Detração penal e semiaberto imediato para Lula, por Tânia Oliveira e Carol Proner

Detração penal e semiaberto imediato para Lula

por Tânia Oliveira e Carol Proner

Após o julgamento do Recurso Especial nº 1765139, ajuizado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no último dia 23 de abril de 2019, que teve como resultado a redução do tempo da pena para 8 anos, 10 meses e 20 dias, o campo jurídico passou a debater a respeito do regime de
cumprimento. Tanto a imprensa como pessoas da área do direito passaram a fazer cálculos de contagem do tempo para progressão do regime fechado para o semiaberto, contando a quantidade de meses para se chegar ao sexto da pena e aventando formas de remissão para uma saída abreviada. No contexto dado, uma palavra acendeu os debates: detração.

Pouco conhecida de quem não lida com processo de execução, a detração é o desconto do tempo de prisão provisória ou internação para fins de fixação do regime inicial de cumprimento de pena. Significa dizer que não estamos falando de progressão de regime, mas sim de qual é o regime inicial. Dito de forma simples, uma vez determinado o total da pena a ser cumprido, desconta-se o tempo de prisão provisória para se definir a situação  do acusado.

Prevista originalmente no art. 66, III, “c”, da Lei de Execuções Penais, a detração era utilizada pelo juiz da execução após o trânsito em julgado da sentença condenatória para a determinação do cumprimento do restante da pena. O tempo de prisão provisória era computado na pena final, nos termos do art. 42 do Código Penal. Estando presentes apenas nesses dois institutos, questionava-se a possibilidade de aplicação da detração durante o processo penal.

A Lei 12.736, de 30 de novembro de 2012, afastou a dúvida ao conferir nova redação ao art. 387 do Código de Processo Penal, incluindo novo parágrafo com o seguinte teor:

“Art. 387 (…)
“§ 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou
de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado
para fins de determinação do regime inicial de pena privativa
de liberdade.”

A partir da nova lei, o juiz passou a considerar o tempo de prisão provisória (e administrativa e de internação) também para efeitos de fixação do regime inicial de cumprimento da pena. Passou-se a antecipar na sentença, e não apenas na execução penal, o momento da aplicação da detração. Desnecessário dizer que continua cabível a detração da pena também na execução penal.

Dessa forma, atualmente há dois momentos para que a detração penal seja apreciada: na execução penal e na sentença, sendo que, neste segundo caso, o regime inicial de cumprimento é decidido considerando o tempo em que o paciente esteve em prisão provisória quando estiver, por evidente, cumprindo pena pelo mesmo crime de que trata a nova condenação.

Como é sabido, a regra geral e preliminar do cumprimento da pena obedece a uma tabela simples: até 4 anos, regime aberto; de 4 a 8 anos, regime semiaberto; acima de 8 anos, regime fechado. Tendo a pena do ex presidente sido fixada em 8 anos, 10 meses e 20 dias e tendo ele cumprido antecipadamente (ao trânsito em julgado) cerca de 13 meses, depreende-se que se trata, desde já, de situação de regime semiaberto, haja vista a norma
de determinação do regime inicial.

Entendemos que a 5ª Turma do STJ, cuja jurisprudência é, aliás, pacífica a esse respeito, equivocou-se ao não ter fixado o novo regime de cumprimento nos votos consignados. Em não o fazendo, oportuniza à defesa pugnar para que o faça, sendo essa garantia um direito fundamental e irrenunciável do acusado.

Tânia Oliveira e Carol Proner – Membros da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.

Redação

Redação

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  • Se não há provas, nem confissão, e se os crimes atribuídos ao Lula não são fatos públicos nem notórios, o Lula deve é ser absolvido, não ir para regime semi-aberto.

  • Exatamente.

    Entendo que a defesa do presidente nos tribunais tem que arguir as tecnicalidades jurídicas.

    Mas a defesa pública não pode ficar em conversa fiada sobre esse tipo de coisa. O argumento é um só: as provas do processo demonstram a inexistência do crime atribuído ao presidente. O apartamento nunca esteve em nome dele, nunca foi usado por ele, nunca rendeu ganhos financeiros a ele. Nenhum dos elementos implícitos na noção de "propriedade" está presente. Logo, não há crime. E se não há crime, não pode haver pena. E se há pena, é antijurídica, e impõe-se a anulação do processo.

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