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Gilmar Mendes e o problema do encarceramento ilegal

Da Folha

Temos um vergonhoso recorde de encarceramento ilegal. Todo preso em flagrante deveria ver um juiz, mas nossa Justiça tem estrutura da Idade de Pedra

Imagine a situação: você está num ônibus quando ouve alguém se dizendo assaltado. O motorista estaciona e entrega um homem cabisbaixo à polícia, que o conduz ao juiz de plantão.

O magistrado percebe se tratar de um surdo-mudo, incriminado injustamente pela própria mulher. Livra, assim, o infeliz marido -duplamente traído. O marido, porém, contara na ocasião com grande sorte: se o auto de prisão em flagrante fosse apreciado a léguas do preso, decerto mais uma prisão indevida se somaria ao vergonhoso recorde nacional de encarceramentos ilegais.

O fato chama atenção para a conveniência de ser regulamentada a obrigatoriedade de apresentação pessoal dos presos ao juiz nos casos de flagrante, o que, segundo as estatísticas, reduz a possibilidade de prisão à metade.

Proposta para instituir permanentes plantões judiciários na primeira instância está na pauta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão cuja missão fiscalizadora associou-se definitivamente à tarefa de modernizar a Justiça brasileira.

No início, a tarefa do CNJ revelou-se hercúlea: antes mesmo de identificar os gargalos do sistema de Justiça, foi preciso conhecê-lo. Quantos processos tramitavam e desde quando? Onde e como atuavam os juízes? As instalações e equipamentos remontavam à Idade da Pedra.

Concluído esse mapeamento, cabia vencer as disparidades de sistema judiciário dos mais complexos, formado por tribunais diferentes -estaduais, federais, especializados – em diversas áreas de atuação e dotados de autonomia administrativa e financeira. Urgia fixar metas nacionais, estabelecer padrões, uniformizar procedimentos. Disso dependia a implantação do processo eletrônico e a gestão segura de informações.

O desafio atual tem foco na eficiência, propósito que só se alcança a partir de acurados diagnósticos sobre a realidade judicial no país.

Contudo, apesar do conjunto de informações disponível, ainda não fora vencida a etapa de sistematização desses dados, apta a revelar o real desempenho dos tribunais e a permitir a diagnose e o monitoramento das principais dificuldades.

Cumprindo missão acadêmica, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) elaborou indicador sintético, o Índice de Desempenho da Justiça (IDJus). Com uso da metodologia de índices internacionais como o IDH, criado pela ONU, tomou por base dados publicados pelo CNJ no relatório Justiça em Números 2010 e na Pesquisa de Tecnologia 2011, referentes à atuação da Justiça Federal, Estadual e do Trabalho na gestão de processos, de recursos -humanos e tecnológicos- e de orçamentos.

Essa primeira radiografia revela “instantâneos” interessantes, a exemplo das 3ª e 5ª colocações, de um total de 27, alcançadas pelos Tribunais de Justiça de Sergipe e do Acre. Mas excelência em gestão mostrou mesmo o Rio Grande do Sul, sede do Tribunal de Justiça e do Tribunal Federal mais bem posicionados, com indicadores muito superiores à média nacional e cerca de três vezes maiores que as cortes com menor desempenho.

Para além do frio retrato estatístico, os resultados desse ranking ensejam aos tribunais adotar estratégias de aperfeiçoamento, até porque mais conscientes dos próprios déficits de gestão. O IDJus serve também à causa da transparência, essencial à modernização e, consequentemente, à eficiência tão priorizada pelo CNJ no desempenho de inquestionável papel transformador. É tudo de que realmente o Judiciário brasileiro precisa.

Luis Nassif

Luis Nassif

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