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Apertem os cintos, o piloto fez o avião sumir

O governo FHC foi considerado por seus críticos como uma realização política concreta e bem definida do “complexo de vira-lata”. A importação do neoliberalismo, feita de maneira acrítica, não conseguiu diminuir de maneira permanente as vulnerabilidades do Brasil nem fomentar o desenvolvimento econômico. Ela apenas aumentou a dependência externa do país, acarretou um endividamento crescente e aprofundou o abismo entre ricos e pobres.

Quando Lula ganhou a presidência o Brasil estava devastado internamente e desacreditado internacionalmente. É inesquecível a simbólica degradação do nosso país quando o chanceler de FHC foi revistado e obrigado a tirar os sapatos num aeroporto dos EUA. Oito anos depois, o ex-presidente petista entregou à sua sucessora um Brasil novinho em folha, autoconfiante e respeitado na arena internacional.

Em razão das escolhas acertadas feitas por Lula, nosso país crescia moderadamente de forma sustentável, havia pago a dívida externa e tinha reservas internacionais para enfrentar os momentos de adversidade. Respeitado na arena internacional, o Brasil havia construído uma política externa eficiente, altiva e ativa baseada no soft power. A prepotência militar e a hegemonia econômica dos EUA foi desafiada pela dupla Lula/Celso Amorim de forma inteligente e pacífica com a valorização das organizações internacionais multilaterais.

Dilma Rousseff deu sequencia ao que vinha sido feito. Entretanto, desde que derrotou Aécio Neves ela passou a ser impedida de governar por uma coalizão de políticos corruptos, juízes mesquinhos e barões da mídia decepcionados com a derrota eleitoral. Após Dilma Rousseff ser derrubada através do golpe “com o Supremo com tudo”, o Brasil começou a renunciar ao protagonismo internacional.

A passagem de Aloysio Nunes pelo Itamaraty será lembrada pela sua agressividade desnecessária em relação aos parceiros latino-americanos do Brasil. A subserviência dele aos EUA também ficou evidente em várias ocasiões. Aloysio Nunes foi uma versão 2.0 da política externa baseada no “complexo de vira-lata” da era FHC. Com a posse de Jair Bolsonaro as coisas serão um pouco diferentes.

“Segundo Lévi-Strauss, a eficácia simbólica se deduz da homologia das estruturas que organizam a vida e do princípio de indução que as interliga.” (Lacan e Lévi-Strauss, ou o retorno a Freud, Markos Zafiropoulos, Civilização Brasileira, 1a. edição, Rio de Janeiro, 2018,  p. 89)

Ao se encontrar informalmente com John Bolton, o próximo presidente do Brasil fez uma demonstração formal de submissão inadmissível: Bolsonaro bateu continência para o assessor civil de Donald Trump. Sem exigir qualquer tipo de contrapartida, ele prometeu distanciar o Brasil da China e aumentar a pressão contra Cuba e Venezuela https://br.sputniknews.com/brasil/2018113012799604-visita-bolton-aproxicamacao-eua-brasil/.

O comportamento servil e canhestro de Bolsonaro diante de John Bolton e as duas tentativas frustradas de mudar a Embaixada brasileira para Jerusalém (apenas para agradar Donald Trump) são sintomáticas. As primeiras ações externas do novo governo sugerem que a partir de janeiro de 2019 o Brasil deixará de formular e realizar uma política externa considerando seus próprios interesses de longo, médio e curto prazo.

Sob o comando da dupla Jair Bolsonaro/Ernesto Araújo o Brasil renunciará voluntariamente à sua soberania em benefício dos EUA. Os interesses nacionais perseguidos de maneira persistente, pragmática e pacífica por Lula/Celso Amorim serão substituídos pelo alinhamento ideológico automático, irrefletido e irracional à uma potência estrangeira.

Como se fosse uma criança desorientada e perseguida pelo temor reverencial ao pai castrador, o Brasil está sendo condenado a desaparecer do cenário internacional. Os prejuízos diplomáticos e econômicos serão inevitáveis, duradouros e avassaladores. A demonstração de infantilidade e fraqueza dada por Jair Bolsonaro será interpretada como uma vulnerabilidade passível de ser explorada à exaustão por todas as nações grandes e pequenas que se relacionam com a nova província norte-americana.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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