O castelo de cartas da Lava Jato, por Paulo Moreira Leite

Enviado por rpv

Do Brasil 247

Lava Jato pode se tornar um castelo de cartas?

Ao decidir mudar-se para  Miami e abandonar três clientes no meio do processo, a advogada Beatriz Catta Preta coloca um imenso ponto de interrogação sobre a Lava Jato.

Cabe perguntar: a fortaleza do juiz Sérgio Moro pode se transformar num castelo de cartas?

Falo isso pensando na denúncia de uma escuta clandestina na cela que o doleiro Alberto Youssef e o executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa ocuparam ao chegar a carceragem em Curitiba. Constitui um caso grave, digno de reflexão sobre os métodos empregados na Lava Jato, certo? Até porque pelo menos outras duas escutas ilegais — envolviam conversa entre advogado e cliente — foram usadas. 

O mesmo ocorre, agora, com a advogada que assinou nove das 18 delações premiadas da Lava Jato. 

Convém não esquecer que estamos diante de um processo no qual as delações premiadas são o principal recurso para acusar e condenar. Nessa atividade, a criminalista Catta Preta atuou no coração das investigações e teve um papel essencial, pela qualidade e pela quantidade. 

Foi ela que assumiu a defesa de Paulo Roberto Costa, quando este decidiu transformar-se em delator e negociar uma pena branda em troca de um dedo duro, numa guinada que deu uma nova dimensão à Operação. A advogada negociou mais oito depoimentos, sempre na mesma linha. Catta Preta advoga para o prolongado corrupto Pedro Barusco e também para Augusto Ribeiro de Mendonça, que deu um testemunho detalhado usado para incriminar João Vaccari Neto.

Nos últimos dias, um de seus clientes, Julio Camargo, deu um novo depoimento sobre a Lava Jato e, desta vez, incriminou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, num pedido de propina de US$ 5 milhões. Dez meses atrás, em outro depoimento, ele não havia tocado no assunto. O próprio Cunha diz que Julio Camargo foi forçado a mentir pelo PGR Rodrigo Janot.

O advogado Nelio Machado, criminalista experiente e respeitado do Rio de Janeiro, que advoga para o lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, envolvido no depoimento de Julio Camargo, observa que “uma mudança de depoimento é muito estranha.”

Há outras coisas estranhas. Dividindo a maioria das delações premiadas com Figueiredo Basto, advogado do doleiro Alberto Youssef, o desempenho de Beatriz Catta Preta sempre chamou a atenção pela quantidade de clientes que foi capaz de defender. A delação premiada é um instrumento que, mesmo reconhecido pela legislação, não deixa de provocar críticas de vários juristas respeitados a começar pela credibilidade de uma pessoa encarcerada.  

Já a atuação de uma só advogada na preparação de nove depoimentos, de nove encarcerados, coloca perguntas ainda mais sérias. 

O próprio Nelio Machado questiona: “vamos raciocinar em tese. O princípio da delação é que um réu deixa de se defender e passar a acusar. Se você tem um único advogado para defender tantos clientes, o risco de um conflito de interesses é evidente. A acusação de um sempre irá esbarrar na defesa de outro. Como é que um mesmo advogado irá atuar para defender as duas partes? Não consigo imaginar”, diz Nelio Machado, adversário doutrinário das delações.

Aquilo que na vida das pessoas comuns se chama conflito de interesses, no mundo dos advogados é classificado como “patrocínio infiel.” Se um advogado defende dois clientes num mesmo caso, pode ser enquadrado num crime que prevê pena de seis meses a três anos de prisão, mais multa.

Para entender melhor a situação, é possível dar um exemplo inocente. Toda pessoa que, na infância, participou de um brinquedo chamado “telefone sem fio” sabe o que acontece com uma frase retransmitida por nove bocas e ouvidos diferentes. Entre crianças, é muito divertido perceber como as palavras mudam de sentido. Todos riem e continuam se divertindo.

Entre adultos, as coisas não são tão divertidas assim, ainda mais quando se trata de pessoas acusadas de um crime, sob o risco de pagar multas pesadas e enfrentar uma longa temporada no cárcere. Neste caso, o jogo só dá certo quando se encontra uma narrativa neste telefone sem fio que seja do interesse de todos e também possa fazer sentido para a Justiça.

Supondo por hipótese que ninguém está mentindo, quem escolhe o que é bom para um cliente e não irá prejudicar o outro? Quem administra tantos interesses para que todos fiquem satisfeitos? Alguém faz acertos, negocia com as partes? 

Há outro aspecto, importante. O artigo 2 da lei que define a “Colaboração Premiada” diz que ela deve permanecer em segredo até a apresentação da denúncia. Antes disso, só pode ser conhecida pelo juiz, pelo advogado, pelo Ministério Público. Alguém acredita que essa regra está sendo respeitada nessa promiscuidade de advogados, delegados, procuradores, jornalistas? 

Deu para entender o tamanho da confusão, certo?

Redação

Redação

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  • O que não dá para entender

    O que não dá para entender realmente é como nossa mídia consegue subverter, modificar e dar outros ares àquilo que nós, meros mortais, estamos vendo. Tais pontos conflitantes colocados no Post já foram levantados e debatidos por aqui. As delações vinham ocorrendo de forma sistemática demais. Não havia nenhuma surpresa. Os vazmentos pior ainda. Só vaza(va) coisas relacionadas ao Governo e sua base aliada. São parcos os nomes de gente da oposição. Será que neste caso espcífico Petrobrás, PSDB, PSC e congeneres não participaram com nenhuma merreca? A mídia agora quer transformar a advogada em mais uma 'queridinha' que foi defenestrada pelo PT como Joaquim Barbosa e tal qual ele, se mandando para Miami. Venhamos e convenhamos, Como diria Welinghton, quem acredita nisso, acredita em tudo!!

  • A Dra Catta Preta além do

    A Dra Catta Preta além do domínio do mundo das leis, ela promoveu um conceito de economia do velho Parreto, nas delações premiadas. Traçamdo uma curva imaginaria de conteúdo nos depoimentos que ficou de bom tamanho para todo mundo, ou quase todo mundo. 

    Portanto isso tudo é inveja da Dra que, com maestria, juntou ciências jurídicas e econômicas para defender nove clientes. Poderia incluir mais delatores era só acertar a curva

  • Catta Preta

    É óbvio que as nove delações foram preparadas com o concurso da advogada, que usou o conhecimento do todo para evitar contradições entre as partes, bem como acusações recíprocas. Será que ela não está saindo porque alguém resolveu falar alguma coisa fora do "script"? E que importância tem uma aberração a mais dentro daquele circo de Curitiba?

  • Alô, OAB!

    A Lava Jato já virou Operação Tarja Pretta. Quanto mais esquisitice, maior a desmoralização da PF, do Judiciário, de advogados e jornalistas.

  • Estamos vivendo em estado de

    Estamos vivendo em estado de golpe constante. A direita é pragmática, organizada e detém os recursos econômicos e financeiros para se financiar indefinidamente, por outro lado a esquerda é mais ideológica, menos organizada, ou até mesmo capaz de promover combates internos que enfraquecem o todo e sem recursos financeiros e meios de comunicação de massa para fazer frente aos ataques diários que sofre. A internet democratiza mais os meios de comunicação. 

    A direita no mundo tem produzido imensos estragos sociais e econõmicos para as populações vulneráveis, se a esquerda não se engajar na conquista dos corações e mentes dos descontentes perderemos tempo para as conquistas humanitárias que almejamos. O Papa tem rolado a bola para a esquerda mundial, cabe a ela se organizar melhor para aproveitar mais este cacife político em prol de suas demandas históricas.

  • Júlio Camargo explicou a Moro

    Júlio Camargo explicou a Moro o motivo por que não citou o nome de Eduardo Cunha em outro interrogatório. Disse que estava impedido de citar nomes de políticos com foro privilegiado. Não entendo como Moro, que realmente impedia os delatores de citar nomes de políticos com foro privilegiado, decidiu fazer tal pergunta ao depoente, como não entendi porque lá atrás não podia e de repente pôde. Ou seja, Júlio Camargo não mudou; quem mudou foi o próprio juíz.

    Quem andou alterando seu depoimento, se não me engano, foi Costa ou Youssef, tanto que PHA enchia o saco perguntando qual das versões valeria como denúncia. A gente vai esquecendo os casos por serem inúmeros.

    Quanto a Catta Preta, como advogada de tantos réus, deve ter enchido malas de dinheiro. Batou um dos seus clientes envolver Eduardo Cunha nas denúncias para ela jogar a toalha e dizer que vai pra Miami. Agora a turma de Cunha quer que ela vá depor na CPI. 

  • Cheiro de pizza ...

    Surpresa ? Desde sempre o objetivo da operação esteve claro e, tendo fugido ao controle, alcançou paragens indesejadas. O objetivo final não foi alcançado com a rapidez que se imaginava e agora há uma montanha de lixo a exalar odores e produzir chorume contaminante do qual todos fogem.

    Sem entrar nos méritos jurídicos e técnicos, uma vergonha sob todos os aspectos.

    Destruiu, manietou, vilipendiou e desvalorizou empresas, relações trabalhistas, localidades em franco desenvolvimento, empregos, e quiçá, reputações, e todos os dias nos deparamos agora - é bem verdade que já as conhecíamos - com as vergonhosas e comprometedoras excusas e derrapagens que tornam tudo absolutamente mais destrutivo e iníquo.

    Imersos neste vergonhoso retrocesso, seguimos torcendo para que este processo seja estancado, evitando novos danos. Para as chagas já abertas em nossa jovem democracia, resta um lento, gradual e incerto processo de recuperação.

    Até lá, tempos sombrios, de problemas que julgávamos sepultados, retornarão à nossa realidade social.

  • Nao!
    Nao dah para entender a confusao!
    Todas as cartas iniciais do MP, juiz e do PGR mudaram. O caso era PT, LULA E DILMA com a Petrobras. Deu uma guinada de 180 graus?
    Dirceu, Palocci?
    Collor atacando o MP ha muito tempo?
    O STF?
    O ministro da justica e a PF.

  • O estranho é o juiz

    O estranho é o juiz defendendo a advogada, com relação a CPI, qual a lógica ?

    Esse processo inteiro é um absurdo. Ele deveria ser dividido em várias partes, para vários juizes, entrar em segredo de justiça e continuar seu curso de maneira impessoal.

    Essse cidadão se torno juiz de uma caso só e, pior,  de uma causa.

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