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Referências sobre o psicanalista Otto Gross

Ontem assisti o filme “Um método perigoso”, dirigido por David Cronenberg, que aborda a relação entre Carl Jung e Sigmund Freud.

No geral, não gostei. Mas um personagem me chamou particularmente a atenção: Otto Gross. Nunca tinha ouvido falar sobre ele (o que não quer dizer muita coisa, dada a minha cultura precária no tema psicanálise). Fiz uma pesquisa rápida, rápida mesmo, na net e não encontrei quase nada relevante.

Será que alguém pode falar um pouco sobre ele ou dar alguma referência interessante (pra leigos)?

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Também estou em busca de

    Também estou em busca de informações sobre Otto Gross, mas só tenho encontrado material superficial, biográfico ou observando externamente efeitos e reações de sua teoria, sem análise dos conceitos, teses e argumentos. Mas dá pra fazer um quadro geral inicial.

    Otto Gross era anarquista, lutou a vida inteira pela liberdade enfrentando incansavelmente perseguições por isso, e parece ter sido o primeiro da grande tendência político-revolucionária que associa a psicanálise ora com o marxismo ora com o anarquismo. Freud o considerava um dos seus seguidores mais originais, mas não acreditava q poderia ir muito longe devido às drogas (o vício de Gross em drogas se tornou muito pesado a certa altura em reação às perseguições que sofreu, uma espécie de fuga talvez).

    Otto Gross era filho de Hans Gross, criminalista que foi, ao que parece, um dos primeiros (e famosíssimo) teóricos da atividade de "profiler" que hoje é tema de tandos seriados policiais. Parece ter havido intenso conflito teórico (e talvez mais que teórico) entre os dois Gross, o criminalista e o libertário anarquista.

    Gross era defensor da liberdade sexual, do amor livre, e promoveu isto (juntamente com sua esposa, aliás) ligando-se a lutas e movimentos pelos direitos das mulheres. O casal Gross e sua defesa do amor e do sexo livre foram agressivamente combatidos, do ponto de vista teórico, pelo sociólogo Max Weber e sua esposa. Um casal mais bem mais conservador combatendo um casal libertário. Os Weber participaram inicialmente de um grupo de defesa dos direitos das mulheres ligado aos Gross, se afastaram e se tornaram críticos em função do encaminhento da luta no sintido da liberação sexual, promovido pelos Gross.

    Gross era fortemente influenciado por Nietzsche (muito mais influenciado por Nietzsche, aliás, do que Freud), e reinterpretava Nietzsche combinando-o com Freud, no sentido de uma crítica anticapitalista à cultura repressiva e à moralidade burguesas.

    Gross era fortemente influenciado por Nietzsche (muito mais influenciado por Nietzsche, aliás, do que Freud), e reinterpretava Nietzsche combinando-o com Freud, no sentido de uma crítica anticapitalista à cultura repressiva e à moralidade burguesas. Antecipando Foucault quanto ao tema da normalidade/normatividade social repressora, avaliava que a sociedade capitalista burguesa reprime e bloqueia as singularidades das pessoas, os seus modod diferentes de ser, que poderia fazê-las "brilhar", por assim dizer, assima da média (isto é, acima da mediocridade generalizada).
    Isso leva a crer que talvez estivesse próximo das críticas que mais tarde Wilhelm Reich (outro campeão da luta contra a repressão sexual) fez ao modo como Freud avaliava os impulsos thanáticos (destrutivos, mórbidos, de atração pela morte) e eróticos (de vida, vitalizadores, de atração pelo prazer). Para Freud, pelo pouco que entendo de sua teoria, os dois impulsos se manifestam misturados, ora com maior peso de um deles, ora com maior peso do outro, e são ambos naturais a todo indivíduo humano, fazem parte da nossa "animalidade".

    Para Reich, os impulsos thanáticos, destrutivos, não são naturais a nós como indivíduos, como Freud pretende. Naturais ao indivíduo são apenas os impusos eróticos. Os mórbidos e destrutivos são produto patológico das repressões sociais, que tornam o impulso erótico doente ao limitá-lo à força, gerando sentimentos agressivos e destrutivos na busca pelo prazer. Assim, para Freud a repressão social, dentro de certos limites, é importante, saudável, necessária, para conter o lado agressivo e destruidor da nossa natureza, enquanto para Reich, pelo contrário, é a repressão social que produz esse lado agressivo e destruidor, movida pelos interesses capitalistas, que procuram manter o desejo sempre insatisfeito para alimentar o consumo de mercadorias. Essa insatisfação, e constante frustração pesa substituição do sexo por outros objetos falsamente produzidos no desejo pelo marketing, produz a patologia dos impulsos destrutivos. portanto, é preciso lutar pela liberdade sexual e contra e represão sexual promovida pelo capitalismo, pelo poder econômico que quer mantê-lo e pelas autoridades políticas.

    Gross, por outro lado, parece ter assumido, mais que Freud e ainda muito mais que Reich, o que Jung talvez chamasse de lado "sombrio" da sexualidade humana. Não parece ter considerado a agressividade sexual, até mesmo a violência, desde que mutuamente consentida, como algo a ser necessariamente combatido ou superado. É preciso verificar isto melhor, talvez ele fosse ainda mais longe, e não tenho certeza se não chegava a ver inclusive o suicídio como algo q não deveria ser necessartiamente reprimido.

    Sei q apesar de abraçar e acatar corajosamente esse lado sombrio da sexualidade, Gross parece ter promovido a formação de grupos um tanto utópicos que cultivavam uma vida de maior liberdade sexual, divergindo da orientação social padrãoda sociedade capitalista e burguesa  mesmo ao custo de uma constante confrontação com a repressão, grupos em que se procuraria uma vida sexualmente mais saudável pautada no amor livre (sem a separação habitual que coloca o amor acima do sexo, muito pelo contrário) e que nesse sentido parece ter tido traços de um certo romantismo heróico, promovendo uma luta de resistência por meio da mantuenção de modos de vida alternativos em confronto com os padrões sociais.
    Parece ter sido um sujeito muito intenso, muito sedutor e profundamente carismático. O sociólogo Max Weber o desprezava, parece ter visto nele uma influência maléfica, destrutiva, sobre os seguidores, porque tendia a levá-los à valorização do irracional e do impulsivo, e à ruptura com regras e normas de maneira generalizada. Via nisto, ao que parece, uma influência de certo modo autoritária, como se os seguidores de Gross o seguissem passionalmente e sem senso crítico. A figura de Gross, parece, pode ter contribuído para a formulação do tipo ideal "carismático" de dominação por parte de Weber, que parece ter procurado acompanhar os seguidores de Gross prestando-lhes frequentemente auxílio jurídico devido às encrencas em que se metiam pro influência de Gross.

    Mas há quem diga que Weber era levado a isso pelo fato de haver muitas mulheres envolvidas, com as quais manter relações íntimas, o que o colocaria no rol dos hipócritas morais criticadíssimos por Gross, que parece ter assumido sempre uma postura anti-hipocrisia bastante radical, de desmascaramento de falsas morais.

    É o que sei por enquanto, mas tudo isso precisa ser melhor verificado.

    Atenciosamente, João Borba.

  • Otto

    Tambem estive procurando a respeito de Otto e o que encontrei foram os outros dois filmes Freud Alem da Alma deJohn Huston.... Bastante antigo, e a outra producao de Um metodo perigoso que seria a de Roberto Faenza, Jornada da Alma. Esta tem um livro e a o filne encontrei em partes no Youtube. Vale a pena assistir.

     

     

     

  • Textos recém-publicados

    Recentemente foi lançado um volume, em língua portuguesa, reunindo textos avulsos do autor: Por uma psicanálise revolucionária (Annablume, 2017). Esse volume também conta com um prefácio, escrito por Marcelo Checchia, que trata da biografia de Gross.

    Além disso, o seguinte texto, escrito também por Checchia, tira consequências da história do autor para o movimento psicanalítico: "Otto Gross: um caso de segregação e esquecimento na história da psicanálise" (Revista Lacuna, 2018).

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