dos programas de intercâmbio;
    • o sistema político brasileiro federativo, presidencialista, multipartidário, com eleições periódicas, é semelhante ao sistema americano;
    • valores da sociedade brasileira como o individualismo e a liberdade de expressão são semelhantes aos valores da sociedade americana.
  • A importância da China para o Brasil é crescente, pois:
  • a China é o principal país importador de produtos brasileiros;
  • a China é o principal país exportador para o Brasil;
  • a China está realizando crescentes investimentos no Brasil, que foram de 80 bilhões de dólares na última década;
  • a China é o principal integrante dos BRICS;
  • a China é o principal parceiro comercial da Argentina e o segundo do Paraguai e do Uruguai;
  • a China é o principal acionista do Novo Banco para o Desenvolvimento, de que o Brasil participa;
  • a China pode ser parceiro importante no processo de retomada do desenvolvimento industrial do Brasil;
  • por outro lado, o sistema político e econômico chinês é distinto do brasileiro, assim como vários dos valores da sociedade chinesa são distintos;
  • a sociedade brasileira se considera, explicita ou implicitamente, uma sociedade ocidental subdesenvolvida enquanto a sociedade chinesa é uma sociedade oriental em rapidíssimo processo de desenvolvimento e disto consciente.

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15 de março de 2021

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães –   Secretário Geral do Itamaraty (2003-09); Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-10)

Redação

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