Como os EUA financiaram a Segunda Guerra sem inflação, por André Araújo

Os Estados Unidos ainda não tinham saído integralmente da Grande Depressão de 1929 quando se iniciou a Segunda Guerra em 3 de setembro de 1939.

Oficialmente neutros até 7 de dezembro de 1941, os EUA iniciaram entretanto a preparação para entrar no conflito bem antes do ataque japonês à Pearl Harbour.  Esse gigantesco esforço de mobilização, encomendas de material bélico, conversão das indústrias existentes para fabricação de armamentos, construção de 3.000 novas fabricas e estaleiros para armar suas forças e fornecer material aos aliados, foi um grande programa executado dentro da economia americana sem provocar inflação de importância, exceto no primeiro ano de entrada na guerra, 1942. A inflação nos EUA teve este registro:

1940 – Menos 0,7%

1941 – 1,44%

1942 – 11,35%

1943 – 7,64%

1944 – 2,96%

1945 – 2,30%

Os valores monetários injetados na economia americana durante a Guerra foram impressionantes, US$950 bilhões equivalentes em dólares de 2012 a US$6,6 trilhões. Os anos de pico foram 1943 com US$85 bilhões, equivalentes a dólares de 2012 a US$ 913 bilhões e 1944 equivalentes em 2012 a US$1,2 trilhão.

O esforço industrial de guerra significou a construção de novas fabricas, para o que o Governo dava 100% de financiamento a juros de 0,75% ao ano. Para financiamento até 100 mil dólares o dinheiro saia em 15 dias.

O Federal Reserve System, Banco Central americano,  organizou-se para controlar a moeda e o financiamento da guerra. Seus doze bancos regionais foram encarregados cada de um conjunto de tarefas e para executa-los o pessoal aumentou de 11.000 para 24.000. A taxa básica de juros pelos quais o FED financiava o Tesouro  manteve-se durante o conflito em 0,5% ao ano, o que se compara com taxas muito maiores antes da guerra, de 2 a 4% ao ano.

A taxa de redesconto, pela qual o FED emprestava a bancos privados foi de 1% ao ano durante toda a guerra.

O Federal Reserve Bank of New York foi encarregado, como é até hoje, das relações internacionais da economia americana. Mantinha contas para bancos centrais de 51 países e tinha a complicada tarefa de pagar o soldo de 8 milhões de soldados americanos espalhados pelo mundo bem como suas despesas locais.

O esforço de guerra americano também tinha em larga escala a tarefa de abastecer a Grã-Bretanha de armas e matérias primas, de fornecer material bélico para a União Soviética, foram 16 milhões de toneladas durante a guerra, de fornecer navios, artilharia, tanques e munição a países aliados como o Brasil.

O “arsenal da democracia” como se falava sobre a indústria americana, estava a todo vapor em 1945. Finda a guerra, as sobras de material eram impressionantes. De aviões de transporte foram 11.000 C-47, convertidos no civil DC-3, vendidos em liquidação, o que possibilitou o surgimento de 380 novas linhas aéreas pelo mundo. Sobraram também 1.400 navios de transporte, milhares de tanques, caminhões, máquinas ferramentas, tudo vendido em leilões que abasteceram o mundo nos anos de secura no imediato pós-guerra.

Sempre intrigou o fato de todo o financiamento da guerra não ter desvalorizado expressivamente o dólar. Os arranjos operacionais para manter o Pais com baixa inflação foram extraordinários e a historia é contada no site do Federal Reserve. Foi uma obra de engenharia econômica que consistiu na COMBINAÇÃO de vários instrumentos manejados pelo banco central americano, a grosso modo foram:

1. Um sistema abrangente de controle de preços

2. Campanhas de captação de liquidez pelos bônus de guerra, vendidos em títulos de baixo valor, que a população comprou em larga escala.

3. Aumento da capacidade industrial até em excesso, pela construção de novas fábricas, com o que a oferta acompanhou a demanda.

Com todo o imenso esforço de guerra a economia civil não sofreu muito, como foi o caso da Inglaterra. Havia abundância de alimentos, combustível, roupas e itens de conforto, só foi interrompida a produção civil de automóveis durante a guerra.

Mas o grande fator que segurou a inflação foi a existência de capacidade ociosa nas matérias primas, como aço, alumínio, cobre, petróleo. Desde a crise de 29 o consumo caiu tanto que sobrava capacidade por toda a cadeia básica da indústria. Quando veio a guerra havia sobra de capacidade e a grande demanda de material bélico já encontrou, no inicio, a indústria pronta para atender.

A inundação de liquidez na economia domestica não provocou maior inflação pela expertise de arranjos combinados que controlaram essa liquidez, considerando que milhões de mulheres entraram na categoria de operarias, visto os homens terem sido convocados para as forças armadas.

Tampouco o excesso de liquidez foi enxugado com juros altos, ao contrario, durante toda a guerra os juros básicos não passaram de 1% ao ano e não faltou dinheiro para financiar a construção de novas fabricas. Houve inclusive criticas a posteriori sobre o excesso de capacidade industrial construída, representada em 6.300 galpões industriais que foram construídos e sobraram no pós-guerra.

Uma das principais lições da economia de guerra é que não é necessário JURO ALTO para controlar inflação, desde que haja capacidade ociosa na indústria, o que é exatamente a situação do Brasil de hoje.

 

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

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  • Apenas lembrando :
     
    A

    Apenas lembrando :

     

    A Segunda Guerra Mundial teve seu inicio na madrugada do dia 01 de Setembro de 1939 , quando Tropas Nazistas invadiram a Polônia .

    No dia 03 de Setembro o Reino Unido e a França declaram guerra á Alemanha oficialmente.

    Para a historia , vale a data do inicio do conflito belico e não a declaraçao de guerra de terceiros á Alemanha e ao Eixo.

     

     

     

     

  • No Brasil só temos

    No Brasil só temos monetaristas vindos do sistema financeiro, que advogam a multiplicação do dinheiro através do mercado de capitais e não do trabalho. Somos um país de aproveitadores, e pelo jeito, permaneceremos assim.

  • Esta foto

    É de uma linha de montagem de tanques alemães. São tanques T38 Tchecos usados pelos alemães e carros meia lagartas Hanomag

    • Parece

        A linha de montagem da Skoda - Pilsen, na Tchecoslovaquia ocupada pelos alemães, alem do SdKfz 251- Hanomag, tambem da para identificar alguns PzKpfw III e II.

         Quase ia esquecendo: A empresa que projetou e construiu originalemente estes 38(t), a CKD-BMM é hoje a TATRA, que fornece para a AVIBRÀS os veiculos do sistema Astros.

    • Ele condenou o poder desse

      Ele condenou o poder desse complexo em influenciar o Congresso, isso foi durante suas duas Presidencias

      1952-1958. Durante a Segunda Guerra não havia esse poder e Eisenhower era um simples general de divisão

      que subiu por causa da guerra e não dava palpite na politica interna americana.

  • Inflação é a expansão

    Inflação é a expansão monetária, como o estado detem o monopólio da moeda ele pode inventar riqueza do nada.

    Pegue um litro de leite ou vinho adicione mais um litro de água, pergunto quanto de leite existe ainda dentro da garrafa?

    Continua existindo apenas 1 litro de leite não importa quanto você adicionar de água não vai aumentar a quantidade de leite dentro da garrafa.

    O pior da inflação é não neutralidade da moeda, os pobres que são os ultimos a receber a nova moeda transferem para os mais ricos grande parte da renda por meio do imposto inflacionário.

    Fraudar a moeda sempre teve consequencias nefastas, sempre foi assim e não mudou, pode ser uma Hungria, uma Alemanha, pode ser os EUA, alguém vai ser passado pra trás e perder renda..

    • Definir o que é a febre no

      Definir o que é a febre no ser humano uma criança pode fazer, tratar da febre é outra coisa.  Nada é tão simples, como vc explica que paises que QUEREM fazer inflação não conseguem, como o Japão nos ultimos 30 anos?

      O que é TAMBEM certo é que inflação pode ser resolvida em seus meses, é possivel criar uma NOVA MOEDA com relativa facilidade, foi feito na Alemanha em 1924 e em 1949, na França em 1925, no Brasil em 1994, o que ainda não se descobriu foi a COMO TIRAR UM PAIS DA RECESSÃO, um problema muito mais grave do que a  inflação.

  • O esforço de guerra americano

    O esforço de guerra americano é uma dos projetos mais interessantes que conheço. Um país foi capaz de mobilizar toda sua estrutura produtiva para vencer uma guerra não só com seu exército, mas com o de seus aliados, através do programa de empréstimos e arrendamentos (lend-lease ou LL). Não só os britânicos, mas sobretudo os soviéticos foram os principais beneficiários. Uma das grandes ironias era que uma das principais rotas passava pela costa japonesa, mas os navios não eram atacados por estar sob bandeira soviética (que não estava em guerra com os japoneses).

    Deixando ironias, esse é mais um exemplo de financiamento de exportações que nossa mídia tanto demoniza, desde que feito pelo PT. Desse modo, os Estados Unidos criaram vínculos de dependência não só financeira, mas sobretudo política. E o processo foi feito sem que o dinheiro saísse da América.

    Um dos pontos esquecidos foi que além do controle de preços, você tinha um racionamento rigoroso. E através dos bônus de guerra, você conseguia esterilizar aquela liquidez liberada e direcioná-la para o esforço de guerra, enquanto já tinha recursos para preparar a retomada e a reorganização da base produtiva pós-guerra. A partir daí, você já tinha máquinas e equipamentos para manter uma indústria aerospacial, automotiva, dentre outras, com uma capacidade de gerar economias de escala tão grandes que ela se manteria competitiva e o investimento se pagaria, enquanto o governo poderia recuperar em tributos e pagar seu déficit.

    No entanto, eu tenho dúvidas de que tal engenharia seja viável no caso brasileiro por uma causa simples. A ausência de uma causa mobilizadora. Nosso país está sendo atingido pelo ódio, pelo descompromisso e pela estupidez. A chances de sabotagem são enormes. O risco é muito grande. No entanto, o governo deve sair dessa estupidez de manter juros altos diante de uma recessão pesada.

    Obs: Num próximo post, André poderia falar sobre a formação das reservas brasileiras com as exportações de matérias-primas para o esforço de guerra (borracha, café), bem como da dilapidação delas pela incompetência do governo Dutra.

  • Gde. André, mas....

    ...mas esqueceu que houve um recessãozinha em 46 e os impostos cobrados naquela epoca eram de cortar o osso (dos mais abastados logico...)

  • BC aqui deveria baixar a

    BC aqui deveria baixar a SELIC em 2% ou mais antes do final do ano.Aqui não houve excesso de liquidez nem de demanda,o que presionou foi energia elétrica por conta do acionamento das térmicas para evitar racionamento de energia devido aos baixos níveis das usinas.

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