Barbosa carece de liturgia, critica Collor

Do O Globo

Para o senador, absolvição no STF permite que a história do Brasil seja reescrita
Acusações de corrupção passiva e falsidade ideológica prescreveram aguardando julgamento
Júnia Gama

BRASÍLIA – Quase 22 anos após ter sofrido impeachment da Presidência da República devido a uma avalanche de denúncias de corrupção, o ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) subiu à tribuna do Senado nesta segunda-feira para defender sua absolvição, na semana passada, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e aproveitou para atacar o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, e o Ministério Público, responsável pela denúncia.

– É de se lamentar também a participação final no julgamento do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Sr. Joaquim Barbosa. Se, no Brasil, a Justiça como um todo padece de letargia, como ele próprio reconheceu ao final de meu julgamento, o Presidente da mais alta Corte judicial carece de liturgia. O Sr. Presidente da Suprema Corte do país tem uma carência de liturgia para o exercício de seu cargo. Mais grave do que se confundir ao declarar o resultado do julgamento, chegando a dizer que não havia como proclamá-lo e até dele desdenhar com descaso e falta de postura, foi a tentativa do senhor ministro Joaquim Barbosa em resumir, de forma desmerecedora e embaraçosa, todo o enredo da ação e do julgamento, deturpando completamente o parecer da ministra relatora e reinterpretando desidiosa e deformadamente os fatos – disse Collor.

– Não é essa a conduta, a razoabilidade, o estoicismo que se espera de um chefe de Poder da República. Querer, ao fim de um julgamento em que ele mesmo votou pela absolvição do acusado, reescrever todo um processo pelas palavras que lhe são mais convenientes, e ainda com a suposta convicção errônea, que somente a ele pertence, não é crível nem prudente a um presidente do Supremo Tribunal Federal, ainda mais se nada do que disse reflete a verdade do juízo – completou o senador.

Na última quinta-feira, Collor foi absolvido pelo Supremo das acusações de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica. O senador teria permitido a assinatura de contratos fraudulentos com empresas de publicidade quando era presidente, entre 1990 e 1992. A denúncia do Ministério Público foi recebida na Justiça comum em 2000. O caso chegou ao STF em 2007 e ficou parado no gabinete da relatora, a ministra Cármen Lúcia, de 2009 a 2013.

A demora para julgar foi tanta, que os crimes de corrupção passiva e falsidade já estavam prescritos – portanto, mesmo que houvesse condenação, o réu não poderia ser punido. No julgamento, todos os ministros concordaram que a denúncia do Ministério Público estava mal formulada e não havia prova suficiente no processo para condenar o ex-presidente por nenhum dos três crimes.

O senador elogiou o relatório a favor da absolvição da ministra Cármen Lúcia e criticou a atuação do Ministério Público no caso. O alagoano acusou o MP de alterar depoimentos de testemunhas na denúncia. Collor acredita que a decisão do STF permitirá o “resgate” de sua imagem como homem público.

– Grave, gravíssimo, gravíssimo e tenebroso modus operandi do Procurador da República, que promoveu a denúncia e, tristemente, o papel do Ministério Público, que acolheu a sua peça, quando a ofereceu ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se da alteração dos depoimentos das supostas testemunhas, que, na verdade, eram corréus, na transcrição para os autos do processo, de modo a subverter os fatos e as versões para, obviamente, favorecer a acusação – acusou Collor.

– Isso chega a caracterizar um crime. Crime, crime de falsidade ideológica praticado pelo Ministério Público, ou, como se diz, um dolus vilatus, um dolo disfarçado, e a julgar por esse fato, ao final do processo e pelo seu resultado, o que resultou da Ação Penal 465 é que, se houve um crime, se houve um fato delituoso, se houve uma conduta ilícita, esses foram cometidos pelo próprio denunciante, o Ministério Público. É esse o exemplo que a Procuradoria Geral da República quer dar àqueles que operam a Justiça brasileira? – finalizou o senador.

‘Quem pagará pela difamação insana?’, cobra Collor

O senador quase verteu lágrimas em alguns momentos do discurso e questionou a quem caberia a responsabilidade pelas acusações que sofreu e desdobramento delas.

— Depois de mais de duas décadas de expectativas e inquietações pelas injustiças a mim cometidas, cabe agora perguntar: quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi? A começar pelo meu mandato presidencial e o compromisso público que assumi, a tranquilidade perdida por anos a fio. Quem pagará pela difamação insana, pelo insulto desenfreado, pela humilhação provocada, pelas provações impostas, ou mesmo pelas palavras intolerantemente pronunciadas e, mais ainda, inoportunamente escritas? — cobrou Collor.

Para Collor, o resultado do julgamento – ele foi absolvido após os crimes que ele foi acusado de ter cometido na Presidência da República terem prescrito – permite que seu governo tenha a história rescrita.

— O resultado, nem sempre reproduzido pelos meios na mesma proporção das notícias precedentes ou com a mesma fidedignidade dos fatos – covardia, isto é, covardia –, veio não apenas me aliviar das angústias que tenho vivenciado nos últimos 23 anos, mas, igualmente, veio reescrever a história do Brasil na parte referente ao período em que exerci, com muito orgulho e honra, pelo voto direto de todos os brasileiros, a Presidência da República Federativa do Brasil – afirmou.

Depois de listar ações que adotou durante seu governo, Collor afirmou que o julgamento significa que ele teve a mais alta corte do país “revisando e ratificando” sua inocência.

— Não é fácil volver os olhos ao passado e reviver em toda a sua extensão a tortura, a angústia e o sofrimento de quem é agredido meses a fio e teve de suportar as agruras de acusações infundadas e a condenação antes mesmo de qualquer julgamento — disse. — Constrangido algumas vezes, contrafeito outras, mas calado sempre, assisti, ouvi e suportei acusações, gestos e incriminações daqueles que, movidos pelo rancor, aceitaram o papel que lhes foi destinado na grande farsa que lhes coube protagonizar.

 

Redação

Redação

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  • O congresso jurava que ele

    O congresso jurava que ele era criminoso.

    Devem ter lido a grande imprensa.

    Idem o PGR.

    • Então! Parece que o Lula pode

      Então! Parece que o Lula pode agora dizer que é tão inocente quanto..... Collor!

      • Lula nao foi nem esta sendo

        Lula nao foi nem esta sendo julgado.Nao da para entender seu comentario. E do tipo: nao sei nada, nao li nada, mas acho que nao gosto.Entao o que me resta? Falar mal do Lula!

  • "– Isso chega a caracterizar

    "– Isso chega a caracterizar um crime. Crime, crime de falsidade ideológica praticado pelo Ministério Público, ou, como se diz, um dolus vilatus, um dolo disfarçado, e a julgar por esse fato, ao final do processo e pelo seu resultado, o que resultou da Ação Penal 465 é que, se houve um crime, se houve um fato delituoso, se houve uma conduta ilícita, esses foram cometidos pelo próprio denunciante, o Ministério Público. É esse o exemplo que a Procuradoria Geral da República quer dar àqueles que operam a Justiça brasileira? – finalizou o senador."

     

    Pior é que a má fé continua como todos viram em 2013 com a AP 470.

    Este MPF é um ninho de golpistas. Será que está a soldo de quem?

    Quando estes indivíduos saem do MPF/STF vão trabalhar para quem?

  • É isso aí, Senador! Metendo o

    É isso aí, Senador! Metendo o pé na porta do Judiciário e colocando as coisas em seus lugares. Eu não quero saber quem é o parlamentar e nem de que partido. O STF quer a judicialização da política simulando a não politização do judiciário. Agora, que se virem com as denúncias forjadas pelo consórcio Mídia-MP e aceitas pela Corte, com o único objetivo de eliminar desafetos políticos. O STF está há dois anos detonando Executivo e Legislativo, escudado na mídia e apostando nos protestos. Pois bem, agora os políticos estão detonando o Judiciário e a ministrada tá #xatiada. JB, teve a cara de pau de dizer que Lula não sabe conviver com um Judiciário independente. Nem ele e nem nós, sabemos ou queremos conviver com um Judiciário independente da legislação em vigor.  É o seguinte, Lula disse que não houve mensalão e a banda podre da ministrada diz que houve; vamos ver em quem o povo brasileiro acredita. Vão prá cima deles! A apoteose dos golpistas é junho. Falcatrua por falcatrua, eu fico com os que podem ser eliminados pelo voto. Falcatrua vitalício é aquilo que ninguém merece. José Dirceu virou questão de honra para os golpistas e, para poderem respirar um pouco, voltaram a carga sobre Genoíno. A Corte está em surto, se as manifestações não forem o que estão esperando, vai voar toga pra tudo qto é lado. A mídia grande tb deve estar com problemas pq tirar os jogos do ar ou ficar dando flashes de manifestações no meio dos jogos é um pouquinho arriscado. Isso sem falar nas convenções partidárias e festas juninas com o país bombando gringo em todos os Estados... Junho vai ser animadíssimo.

    • A judicialização da política a serviço da ditadura no Egito

      Vi num texto no site da seita  "A Nova Democracia"  os coxinhas bb tupiniquins se irmanando com os seus congêneres egipcios, gostaria de saber se os de cá mudaram de idéia depois que a "primavera" egipcia acabou de condenar à morte e prisão perpétua de milhares de pessoas, com a ditadura de novo por lá, os coxinhas ficaram em silêncio, pq será, concordam ou estão com medinho de berrar, incendiar...será que era issmo mesmo que eles queriam: 683 pessoas ligadas à Irmandade Muçulmana são condenadas à morte no Egito http://www.jornalggn.com.br/noticia/683-pessoas-ligadas-a-irmandade-muculmana-sao-condenadas-a-morte-no-egito

  • É o resultado do jornalismo

    É o resultado do jornalismo comercial e da nossa justiça que constrói palácios mas demora 20 anos para fazer um julgamento. 

    Eles de mãos dadas e de mesmas ideologias estão levando o país ao fundo do poço. 

    Corrupção não seria problema se julgamentos fossem justos e ligeiros. Não são.

     

  • Collor de Mello podia ter

    Collor de Mello podia ter sido um grande artista global. Como politico, para mim, sempre foi um borra-bosta, do tipo que não saberia expor suas ideias senão lendo textos alheios. Faz de conta que é estudioso.

    Há mais de 20 anos o STF decide julgar os mal-feitos de Collor, quando alguns dos crimes já prescreveram, resultando numa absolvição geral. Que diabo de justiça é essa? 

    Collor está tentanto se fazer de vítima, mas ele foi, sim, algoz de muitos brasileiros e brasileiras. Absolvição imerecida. Graças a Deus foi impedido de prosseguir na sua lambança, deixando o caro para Itamar Franco, que em pouco tempo mostrou sua importância, e deu ao Brasil uns meses de respiro e paz. 

    • Itamar Franco, um presidente

      Itamar Franco, um presidente e homem sério e honesto e, por isto mesmo, seu governo foi "jocosamente" chamado de República do Pão de Queijo, por essa mesma imprensa que agora  acusa a honesta presidente Dilma. Honestos não podem (mesmo errando algumas vezes) se tornarem presidentes. A corja de ladrões e de negócios escusos, não permite. Até frequentadores do Blog estão se debandando, acreditando na mídia que tanto acusam e que se recusam a dizer, mas lhes fazem a cabeça sim senhor. E vamos cuspindo na Geni do momento.

    • Belo comentário.
      Penso aqui

      Belo comentário.

      Penso aqui que quando Lula disse na entrevista à reporter portuguesa, que o mensalão seria recontado, se ele não se considera tão inocente quanto Collor....

    • Ola...
      voce deveria aprender

      Ola...

      voce deveria aprender a ler melhor. Mas mais do que ler melhor, é entender aquilo que foi lido: 

      "Há mais de 20 anos o STF decide julgar os mal-feitos de Collor, quando alguns dos crimes já prescreveram..."

      nao, nao e nao... o processo inicia-se em 2000 e chagao ao STF em 2007 (muito rapido por sinal)

       

      ai fica com  a relatora, de 2009 a 2013 (prescreve provavelmente ai...)

       

      ...."resultando numa absolvição geral. Que diabo de justiça é essa? "...

       

      Nao houve absolvicao geral por prescricao.Alias, o que nao houve foi exatamente absolvicao por prescricao, pois Sua EXCIA o ex-presidente, exigiu atraves de seus advogados, o julgamento de merito, justamente naquelas acusacoes que estavam prescritas, para evitar exatamente essa conduta que voce esta tendo.  E como ele (Collor ) ainda disse, e é bom que vejas seu pronunciamento na tribuna do Senado, que ha pessoas que so admitem que houve justica em um julgamento, quando dele se originam somente condenacoes. e aqui digo eu: Como na acao 470, onde todos dizem que foi feita justica., ai sim o julgamento foi pra valer!

       

      Mas nao fique triste com seu baixo desempenho em Leitura e interpretacao de texto. Conforme-se pois 99% da populacao é assim...

  • STF com 10

    Nassif,

    O senador Fernando Collor  faz aquilo que os parlamentares que ocupam aquela casa de mãe joana que é o CN deveriam, mas não conseguem fazer por covardia e pela sempre confortável omissão (dueto de ouro que alguns querem extirpar com esta triste idéia de reforma política), abrir o verbo e colocar ordem na independência dos 3 Poderes, criticar mais do que corretamente as falhas que são observadas no rito dos julgamentos a cargo do Judiciário.

    Quando o senador FCollor faz alusão ao presidente do STF, qual é o problema, por qual motivo outros parlamentares não fazem o mesmo, por qual motivoi permitem / incentivam a interferência do Judiciário em assuntos do Legislativo ?

    Se o Judiciário ficou bem pior com este capitão do mato sem postura, elemento capaz de criticar publicamente quem o colocou lá, ou seja, cospe no prato em que come ( em minha opinião, atitude de um verme), e que agora, depois da vergonhosa tentativa frustrada de tentar espionar a persidência com um grampo resolveu, quem sabe por vergonha ou, o mais provável, por saber que não ganha mais nenhuma no STF, parece estar avaliando mais seriamente em  deixar o STF com dez e se mandar.

    Para o profundo desagrado de muitos daqui, FCollor, RCalheiros, Garotinho, ECunha e mais um ou outro, caso exista, são os únicos parlamentares que honram os votos que reberam, são os únicos que vão àquelas tribunas e falam e discutem sobre o que pensam, enquanto o resto daquela cambada só fica assistindo, nem aparte é capaz de oferecer.

    O show de omissão e total  incapacidade para ocupar o cargo, que esta maioria de indigentes surdos de araque oferece à sociedade  é vergonhoso. 

     

     

  • Cada dia mais difícil

    "O senador elogiou o relatório a favor da absolvição da ministra Cármen Lúcia"

    Eu nem sabia que a ministra era ré no processo.

    (O senador elogiou o relatório ,da ministra Cármen Lúcia , a favor da absolvição.)

    Será que não ensinam mais português nas escolas de jornalismo?

    Será que O Globo ta economizando na contratação de revisores?

    Tá cada dia mais difícil ler jornais.

     

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