Biografia restaura trajetória política de Luiz Carlos Prestes

Por Thais Barreto

Da CartaCapital

Após mergulhar por 32 anos em documentos e relatos, a historiadora Anita Leocádia Prestes concluiu a biografia do pai. A autora de Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (Boitempo Editorial, R$ 48) afirma que a obra não é definitiva. São, contudo, mais de 500 páginas de rigorosa apuração sobre a trajetória de um dos mais destacados políticos brasileiros que aderiu ao comunismo. A preocupação de Anita foi apresentar para as novas gerações a história de um personagem que “foi sempre caluniado ou silenciado pelos donos do poder”.

Filho de militares, Prestes foi criado pela mãe – o pai faleceu cedo, quando tinha 10 anos. Estudou em escola militar e, em 1920, aos 22 anos, tornou-se segundo-tenente e foi servir no subúrbio do Rio de Janeiro. Foi quando teve a primeira imagem do povo brasileiro, segundo a autora. Via rapazes de 18 anos chegarem ao exército analfabetos, e acompanhava a rotina de humilhações que os superiores impunham aos mais novos. Prestes dedicou 70 anos à vida política e viveu até os 92 anos. Leia os principais trechos da entrevista com Anita Leocádia Prestes, filha de Prestes e Olga Benário:

CartaCapital: Como foi o processo para escrever a biografia de Luiz Carlos Prestes?

Anita Leocádia Prestes: Comecei o trabalho no início dos anos 1980, e à época não tinha certeza se ia conseguir escrever a biografia dele.

Meu pai tinha uma excelente memória, principalmente sobre a Coluna Prestes. Daí nasceu a preocupação de gravar um depoimento dele. Entrei no mestrado e doutorado em História e fui pesquisar a Coluna Prestes. Utilizei não só a entrevista dele, mas muitos outros arquivos listados no livro.

CC: Como foi pesquisar o próprio pai?

Anita: Pesquisei a vida política dele e também o Partido Comunista Brasileiro (PCB), pois se entrelaçam. Tive que estudar profundamente a história do Brasil no século XX e relacionar com a história mundial. Foram 11 livros publicados em diferentes períodos. Nesses últimos anos parti para escrever a biografia propriamente dita. No meu trabalho, a banca examinadora da minha tese de doutorado reconheceu que eu tinha conseguido alcançar objetividade. Fui criada na minha família sem mitificar o meu pai.

CC: Que pontos são essenciais para compreender a vida política de Prestes?

Anita: A preocupação de Prestes, desde muito jovem na Escola Militar, foi com os subordinados dele, o que não era comum. O que imperava no Exército era a violência, os castigos corporais por parte dos oficiais, extremamente autoritários e elitistas. Ele tinha a preocupação que os soldados estudassem, queria uma vida digna para eles.

No Rio de Janeiro ele criou três escolas: uma de alfabetização, outra para soldados e outra para sargento. Ele mesmo era o professor e dava aulas. Ninguém fazia isso no Exercito na época. Quando ele foi transferido para o Rio Grande do Sul fez a mesma coisa, tanto que isso foi muito importante na preparação até do levante da Coluna Prestes.

CC: No livro você detalha como surgiu o movimento tenentista nos anos 1920, o qual pretendeu, entre outras coisas, tirar do poder o presidente Artur Bernardes, que representava exclusivamente a oligarquia brasileira. A partir daí foi formada a Coluna Prestes…

Anita: A palavra de ordem do movimento tenentista era o voto secreto, pois a eleição no Brasil era totalmente fraudada. Quando Prestes participou da Coluna, na medida em que ele conheceu o interior do Brasil, se convenceu de que aquele programa não ia resolver os problemas do país, pois a miséria era assustadora.

Ele achou que era preciso encontrar uma solução. Encerrou a Coluna e foi para o exterior. Primeiro ficou um ano na Bolívia, depois foi para Buenos Aires, o grande centro do movimento comunista. Veio ao Brasil para dois encontros muito rápidos, por insistência dos tenentes que queriam que ele apoiasse o Getúlio Vargas.

Era muito duro para ele não conseguir convencer os colegas para suas posições comunistas. Ele veio com o objetivo de desmascarar Getúlio, mostrar que ele não queria fazer revolução nenhuma, mas Getúlio era muito hábil, prometeu até armas e dinheiro para o movimento.

CC: Como está no livro, Prestes deixou claras suas posições para Getúlio e este fingiu concordar?

Anita: Exatamente. Prestes ficou isolado, um general sem soldado. Os tenentes aderiram ao movimento liberal, depois se tornam marionetes. Alguns até viraram marechais, ministros de Getúlio e até da Ditadura após 1964.

CC: Essa constatação do Prestes sobre as necessidades do povo foram a semente para o que ele se tornou dali em diante?

Anita: Ele chegou à conclusão que não era possível assistir tudo aquilo e ficar de braços cruzados. A partir daí, estudou o marxismo e constatou que a teoria permitiria realizar essa transformação. Essa ruptura que ele faz em 1930 com os tenentes é algo que as classes dominantes do Brasil nunca perdoaram.

Foi um momento em que o Prestes saltou sobre a trincheira da luta de classes, abandonou qualquer possibilidade de ser uma liderança a serviço da classe dominante, e se colocou ao lado dos trabalhadores, dos explorados. Ele nunca quis voltar para o Exército, tinha uma avaliação muito negativa e nunca aceitou a Anistia. Prestes encerrou a carreira de militar e passou a ser um político revolucionário.

Agenda

Lançamento do livro “Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro”, com Anita Leocádia Prestes
Terça-feira 10, às 19h, no Centro de Apoio à Pesquisa Histórica da Universidade de São Paulo (USP) Endereço: Av. Professor Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária – São Paulo

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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