por Sebastião Nunes
O deus Ziriguidum botou dois ovos enormes, parecidos com qualquer outro, de galinha, avestruz ou sabiá. A única diferença é que tinham olhos e boca.
Chamavam-se Primeiro Ovo e Segundo Ovo.
O Primeiro Ovo foi botado na Cinelândia, mais ou menos no centro do Rio de Janeiro, mas não teve sorte o coitado: em menos de uma hora teve o celular roubado por um turista paulista, foi espancado por traficantes e, para completar a falta de sorte, levou um tiro de escopeta dado por um sargento que passava por ali e o confundiu com vários suspeitos de marginalato.
Era uma vez o Primeiro Ovo.
O Segundo Ovo foi botado na Avenida Paulista, mas ou menos no miolo de São Paulo, mas não teve sorte o coitado: em menos de uma hora teve o celular roubado por um executivo carioca e foi morto numa blitz por policiais que perseguiam a tiros alguns pivetes suspeitíssimos.
Era uma vez o Segundo Ovo.
NO CÉU DOS OVOS
Como não tiveram tempo de pecar, foram ambos elevados ao Paraíso, sendo ali recebidos por São Pedro e pelo arcanjo Gabriel com beijos e abraços.
– Prazer em conhecê-lo, meu caro Primeiro Ovo – disse São Pedro sorridente. – Estou muito feliz com sua presença entre nós.
– O mesmo digo eu – reforçou o arcanjo Gabriel abraçando e beijando o Segundo Ovo. – É uma honra imensa tê-los aqui.
Recém-nascido e recém-morrido, o Primeiro Ovo não quis perder tempo:
– Perdão, meu Santo – disse dirigindo-se educadamente ao Guardião das Chaves Celestiais. – Mas saberia me explicar minha brevíssima existência terreal?
– Muito simples, meu filho – respondeu o Guardião das Barbas Brancas. – Seu azar foi ser botado no Rio de Janeiro, cidade em plena guerra civil. O deus Ziriguidum deve estar caducando.
– Mas o Segundo Ovo foi botado em São Paulo e seu destino resultou igual.
– Tô sabendo, meu filho – ponderou o Guardião da Paciência Celestial. – Fica frio que eu e meu amigo Gabriel vamos botar, desculpe, vamos pôr os pingos nos is.
CIDADES DAS ESTRELAS
– Imaginem uma estrela de cinco pontas – começou o Guardião das Chuvas. – Façam de conta que o Rio de Janeiro é assim, uma estrela de cinco pontas.
Esforçaram-se o Primeiro e o Segundo Ovo e, com muito esforço, fizeram de conta que o Rio era uma estrela de cinco pontos.
– Conseguiram? Pois bem. Numa ponta estão os políticos; noutra, os traficantes; na terceira, as milícias; na quarta, a polícia; na quinta, os ricos e a classe média alta. Formando o corpo da estrela, ou seja, a massa estelar, estão a classe média baixa, os pobres e os miseráveis. Entenderam?
Piscaram os olhinhos nossos ovos e responderam em uníssono:
– Entendemos.
– Agora vamos girar a estrela como se fosse uma roleta. Vamos lá. Girando… girando… girando… parou. O que vocês estão vendo agora?
Os ovos se entreolharam, pasmos e indecisos. E mudos ficaram.
– Eu explico – disse o Guardião das Tempestades Cerebrais. – Agora vocês estão vendo a mesma estrela, exatamente a mesma, com as cinco pontas ocupadas. Uma pelos políticos; outra pelos traficantes; outra pelas milícias; outra pelos ricos e pela classe média alta. Entenderam?
Piscaram os olhos nossos ovos e tartamudearam em uníssono:
– Na-na-na-não…
O XIS DA QUESTÃO
– Claro que entenderam, só não conseguem visualizar – ponderou o Guardião das Chaves Paradisíacas. – Acontece que nada mudou. Os políticos podem ter trocado de lugar com as milícias, os traficantes com os policiais etc. etc. Mas tudo o que pode ter acontecido não passa de uma mudança de posição nas pontas da estrela. O resto continua igualzinho, quero dizer, a distribuição de poderes. Entenderam agora?
Piscaram novamente os olhos nossos ovos e tartamudearam em uníssono:
– Na-na-na-não…
– Não sejam ingênuos, meus filhos – admoestou o Guardião dos Trovões. – Girar a estrela significa apenas que políticos são iguais a traficantes e milicianos são iguais a policiais, enquanto os ricos e a classe média continuam sendo o que são, mesmo que sua ponta tenha mudado de lugar. O que não faz diferença nenhuma.
PERGUNTAR NÃO OFENDE
– Tudo bem, meu Santo. Então nada muda, ok. Mas e o miolo, isto é, o corpo da estrela, não ficou bagunçado, quero dizer, de ponta-cabeça, no maior desconforto?
– E o que tem isso de errado? Classe média baixa, pobres e miseráveis estão na Terra é pra sofrer mesmo, de modo que…
– Cruzes, meu Santo! – espantaram-se em uníssono os ovos. – E a piedade divina, onde é que fica?
– Ah, meu filho – e aqui o Guardião das Delícias Divinas coçou a barba. – Isso não é comigo. Acho melhor perguntar pro Crivella, que entende mais do Rio do que eu. Afinal, além de prefeito, ele é cantor, compositor, escritor, engenheiro e líder religioso. Com tantos atributos, deve saber te explicar.
Foi então que o Segundo Ovo se atreveu a indagar:
– Mas e São Paulo, meu Santo? O que aconteceu com São Paulo?
– Se você se refere ao santo, posso apresentá-lo a você. Se está falando do time de futebol, melhor consultar o Rogério Ceni. Agora, se for a cidade, dê um pulo no Inferno, logo aqui ao lado, e pergunte a Satanás, que é amigo do peito do João Dória.
– Falou e disse – salmodiou o arcanjo Gabriel, apenas para dizer alguma coisa e para poder servir como ilustração desta crônica.
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