Quatro autores esquecidos pelo país dos modismos, por Carlos Motta

​Quatro autores esquecidos pelo país dos modismos

por Carlos Motta

Neste país destroçado pela realidade da injustiça, desigualdade social, interesses dos poderosos e impunidade para os verdadeiros criminosos, refugiar-se na ficção talvez seja uma atitude, se não sábia, ao menos compreensível, e de certo modo, paliativa para as dores provocadas por este momento trágico.

Devorador de livros desde o primeiro que meus olhos de criança avidamente percorreram, o imortal “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, tive outro dia a vontade irrefreável de encontrar, entre as pilhas ocultas num armário, algumas obras de determinados autores brasileiros, lidas há um bom tempo, mas que nunca fugiram da memória.

Por fim, não sei quantos minutos depois, lá estavam elas, devidamente separadas de tantas outras de boa e má literatura, que voltaram ao seu semiesquecido lugar: “O Amanuense Belmiro”, de Ciro dos Anjos, “Saltimbancos”, de Afonso Schmidt, e “O Professor Jeremias”, de Leo Vaz, três edições da inesquecível Coleção Saraiva, que ousou, com o Clube do Livro, popularizar a leitura num Brasil que deixava os traços rurais, lá pelos anos 40, 50 e 60 do século passado.

As três são obras de alto nível artístico, embora seus autores sejam hoje praticamente ignorados pela indústria livreira e pelo minúsculo público que a movimenta.

De maneiras distintas, nos dão uma ideia de como era o Brasil de quase um século atrás, de como viviam as pessoas comuns – funcionários públicos, artistas mambembes -, com seus pequenos dramas e aflições, pequenas tragédias que se tornam imensas tal a incapacidade de seus indefesos protagonistas lutarem contra elas, e que os subjugam a uma existência na qual as minúsculas conquistas são celebradas como vitórias magníficas.

Animado pela experiência de reler esses clássicos menosprezados pelos modismos, fui atrás de outro autor do mesmo quilate, que encontrei nesses admiráveis sebos virtuais, Galeão Coutinho, outra estrela da Coleção Saraiva.

E dele li “Vovô Morungaba”, obra de prosa ágil, coloquial, cheia de humor, um bom exemplo da literatura picaresca, que, como os outros três, pinta um retrato precioso do Brasil dos anos 1930, e mais especificamente, da São Paulo que iniciava a sua trajetória para se tornar a assustadora e problemática metrópole de hoje.

É uma pena que esses quatro autores – como tantos outros – tenham sido apagados do cenário artístico brasileiro, seguindo a lógica de uma indústria cultural que visa apenas o lucro fácil das estrelas fugazes.

Mas, como se sabe, tudo isso não tem nenhuma importância neste país em que a ignorância é posta num altar e a inteligência é perseguida como inimiga a ser destruída. 

Redação

Redação

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  • O estilo rococó, os

    O estilo rococó, os maneirismos e tautologias notadas no artigo são, de certo modo, uma justificativa que explica porque os autores citados estão fora de catálogo. 

    • Para iletrados, sem dúvida...

      É só o que faltava um comentário desses. Nao só a ignorância domina, mas ainda se orgulha de tal.

  • Vão p/ a lista dos a serem

    Vão p/ a lista dos a serem lidos.  Não os  conheço . E se aceitas a sugestão por que não fazer uma lista dos autores brasileiros contemporâneos? Não os conheço e gostaria de conhecer. Os que fazem boa literatura claro. E outra sugstão é nomes de autores também de língua portuguesa e i acho que os brasileiros seriam melhor , para a garotada de 13, 14, 15 anos. Tenho uma neta de 13 que gosta de ler mas tenho dificuldade em dar um salto de qualidade no q ela lê, pois ela caba lendo esses best sellers. Eu com a idade dela lia coisas de adultos e então o que eu lia não a agrada. Já tentei.

  • Exceto o Amanuense Belmiro,

    Exceto o Amanuense Belmiro, que li e gostei, os outros não li, vou ler, e já gostei. Mais posts como esse, Carlos ! Literatura, a maior invenção de nossa raça ! Até livro ruim é melhor que livro nenhum. 

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