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Caso Tayná: um desabafo de quem acompanhou tudo

O domingo foi um dia de alegria mas também de muito choro. Como conter a emoção, a revolta e também a gratidão pela verdade depois de um caso como o Tayná. Esse é o dia em que houve a comprovação cabal de que os quatro presos acusados de matar a menina Tayná são inocentes, vítimas massacradas pela tortura de bandidos travestidos de policiais que envergonham a corporação.
Quando acabaram os depoimentos, hoje [domingo] às 8h28 da manhã, tínhamos a certeza de que tudo foi uma farsa armada para incriminar inocentes e deixar o verdadeiro bandido livre. A reviravolta veio depois que vazei o laudo que mostrava que o sêmen encontrado na menina não pertencia a nenhum dos quatro e que nao houve estupro.
A versão inicial dos policiais torturadores começava a ruir e a divulgação do laudo significaria expor os crimes cometidos por esses policiais capazes de tudo, provocar o  reinício da investigação e mexer num vespeiro sem fim. Por outro lado, deixar a informação de lado significaria manter quatro inocentes barbaramente torturados esperando a morte na cadeia e o (s)  assassino (s) solto (s). Não tive dúvidas. Publiquei as informações primeiro aqui no meu blog, mesmo com coações e conselhos para não seguir em frente e na sequência nas minhas colunas da RICTV Record. Foi um alvoroço. Ninguém tinha acesso ao laudo, a não ser a alta da cúpula da Polícia Científica, da Civil, da SESP, e eu. Eram supostamente 4 pessoas. As intimidações aumentaram. Fizeram uma reunião e abriram inquérito para descobrir quem vazou o laudo. Naquele momento o vazamento do laudo que desnudou a polícia torturadora parecia ser mais importante que a verdade. Pouco interessava para aqueles homens da lei saber quem matou ou inocentar quatro homens pobres e desgraçados pela própria representação do que deveria ser a justiça. Ouvi gritos ao telefone de gente me dizendo: “Vamos te investigar! Você vai ser ouvida por esses que você chama de bandidos!”, “Quem vazou o laudo?”, “vamos punir todos”!. E ainda: “tome cuidado, você não contribui em nada divulgando essas informações”, ou: ” você sabe da história desses delegados? Sabe do que eles são capazes?”. Sim eu sei de tudo, eu sabia desde o início, mas não dá para se acovardar sabendo que inocentes são torturados na maneira mais vil e suja que se pode imaginar. Tem coisas ditas nos depoimentos que eu sequer tenho coragem de dizer. Tudo foi um inferno para esses homens, que eu nunca vi, não conhecia, mas que são pessoas, gente. Nenhum homem merece passar pelo que eles passaram, pelas humilhações sexuais, pelas agressões, pelas violências todas, quem dirá um inocente. Meus Deus! Que mundo é esse? Que polícia é essa?  Que bandidos são esses piores que todos os outros e que usam a farda para legitimar todo tipo de crime? Passei o dia esperando meu coração se acalmar para poder escrever esse desabafo, mas é impossível não chorar e chorar e chorar. Que gente é essa?
Fico pensando se esse laudo não tivesse vazado, se eu não tivesse a sorte de conhecer gente decente e corajosa que ignorou a hierarquia em favor da verdade, da justiça e da decência e que decidiu confiar a mim a informação acreditando que o certo seria feito com base na justiça. Um minuto de covardia significaria a vida de quatro inocentes e quatro famílias destruídas pra sempre. Um assassino e seus comparsas soltos e homens de farda aterrorizando gente que não tem voz porque confessa qualquer coisa debaixo de pancada, violência sexual e psicológica. Pode parecer ingenuidade, mas eu não consigo me conformar com tanta maldade. Para se ter uma idéia nem lugar para as famílias eles conseguiram…até ontem. As imagens dos homens falando com mães e pais são emocionantes. O choro, o pranto, o desespero forma inevitáveis. Não há como não se emocionar com isso.
E a menina Tayná…tão linda, tão doce e tão sofrida. Tem informações que eu prefiro guardar por respeito a família, mas até a memória da menina esses canalhas tentaram manchar. Espalharam a informação de que ela seria pervertida, que vivia num mundo tão baixo que não poderia ter fim diferente, só faltavam dizer que a pequena era a responsável pela própria morte. Uma covardia. A menina era só uma criança, descobrindo aos poucos a vida e que tinha sido vítima de violência antes, o que deixou marcas para sempre. As vezes perdida, as vezes sem saber o que fazer e para onde ir Tayná era coagida a fazer o que não queria, o que não tinha maturidade para decidir e tudo isso deixou marcas na menina, que já era uma vítima antes mesmo de ser esganada. A vida foi dura com Tayná e não há como não sofrer com isso.
Agora é preciso fazer justiça de verdade e o primeiro passo é achar o culpado. O assassino ou os assassinos. É preciso também punir exemplarmente os torturadores com prisão e mais. É preciso ficar atento aos tempos. Comparar se a morte da menina aconteceu mesmo antes da prisão dos quatro inocentes ou se foi depois. Um quinto homem foi levado junto com os inocentes para a cadeia. Ele, sem explicação foi liberado. Porque? Quais as relações dele e de quem o protege com os poderosos do caso? Se a menina foi morta depois da prisão dos quatro inocentes, a polícia torturadora foi coadjuvante com o morte.
Antes de encerrar quero agradecer aos policiais de verdade que fizeram a segunda investigação, a única seria e bem conduzida. Nao os conheço, assim como não conhecia os presos ou a pequena Tayná, mas vocês foram anjos, heróis no meio dessa sujeira toda. Trabalharam incessantemente, buscaram a verdade, passaram noites sem dormir e conseguiram. Sei que trabalho continua, mas desde já OBRIGADA!
Joice Hasselmann é blogueira
Redação

Redação

View Comments

  • Parabéns a blogueira. É com

    Parabéns a blogueira. É com essa coragem que iremos certamente construir a democracia que almejamos e lutamos.

     

  • DEUS TE ABENÇOE!

    Joyce, você e os policiais honestos que você mencionou são a esperança e a

    luz que luta para vencer as trevas. PARABÉNS! Que Deus proteja e guarde a todos. 

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