Mídia

A lógica bolsonarista e o editorialista da Folha, por Luís Nassif

Há duas maneiras de enfrentar um tema polêmico. A primeira, é estudando, entendendo a lógica do tema e desenvolvendo argumentos consistentes para rebatê-lo. Se não tiver condições, crie um espantalho, uma caricatura do argumento, e espanque à vontade: espantalhos não reagem.

É o que faz o inacreditável editorialista da Folha no editorial “Delírios petistas”. Parece feito por um marciano que acabou de baixar na terra, sem nenhuma noção das grandes discussões econômicas que estão ocorrendo no mundo. 

Hoje em dia, temas como políticas de austeridade dominam a discussão econômica mundial, através de autores do Nobel Joseph Stiglitz à jovem Clara Mattei. A lógica da política, visando beneficiar exclusivamente o grande capital e abortando qualquer tentativa de desenvolvimento é objeto de discussão geral. Atribui-se a ela a perda de dinamismo da economia norte-americana, o sentimento de orfandade da população em geral, em relação ao Estado, e, em última instância, o avanço da ultradireita mundial. Não é pouca coisa.

Os contra-argumentos levantados é que o equilíbrio macroeconômico aumenta a confiança do capital que volta ao país. Aí haveria outro argumento mostrando que esse capital financeiro não aumenta a capacidade produtiva do país: limita-se a operações de arbitragem.

Enfim, há uma discussão rica e interminável, disponível para economistas de bom nível.

Sem nível para entrar nesses meandros teóricos, o que faz o editorialista da Folha? Recorre a uma caricatura das críticas, para poder responder com uma caricatura de argumentos. E o leitor? Cada jornal conhece o leitor que merece.

Diz ele:

“Na fantasia do PT, apenas interesses perversos e forças malignas o impedem de solucionar todas as carências do país —em renda, educação, saúde, saneamento, infraestrutura— por meio do aumento contínuo do gasto público”.

Uma bobagem sem tamanho! Meio ponto da taxa Selic equivale a quase 0,5% do superávit primário. Ao mencionar “interesses perversos e forças malignas”, assim entre aspas, o articulista visa apenas trazer a discussão para o nível de conversa de bar, como se os ganhos do mercado com tal política não passassem de superstição – e isto em um jornal que já foi dos mais relevantes do país.

Ele cria a caricatura e rebate com a presunção vazia dos sofismadores:

“Por caricatural que pareça, o delírio se repete, em formulações variadas, nas manifestações de seus quadros e nos inúmeros documentos divulgados ao longo dos mais de 40 anos de vida do partido. No mais recente, datado de sexta-feira (8), a legenda arremete contra “a ditadura do Banco Central ‘independente’ e do austericídio fiscal”.

“O tal austericídio, sabe-se, é a meta apresentada pelo próprio governo petista de equilibrar as receitas e despesas do Tesouro Nacional no próximo ano, eliminando o déficit. Esse propósito seria uma imposição de um BC atrelado ao mercado financeiro, de rentistas e, claro, seus porta-vozes na mídia”.

É óbvio! Não existe nada mais ostensivo e óbvio que a ideologia de mercado propagada essencialmente pela mídia. E nenhuma interferência mais direta do mercado do que o Banco Central independente. 

Só a mídia brasileira para permitir um editorial com tal grau de superficialidade, naquele que, nos anos 90, era considerado o mais influente jornal nacional. Hoje, conversa com seus leitores com a mesma sem-cerimônia de um influenciador bolsonarista com seu gado.

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Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Existe algo ainda mais podre sendo veiculado pela Folha de São Paulo, que eu charei aqui de 'síndrome fake dos 10 anos".

    Segundo a Folha, nos últimos 10 anos o número de pessoas nas ruas aumentou. Nesse balanço, obviamente não foram individualizados os dados referentes à crise gerada pelas Fake News que levaram ao golpe de 2016 nem os estragos neoliberais propositais levados a cabo pelos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, cujas políticas econômicas foram apoiadas pela Folha de São Paulo.

    Lula está sendo subrepticiamente culpado pelos danos causados à população pelo neoliberalismo autoritário e pela própria Folha de São Paulo. Todavia, o governo não é capaz de esboçar algum tipo de reação. Ele está perdendo a guerra midiática de lavada.

  • É verdade, Nassif, e talvez por conta dessa decadente regressão é que incorporaram a lógica bolsonarista, que os levaram a ter os leitores que merece e vice-versa.

  • Aqui mesmo nesse blog, num artigo anterior, está escrito que o deficit da Argentina é de 15% do PIB. Então, se deficit é bom para a economia, por que o país vizinho mergulhou no caos, com hiper-inflação à vista e falência total da economia?

  • A Folha é um 'veículo' deficitário, mas formador de convencimento, de um grupo que ganha dinheiro mesmo, muito, no mercado financeiro. Né não?

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