Dardot e Laval vêm ao Brasil falar sobre o capitalismo contemporâneo

Jornal GGN – Na próxima semana, os pensadores franceses Pierre Dardot e Christian Laval vêm para o Brasil para o lançamento do livro A nova razão do mundo, que explica a natureza do capitalismo contemporâneo por meio de recursos analíticos que conciliam investigação histórico-social e psicanálise.

Os autores utilizam a literatura clássica (Foucault e Marx) em um cenário moderno para revelar o que há de novo no neoliberalismo. Para eles, não se trata mais apenas de uma doutrina econômica ou ideológica, mas de uma racionalidade global que transforma as sociedades e estende seu sistema normativo a todas as relações sociais, sem poupar nenhuma esfera da existência humana.

Dardot e Laval afirmam que a grande inovação da mentalidade neoliberal é vincular o sistema à liberdade. Ou seja, a maneira como o homem “é governado” está em concordância com a maneira como ele próprio “se governa”.

Os autores exploraram as raízes e ramificações do neoliberalismo ao longo do século XX para entender de forma clara onde e quando a economia se tornou uma disciplina pessoal e por que o desejo humano se tornou o alvo do novo poder.

Essa racionalidade faz do indivíduo um negócio, que deve se gerir a si próprio e se fazer crescer e prosperar. Todas as atividades devem se assemelhar a uma produção, a um cálculo de custo, e os resultados devem ser cada vez melhores em todos os domínios: escolar e profissional, mas também interpessoal, sexual e assim por diante. As atividades que permeiam a vida são concebidas essencialmente como investimentos no interminável processo de valorização do eu.

O estudo sistêmico dessa racionalidade permite analisar a corrosão do papel do Estado no imaginário popular. Para os autores, o sistema neoliberal opera uma desativação do jogo democrático que eles chamam de “era pós-democrática”. Direitos como a proteção social, a igualdade de tratamento e  universalidade são questionados pela concepção consumista do serviço público.

O novo mundo cria novas formas de sujeição. “Combatê-la exige não se deixar iludir, fazer uma análise lúcida dele. O conhecimento e a crítica do neoliberalismo são indispensáveis”, acreditam os autores. Sem essa compreensão não haverá resistência.

Abaixo, dois trechos do livro disponibilizados pela editora:

 “‘We are the champions’ [Nós somos os campeões] – esse é o hino do novo sujeito empresarial. Da letra da música, que a sua maneira anuncia o novo curso subjetivo, devemos guardar sobretudo esta advertência: ‘No time for losers’ [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o homem comum, aquele que perde por essência. De fato, a norma social do sujeito mudou. Não é mais o equilíbrio, a média, mas o desempenho máximo que se torna o alvo da ‘reestruturação’ que cada indivíduo deve realizar em si mesmo.”

*****

“O grande erro cometido por aqueles que anunciam a “morte do liberalismo” é confundir a representação ideológica que acompanha a implantação das políticas neoliberais com a normatividade prática que caracteriza propriamente o neoliberalismo. Por isso, o relativo descrédito que atinge hoje a ideologia do laissez-faire não impede de forma alguma que o neoliberalismo predomine mais do que nunca enquanto sistema normativo dotado de certa eficiência, isto é, capaz de orientar internamente a prática efetiva dos governos, das empresas e, para além deles, de milhões de pessoas que não têm necessariamente consciência disso. Porque este é o ponto principal da questão: como é que, apesar das consequências catastróficas a que nos conduziram as políticas neoliberais, essas políticas são cada vez mais ativas, a ponto de afundar os Estados e as sociedades em crises políticas e retrocessos sociais cada vez mais graves?”

Redação

Redação

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  • Um livro incontornável. Assim

    Um livro incontornável. Assim como o que o inspira: O nascimento da Biopolítica do Foucault, já traduzido há tempos. Esperemos que também seja traduzido o livro dos dois autores (muito bom também) Marx, Prénom: Karl.

  • Neoliberalismo ou capitalismo?

    Não conheço a teoria do livro, mas não seria melhor substituir o termo neoliberalismo por capitalismo? Ou melhor, admitir que o neoliberalismo trata-se de uma etapa (talvez inevitável) do desenvolvimento do capitalismo?

    Parece que os autores acreditam que há possibilidade de um capitalismo melhor do que sua face neoliberal. Mas a dinâmica do capitalismo, irremediavlemente, leva à competição feroz de todos contra todos e tende a submeter tudo (indivíduos, sociedades, corpo e psique, natureza, tecnologia, ciência, religião) às "racionalidades" do capital.

    Tudo deve gerar valor, e este, por sua vez, deve se valorizar cada vez mais, infinitamente.

    A lógica do capital é a expansão irrefreável, custe o que custar. É uma loucura, pois assim o capital consome vidas, biomas, sociedades, subjetividades... Mas é a esta loucura que entregamos nossas vidas.

    A submissão a esta lógica louca e implacáveldo capital é o que Marx chama de fetichismo: a verdadeira religião moderna é o capitalismo. Veneramos, todos, o Deus Valor.

    A quem questiona isto com pudores morais/cristãos, uma sugestão: veja como você mesmo e seus amigos e parentes gerem a própria vida.

    Vale a piada popular: dinheiro não é tudo na vida, mas é 100%.

     

     

     

  • Alexander Dugin e uma bom acompanhante do livro acima mencionado. The Fourth Political Theory (A Quarta Teoria Politica), recomendado por Pepe Escobar, e incrivelmente preciso.
    Adorei.

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