A injusta avaliação de Raquel Dodge pelos irmãos Marinho, por Eugênio Aragão

A injusta avaliação de Raquel Dodge pelos irmãos Marinho

por Eugênio José Guilherme de Aragão

O site de O Globo sugeriu, na data de ontem, que a ida de Raquel Dodge, futura Procuradora-geral da República ao Palácio do Jaburu, fora da agenda de Michel Temer, teria algo de anti-republicano e que a chefe do parquet federal in spe teria sido feita ou se deixou ser feita de menina de recado, para sinalizar à classe política a reaproximação do MP com o executivo golpista. Houve até quem, como voz de oposição, de boa fé, na inocência da ignorância, exigisse que renunciasse antes mesmo de assumir o cargo.

Estamos diante de noticiário interesseiro e manipulador. Não me considero suspeito para falar sobre qualidades da Sra. Dodge, a quem conheço desde nossos estudos de graduação em Direito na Universidade de Brasília. Estivemos quase sempre em lados diferentes, para não dizer opostos, na carreira e antes dela. Não lhe nutro afeição e não faço parte de seu fã-clube. Nem quero fazer parte dele. Pelo contrário, tenho a percebido como pessoa excessivamente ambiciosa, a atropelar tudo e todos quando se trata de realizar seu projeto pessoal. Mas nisso, lamentavelmente, não difere do atual chefe do Ministério Público Federal, que foi desleal, enganou amigos e parceiros e descumpriu reiteradamente sua palavra para se fazer Procurador-geral e querido pela corporação, objetivo, este último, que não conseguiu realizar por completo. Esta, porém, é outra estória e não vem ao caso aqui.

Longe, portanto, de ser sabujo ou interessado pessoalmente em qualquer aliança ou mesmo proximidade com Raquel Dodge, tenho que reconhecer que tem virtudes que podem a todos surpreender. Com certeza menina de recado não é e nunca será. É mais do tipo alpha-dog. Não é controlável. E não dará mole ao executivo federal golpista, mas o exigirá sem adjetivos, de forma protocolar. Abandonará as flechas de bambu, garantindo presunção de inocência, ampla defesa e preservação de imagem pública. Não permitirá vazamentos criminosos e nem se omitirá diante deles. Este é seu estilo legalista e discreto de trabalhar. Com uma enorme vantagem sobre seu antecessor: é meticulosa, metódica ao extremo e pouco festeira. Tem autoestima a toda prova. Não se deixa influenciar. Adora trabalhar. Escreve bem e tem considerável conhecimento de fundo sobre direito constitucional e direito penal. Jamais fez outra coisa no ministério público que não lhe servir. Teria toda a competência para brilhantemente lecionar, pesquisar, publicar, enfim, ser academicamente ativa. Mas preferiu a enxada da instituição.

Seu perfil também se distinge do de Janot na medida em que nunca pleiteou cargos administrativos ou associativo-sindicais. Não gosta de clubinhos e patotas. Nunca foi afeita a mimar quem quer que seja. Profissionalmente, pode-se lhe dizer, com o grupo britânico Foreigner, “you’re as cold as ice, willing to sacrifice”. Muito diferente do dissimulado estilo bonachão do antecessor.

Uma pessoa como a Sra. Dodge não é de fazer nenhum negócio obscuro à noite, em casa de político investigado e acusado de corrupção. Muito menos aceitará abraço de afogado de um sujeito cujo destino, mais cedo ou mais tarde, parece ser a cadeia. É só pensar friamente: Raquel chegou onde sempre quis e para isso deu muito duro. Tem trinta anos de mui produtiva carreira. E ainda pode ficar outros dezessete até se aposentar. Não se contentará com um só mandato de dois anos como dádiva do governo golpista afundado na lama até o pescoço. Ela vai ter um segundo e, quiçá, até um terceiro mandato. Não é Temer e sua corriola que conseguirão lhe garantir isso. Ao menos por isso, não vai querer se identificada com as maquinações espúrias desse governo agonizante.

Por fim, tem mais um aspecto da personalidade de Raquel Dodge que a distancia anos-luz de seu antecessor: é pessoa espiritualizada, que nada tem a ver com o perfil hedonista-materialista de Janot. Está mais para ora et labora do que para carpe diem. Isso se refletiu em sua carreira, dedicada à pauta dos direitos humanos, coisa que nunca interessou Janot. Foi Raquel Dodge uma das que mais lutou pelo estabelecimento das caravanas do CONATRAE, no enfrentamento do trabalho escravo, objeto de seus profícuos estudos de mestrado em Harvard. Dedicou-se à causa da justiça de transição, em parceria com Paulo Abraão, então no Ministério da Justiça. Atuou com Maria Eliane Farias na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, onde fez um belo trabalho.

Definitivamente, a Sra. Dodge não é uma parceira do golpe. E, para uma pessoa com essas qualidades, que sobressaem no confronto com eventuais vícios que todos temos, é natural se reúna com Michel Temer para ouvi-lo e atender elegantemente demandas de natureza cerimonial que lhe faça. Nem me impressiona reunir-se eventualmente com Gilmar Mendes, que tem polemizado com o ministério público. Faz parte de seu legítimo esforço de aparar arestas no STF. E Raquel Dodge tem a licença moral para fazê-lo.

Em tempos de polarização política exacerbada, muitos de nós não conseguem divisar condutas e personalidades. Isso é perigoso, pois podemos ser injustos. É importante dar voto de confiança à nova  Procuradora-geral da República. Depois de tanto estrago da derradeira gestão no Ministério Público Federal, a escolha da Sra. Dodge é alvissareira e parece uma luz no fim do túnel em que seu antecessor ajudou a colocar o país. Vamos aguardar para ver.

Redação

Redação

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  • Contundente e

    Contundente e esclarecedor.

    Espero que o Aragão não se engane com ela como em relação ao seu ex-amigo Janot...

  • Deus te ouça, Aragão. Porque

    Deus te ouça, Aragão. Porque só Deus mesmo para resolver a questão os podres poderes brasileiros. Nós, brasileiros comuns, jamais conseguiremos vencer esses bandidos que mandam em Brasília. Tenho esperado em vão que um só funcionário público com poder da Policia Federal,  Judiciário e Procuradoria da República se mostre honesto, digno e cumpridor da lei para romper com esse horror autoritário que nos enreda. Até agora foi em vão, e nem com o seu ava,l eu tenho esperanças na Dona Raquel.

    Prevejo que, em nome da lei, ela e seus procuradores anularão todas as denúncias feitas por Janot referentes ao Psdb, Pmdb e asseclas. Já contra o PT as denúncias serão validadas. Ontem a procuradoria já deu provas do que vem por aí: reabriram o mensalão para ferrar o Lula. Dá para acreditar na Dona Raquel?

  • Por causa do Aragão, vou dar um voto de confiança para a Raquel

    Se a Raquel decepcionar minhas expectativas, eu ficarei decepcionado com o Aragão pois eu adoto as palavras da internacional socialista:

    "Senhores, Patrões, Chefes Supremos,
    Nada esperamos de nenhum!
    Sejamos nós que conquistemos
    A terra mãe livre e comum!
    Para não ter protestos vãos,
    Para sair desse antro estreito,
    Façamos nós por nossas mãos
    Tudo o que a nós diz respeito!"

     

  • Apesar...

    Apesar da informação do Aragão nada justifica a ida desta senhora a aquela hora e lá ficar por uma hora.

    No mínimo inocência. Mas mesmo assim compromete definitivamente sua atuação.

    Inaceitável e coerente com as desgraças que temos assistido desta gente. 

    Espero sua renúncia.

  • De minha parte, o crédito vai

    De minha parte, o crédito vai todo para o ex-Ministro, Aragão. Se ele diz, então deve ser. Darei então a nova PGR o benefício da dúvida, fazendo um esforço descomunal pq, pra mim, o MPF não começou a se acabar com o Janot. Gurgel e os outros dois,antecessores já eram uma vergonha mas avacalhação mesmo, creio que foi inaugirada por Gurgel. Não boto fé nenhuma na tal de Raquel Dodge e, encontrar-se com o postiço, na calada da noite, fora da agenda oficial, depois de tudo que vimos é, no mínimo, burrice.  Entrou na lista dos picaretas que vão se encontrar com o postiço , na encolha, pq quis. Tínhamos, GM, Joesley e, agora, a Raquel... Pode ter muitas qualidades mas não parece muito astuta.

  • Não explica

    Com um texto imenso e com aquela retórica típica do nosso meio jurídico que tornam entediantes certas sessõe do STF e de outras áreas , o ex-ministro Aragão não apresentou nenhuma explicação convicente para a ida da futura procuradora ao gabinete do presidente Temer a noite e fora de registros. Tinha que ser um encontro público. Faltou a transparência´tão necessária nesse momento de descrédito na Justiça e no presidente.

    • Nicodemos se encontrou com Jesus na calada da noite

      Qualquer dessemelhança entre a Raquel Dodge, o Joesley Batista e Nicodemos é mera coincidência.

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