Jornalismo volta ao modo Alarme: as saias justas dos protestos no Chile e óleo no Nordeste, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Era uma vez uma grande mídia vitoriosa após os anos de jornalismo de guerra quando, finalmente, conseguiu engrenar a agenda liberal das privatizações e reformas pós-impeachment. Depois do modo Alarme, agora era chegada hora da autorregulação tranquila, com operações semióticas de naturalização de eventos eventualmente negativos como, por exemplo, as bizarrices da guerra criptografada de Bolsonaro. Mas os violentos conflitos no Chile e o agravamento da catástrofe ambiental do óleo nas costas do Nordeste fizeram o jornalismo corporativo entrar numa saia justa e acender o sinal amarelo: voltar ao modo Alarme –  abre seu kit semiótico de manipulação de fotos, imagens e vídeos: contaminações metonímicas, dessimbolização e uma novidade apontada pelo jornalista Ricardo Kotscho: o “jornalismo drone”.

O jornalismo corporativo sempre vê a realidade de forma dedutiva. Repórteres, editores e as chefias de redação têm sempre um script, uma narrativa pronta, na qual os fatos devem se encaixar. Basicamente, o trabalho chamado de “investigativo” de grande parte da imprensa consiste em deduzir nos fatos a manifestação desse grande “plot” pré-existente à própria realidade.

Empresas estatais são intrinsecamente corruptas e ineficientes. Funcionários públicos são essencialmente preguiçosos e acomodados. O mercado tem sempre razão. Policiais são sempre recebidos a tiros e agem por legitima defesa. O mérito e a competência individuais são imunes a qualquer crise econômica. Crise é oportunidade para inovações. Somente atraindo investidores estrangeiros o Brasil crescerá. Privatizar é necessário. Toda ganância e busca de oportunidades por lucro são moralmente bons, e assim por diante. São mais que mantras: são quase que a prioris kantianos pelos quais os fatos são deduzidos  para tornar a realidade inteligível.

O motivo da existência desse jornalismo metafísico são vários. Podem ser políticos, quando a imprensa assume o papel de alarme quando as coisas parecem fugir do controle. Podem também cumprir aquela função dos clichês explicada pelo pensador alemão Theodor Adorno: peças pré-fabricadas que apenas são encaixadas na linha de montagem da indústria cultural. Rotiniza e agiliza o trabalho e o controle ideológico das chefias de redação.

Mas os fatos podem de repente se tornar indóceis à rotina dedutiva das redações. E é nesses momentos de saia justa que fica mais evidente a existência desse jornalismo metafísico.

Às vezes encontramos aqui e ali atos falhos da ansiedade que acomete jornalistas loucos para verem os fatos se adequarem ao script: “E essa privatização… Sai ou não sai?”, indagava ansioso um locutor da Rádio Jovem Pan ao repórter que estava num link ao vivo na Bovespa torcendo pela privatização definitiva do Banespa nos longínquos anos 1990.

Ou então a exclamação da apresentadora do Jornal Hoje da Globo, Maju Coutinho, diante das notícias sobre o trâmite da Reforma da Previdência no Congresso: “Mas que vai e vem danado!”.

Algo fugiu do roteiro

As milhares de pessoas que saíram às ruas no Chile em protestos e as toneladas de óleo cru que atingem as praias do Nordeste são alguns desses momentos em que o jornalismo corporativo se confronta com uma realidade selvagem que foge do roteiro. Obrigando a realizar manobras semióticas de última hora. São momentos didáticos para a análise crítica midiática, pois os mecanismos linguísticos ficam mais expostos e revelam-se por si mesmos.

Em postagem anterior descrevíamos as cinco novas técnicas dos jornalões e telejornais que se somam ao tradicional kit semiótico de manipulação dos fatos (clique aqui). Falávamos que o Jornalismo possui duas funções principais na manutenção do status quo o modo alarme (“jornalismo de guerra”) e o modo autorregulação sistêmica para manter o equilíbrio e normalidade do cotidiano.

Com o final do bem-sucedido jornalismo de guerra, a grande mídia alternou para o modo autorregulação: era hora de tranquilizar o País para implementar a agenda neoliberal sem mais sustos. 

Naturalização é a principal técnica. Quando não se tem mais como omitir ou esconder algum fato que possa quebrar a paz de cemitério nacional, tenta-se dar um tratamento que retire o peso, impacto ou dramaticidade das notícias.

Primeiro diante da Região Norte do País ardendo em chamas, a grande imprensa preferiu ignorar. Até o momento em que presidente francês Emmanuel Macron convocou a reunião extraordinária do G7 para discutir a “emergência na floresta amazônica”. 

A partir daí não dava mais para omitir. Então, entraram em cena os mecanismos de naturalização apoiados com muita contaminação metonímica: as notícias eram seguidas da previsão do tempo para criar a conotação dos incêndios generalizados serem um fenômeno sazonal, do “clima” ou meteorológico.

O mesmo ocorreu no desastre ambiental anunciado do gigantesco vazamento de óleo cru que se estende para mais de dois mil quilômetros. A grande mídia omitiu informações sobre o acontecimento em pouco mais de um mês. Até atingir as praias mais badaladas, turísticas e até da elite – não era mais possível esconder mais um desgaste ambiental de repercussão internacional.

Ainda mais, às vésperas do megaleilão da cessão onerosa das gigantescas riquezas do Pré-sal, prevista para seis de novembro.

 

Mutirão de impeza no litoral alagoano: “É bonito de se ver…”

 

Naturalizar: “não há nada demais acontecendo…”

Seguindo o mesmo modus operandi, entram em cena os mecanismos para naturalizar uma catástrofe:

 

(a) De catástrofe ambiental terrível com explicações erráticas (Venezuela, Greenpeace etc.), tudo vira um show de solidariedade. “É bonito de se ver!”, exclama um repórter local da TV Globo ao mostrar mutirão de moradores e turistas limpando uma praia em Alagoas… “Que lindo!”, exclama Maju Coutinho ao ver imagens de moradores junto com militares limpando uma praia, mostrando que tem futuro como âncora de um telejornal de rede…

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Redação

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