Líder de partido neofascista italiano flerta com “receita Bolsonaro”, por Arnaldo Cardoso

Líder de partido neofascista italiano flerta com “receita Bolsonaro”

por Arnaldo Cardoso

Com uma segunda Páscoa com todas as regiões do país classificadas na zona vermelha da pandemia, 3,67 milhões de casos e 111 mil mortos, a Itália enfrenta a exasperante combinação da fadiga dos cidadãos submetidos ao terceiro lockdown, a crise econômica aumentando o número de pobres até mesmo nas ricas regiões do norte do país como Lombardia e Emília Romagna e o oportunismo de partidos políticos como o neofascista Irmãos da Itália, cuja principal líder Giorgia Meloni, segue insidiosamente questionando a política de isolamento social adotada pelo governo do país.

Na última sexta-feira o site italiano de notícias Globalist publicou matéria com o título  “Meloni ipotizza la ‘ricetta’ Bolsonaro per l’Italia: ‘Italiani stanchi di chiusure senza senso’” (“Meloni  sugere a ‘receita’ de Bolsonaro para a Itália: “Os italianos estão cansados de fechamentos sem sentido”, em tradução livre) criticando a líder do partido de extrema direita e lembrando que desde o começo da pandemia ela postava em suas redes sociais, vídeos convidando turistas a viajarem para a Itália no verão; defendendo a abertura de boates e estimulando a volta da vida noturna; a abertura das estações de esqui no final do ano, em plena segunda onda de contágios e mortes, além de outras medidas de flexibilização das restrições.

Comparando a atitude da líder do partido neofascista com as de Trump e Bolsonaro, a matéria avaliou que “Se tivéssemos ouvido Giorgia Meloni, o combate à pandemia teria sido o mesmo feito por Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, com os resultados desastrosos que temos visto”.

O combate ao governo através da exploração do cansaço da população com os custos do enfrentamento da pandemia é apontada pela matéria do Globalist como estratégia de Meloni evidenciada na seguinte fala “Os italianos estão exaustos de serem submetidos a medidas sem sentido e sacrifícios que não levam a lugar nenhum”.

Para compreender um pouco mais da situação vivida hoje na Itália, primeiro país a enfrentar uma crise sanitária aguda provocada pela Covid-19, ouvi no último sábado Andrea Mammone, arguto analista político, doutor em História Moderna Europeia e professor da Royal Holloway – University of London.

Lembrando que desde a chegada em 2018 de Bolsonaro à presidência da República no Brasil, quando Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita Lega era Vice Primeiro-Ministro e Ministro do Interior da Itália, se tornaram frequentes mútuos acenos entre o Presidente brasileiro e membros da extrema direita italiana, perguntei a Mammone sobre semelhanças entre Bolsonaro, Salvini e Meloni. 

O analista italiano destacou como traço comum “o pouco apreço pelo papel das Assembleias e Parlamentos – a menos quando se encontra submetido a eles –; a propaganda continua e xenofobia”.

Sobre o negacionismo diante da pandemia praticado persistentemente por Trump e Bolsonaro, inicialmente por Boris Johnson e, no caso de Salvini e Meloni, com modulações de acordo com o estágio da pandemia e insatisfação popular, Andrea Mamone avaliou que no caso italiano, pelo fato de Meloni não compor o governo e Salvini com sua Lega, só recentemente ter declarado apoio ao governo Mario Draghi, de união nacional, o que orienta a ação é puro oportunismo político. Mammone disse que “Eles mudaram de ideia o tempo todo tentando se diferenciar das posições ou medidas do governo. Agora Salvini apesar de estar no governo, faz voz crítica pedindo abertura. Também para não entregar essa posição crítica [que pode render votos no futuro] completamente para Meloni, que se encontra na oposição ao governo”.

Indagado se a fadiga do cidadão italiano depois de mais de um ano de restrições à mobilidade e agravamento da crise econômica, tem dificultado a tomada de decisões do governo italiano para o combate da pandemia; e se o fato do atual Primeiro-Ministro Mario Draghi ter perfil mais técnico confere maior resistência ao governo diante de apelos populistas, Mammone avaliou que “as pessoas estão cansadas em todos os lugares, mas as regras na Itália não estão tão rígidas como antes”. O analista italiano ainda ponderou que “o atual governo tem sorte porque com as vacinas o país poderá sair logo da pandemia, desde que a vacinação ganhe maior velocidade”. (Até esse momento a Itália aplicou 10.990.307 de doses).

O atual governo italiano sob comando do economista Mario Draghi, ex-Presidente do Banco Central Europeu, teve início em 13 de fevereiro de 2021, sucedendo Giuseppe Conte, derrubado por uma crise política em sua base de apoio, provocada por Matteo Renzi, um de seus antecessores no governo. Os problemas que hoje impactam a Itália já vinham evoluindo desde ao menos a crise financeira internacional de 2008 e a crise migratória de 2011, que contribuíram para o agravamento de um quadro marcado por elevado endividamento, baixo crescimento econômico, alto desemprego principalmente entre os jovens, perda de competitividade em setores industriais e acentuada desigualdade social entre o norte e o sul do país.

Nos últimos anos, o crescimento e fortalecimento eleitoral de partidos de direita e extrema direita, dentre os quais a  Lega de Matteo Salvini e o Fratelli d’Italia de Giorgia Meloni, com agendas marcadas pela xenofobia, nacionalismo, antieuropeísmo e apelo moralista, vem piorando o ambiente político e social do país com a disseminação da política de ódio.

Vencer a pandemia se impõe como o mais urgente desafio para a Itália, assim como para todos os países, mas também é certo que o pós-pandemia imporá a todos desafios ainda maiores, em contextos nacionais cujos problemas foram acentuados. Numa comparação entre Itália e Brasil diante do cenário de grandes dificuldades que se afigura, a mais evidente vantagem do país da bota é ter um governo com capacidade de diálogo nacional e internacional, cuja racionalidade se mostra orientada para a busca de superação de problemas e desenvolvimento do país.

Arnaldo Cardoso, cientista político

Redação

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