Pelos 40 anos da morte de García Lorca, por Claudio Willer

Enviado por Felipe A. P. L. Costa

Pelos 40 anos da morte de García Lorca

Por Claudio Willer [1]

 

Eu vi pouca coisa nos jornais & revistas sobre os 40 anos da morte de

García Lorca

algumas manifestações e homenagens & uma notícia interessante (na Veja)

detalhando as circunstâncias – só isso

o resto, notas esparsas perdidas nos textos

quase ninguém lembrou

passou despercebido

ninguém quis lembrar

porque as pessoas não querem mais lembrar

e desistiram de falar

pois esta é a era do silêncio

silêncio de covas rasas e túmulos lacrados e circunscritos

silêncio vigiado e preso

silêncio de poeiras há pouco assentadas

pois todos estão mudos e perplexos

alguns mortos incomodam demais

e ninguém quer saber

ninguém quer ver

ninguém quer saber o que tem a ver

apenas este silêncio selado esponjoso grávido

de escorpiões & maresias & tempos & memórias

& vítimas do fascismo

silêncio sem preces nem retaliações

silêncio de palavras costuradas

sexos guilhotinados

uivos espalhados pelas madrugadas

silêncio fantasiado de escafandrista

silêncio de pupilas desorbitadas

tímpanos perfurados unhas arrancadas

gritos em corredores estreitos

jorros de silêncio naufrágios de silêncio

silêncio de cascos estilhaçados de tartaruga

desabando sobre o mundo

silêncio sobre o que foi

o que é

e o que se sabe

silêncio com endereço certo e data marcada

silêncio vômito do tempo e ejaculação precoce

silêncio de feltro

estiletes & punhais dentro da noite

& anteparos & mesas cirúrgicas

& corpos & anêmonas & brônquios

& sangue recém-coagulado pelas paredes

silêncio maior que o mundo e mais pesado que o tempo

silêncio de eletrodos & poções mágicas

silêncio de sorrisos oblíquos

rostos cúmplices

olhares de viés

silêncio conivente e sussurrado

silêncio fantasma à cabeceira

passos de silêncio

atmosferas de silêncio

perseguições na quietude do tempo presente

convulsões inesperadas

silêncio carregado de alucinações

que nos perseguem encapuzadas

silêncio de vértebras e rins e palavras ocultas e soterradas

e vigiadas

junto ao corpo de Federico García Lorca

assassinado por alcaguetes e tropas fascistas

em um campo de Granada em agosto de 1936

desde então ciosamente guardado

por uns poucos fantasmas carcomidos e fosforescentes

para que ninguém chegue perto

e tenha a coragem de romper o lacre

e soltar as palavras

a serem lançadas contra a opacidade do mundo

… … … … … … … … … …

e acharam tudo muito bonito

gostaram demais dos textos

de fato, era um grande poeta

e ficou por isso mesmo

*

Nota

[1] Claudio [Jorge] Willer (nascido em 1940). O poema acima – extraído do blogue Poesia contra a guerra – foi publicado em livro em 1981.

Redação

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