Homenagem aos 81 anos de Durval Ferreira, por Mara L. Baraúna

Durval Inácio Ferreira (Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1935 — Rio de Janeiro, 17 de junho de 2007)

Por Mara L. Baraúna

Nascido em Inhaúma, subúrbio do Rio de Janeiro, começou a interessar-se por música ouvindo o bandolim tocado pela mãe e os conjuntos regionais das festinhas caseiras onde o irmão pontificava como seresteiro. Ouvia na Rádio Nacional Orlando Silva, Chico Alves, Geraldo Pereira, Trio Surdina, Garoto, Valzinho.

Durval fazia parte de um grupo de músicos que, no Andaraí, Zona Norte do Rio de Janeiro, reunia-se na casa do empresário e baterista Everardo Magalhães. Do grupo faziam parte Adalberto Castilho, o Bebeto Castilho (posteriormente membro do Tamba Trio), João Donato e, ocasionalmente, Johnny Alf, contrapondo-se ao célebre ninho de Nara Leão na Avenida Atlântica onde se reunia a nata da bossa.

Por volta de 1955, no antigo Hotel América, em frente ao Clube Hebraica, conheceu Maurício Einhorn durante um baile em que Maurício tocava. Esse encontro com o gaitista rendeu uma das parcerias mais importantes e marcantes da Bossa Nova. No ano de 1958, o tema Sambop, de autoria da dupla, foi um divisor de águas, pois numa levada arrojada aproximou a Bossa Nova do Jazz, o que para alguns puristas poderia ser algo impossível. Eles eram fãs do Jazz, do Bebop, de Charlie Parker, Chet Baker, George Gershwin. Essa canção foi registrada, dois anos depois, por Claudette Soares, no LP Nova geração em ritmo de samba.

https://www.youtube.com/watch?v=Ho8qu9uXKe4]

Em 1959, participou do Festival de Bossa Nova, realizado no Liceu Franco Brasileiro, e do A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor, show de Bossa Nova da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, em 1960, ambos no Rio. Nessa época, formou seu primeiro conjunto, com o qual acompanhou, como guitarrista, a cantora Leny Andrade, que fez muito sucesso interpretando suas composições Batida diferente (com Maurício Einhorn) e Estamos (com Maurício Einhorn e Regina Werneck).

Em 1962 integrou o conjunto de Ed Lincoln e, como guitarrista, tocou no Sexteto Bossa Rio, de Sérgio Mendes, no Beco das Garrafas, e acabou participando da abertura do histórico concerto da bossa nova no Carnegie Hall, de Nova Iorque. O Sexteto Bossa Rio, liderado pelo jovem pianista Sérgio Mendes, então com 21 anos, abriu o show com Samba de uma nota só. O grupo tinha Durval Ferreira, na guitarra; Octavio Bailly Jr., no baixo; Pedro Paulo, no trumpete; Paulo Moura, no sax alto e Dom Um Romão, na bateria. Todos, também, jovens talentos em ascensão.

O saxofonista Julian “Cannonball” Adderley, uma celebridade, adorou a performance do Bossa Rio e depois do show juntou os rapazes e os levou para o Birdland, um dos tradicionais templos do jazz em Manhattan. Com seu prestígio, conseguiu uma colocação para o sexteto se apresentar na casa nos fins de noite. O músico americano acabou de se apaixonar de vez pela música brasileira. Em poucos dias os convocou para gravarem juntos um disco, o Cannonball’s Bossa Nova, com o Bossa Rio Sextet of Brazil. Três músicas da dupla Durval Ferreira e Mauricio Einhorn dão a tônica do disco. A melódica Clouds (Nuvens), Batida Diferente, que sintetiza o espírito do álbum, levando ao jazz americano a different beat, como ressaltado na apresentação do disco, e Sambop.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=mQjtXWh-qSM&list=PL7C6B5ED9CF45686A

Durval orgulhou-se de seu calibrado violão de centro ter sido destaque no disco de Sérgio Mendes/Adderley, onde teve quatro de suas composições escaladas, incluindo a obscura Joyce’s Samba.

Ainda na década de 1960, atuou com o Tamba Trio e liderou o conjunto Os Gatos , com o qual gravou os LPs Aquele som dos Gatos (1965) e Os Gatos (1966), lançados pela Philips.

Compôs a trilha sonora de Estranho triângulo, filme dirigido pelo seu parceiro Pedro Camargo, e participou, em 1968, do III Festival Internacional da Canção (FIC), da TV Globo, do Rio de Janeiro, com a música Rua d’Aurora (com Fátima Gaspar e Tibério Gaspar). Foi membro do júri do IV Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro (1969). Compôs vinhetas para a Rádio Nacional FM (RJ) e, com Orlandivo, para a Rádio Nacional AM (RJ).

Como diretor artístico das gravadoras BMG, RGE, CID, Line Records, Impacto Music e PolyGram,  lançou Sandra de Sá, Emílio Santiago e Joanna, entre outros. Durval passou ainda pela antiga Philips, onde produziu o Jovem Guarda Marcio Greyck e a refinada Dulce Nunes.

Foi o responsável pela produção do projeto Bossa Nova – História, Som e Imagem (Spala/Caras). Co-produziu, com Aloysio de Oliveira, os discos O som brasileiro de Sarah Vaughan e Miúcha e Tom Jobim.

Juntamente com Charles Gavin, do grupo Titãs, assessorou o selo inglês Whatmusic.com, inaugurado em março de 2001, cuja especialidade é a edição de vinis de 180 gramas ou CDs de embalagem digipack fiéis aos originais, para comercialização mundial.

Em 2003, venceu um festival de música em Jacareí (SP), com sua canção Antonio Brasileiro (com Tibério Gaspar), dedicada a Tom Jobim.

Lançou, em 2004, o seu primeiro CD Batida diferente contendo suas canções. Ainda em 2004, fez show no bar Partitura (RJ) e apresentou-se ao lado de Johnny Alf, João Donato, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Wanda Sá, Pery Ribeiro, Leny Andrade, Eliane Elias, Marcos Valle, Os Cariocas e Bossacucanova, no espetáculo Bossa Nova in Concert, realizado no Canecão, com apresentação de Miéle e direção musical de Roberto Menescal.

Em 2005, apresentou-se no J Club, piano-bar da Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa, interpretando composições próprias e músicas de Tom Jobim, Roberto Menescal e Carlos Lyra.

Conhecido no meio musical como Gato, pelos seus olhos azuis, o compositor, instrumentista, arranjador e produtor musical, Durval tem suas músicas gravadas por intérpretes como Baden Powell, Ed Lincoln, Roberto Menescal, Leny Andrade, Pery Ribeiro, Emílio Santiago, Agostinho dos Santos, Elizeth Cardoso, Wilson Simonal, Chico Feitosa, Claudette Soares, Geraldo Vespar, Johnny Alf, Elis Regina, Sílvio César, Marisa Gata Mansa, Os Cariocas, Marcos Valle, João Donato, Clara Nunes, Ângela Maria, Milton Banana, Walter Wanderley, Leila Pinheiro, Wanda Sá, Mauro Senise, Wes Montgomery, Sarah Vaughan e Herbie Mann, entre outros.

Durval morreu de câncer, em 17 de junho de 2007, aos 72 anos, no Rio de Janeiro. O músico ficou internado por 10 dias na Clínica São Carlos no bairro do Humaitá, na Zona Sul do Rio. 

A cantora e produtora Amanda Bravo, filha de Durval, e seu sócio, o empresário Sergio De Martino, reinauguraram o Beco das Garrafas, tradicional reduto de boêmios cariocas, onde o pai começou a carreira. O espaço ficou abandonado por quase 30 anos, com algumas tentativas de revitalização, como a de Durval Ferreira que, por um breve período, reabriu o Little Club nos anos 1990.

Em 2013, Rodolfo Novaes dirigiu Mauricio Einhorn – Estamos Ai. O filme usa como subtítulo uma de suas composições mais célebres, co-assinada por Durval Ferreira, seu principal parceiro em canções. .

O documentário Sambalanço, a bossa que dança, com direção de Fabiano Maciel e roteiro do jornalista e crítico Tárik de Souza, conta a história dos músicos Durval Ferreira, Ed Lincoln e Orlandivo. Prêmio Rio Filme 2014.

Fontes:

Durval Ferreira no Dicionário Cravo Albin 

Durval Ferreira: a bossa nova do além-túnel, por Tárik de Souza

Durval Ferreira – Um leão com olhos de gato 

A Bossa Jazz de Cannonball Adderley, por Flávio de Mattos 

Quando o Tio Sam pegou no tamborim, por Bryan McCann  

 

Redação

Redação

View Comments

  • Bossa nova em ação

    É uma pena que ainda não temos produções de filmes que conta realmente  como foi os anos de ouro da bossa nova. Estamos limitados aos songbooks americanos que nos impõe guela abaixo Garota de Ipanema, samba de Verão e Barquinho. A Bossa vai muito além disso, precisamos também resgatar as imagens da época, mas que seja da época. Há muita porcaria que colocam em documentários que não tem nada a ver com o movimento. Ninguém sabe mais quais foram os músicos que atuaram  naquela período. As gravadores ainda escondem os discos fenomenais sem interesse algum em relançá-los. Ainda somos pobres em relação a cultura brasileira/internacional. O que fazer? Pelo menos temos a Chuva, mas Estamos Aí com a Tristeza de Nós Dois. 

  • Durval Ferreira, um grande nome da Bossa Nova

    Sambop, interpretada por Jacco van Santen, saxofonista holandês

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=bwHE1e8D7cA align:center]

    Mas a minha preferida, mesmo, é "Chuva" aqui na voz de Sara Vaughan. Na harmônica, Maurício Einhorn, parceiro de Durval Ferreira  e que contribuiu bastante para torner esta icônica canção o sucesso que se tornou. 

    Sarah Vaughan (Gentle Rain - Chuva)

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=jKbvjaDEy5I align:center]

    Baden Powell e Maurício Einhorn

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Q1ZyASza908 align:center]

    E já ia esquecendo de outra jóia. Em parceia com Lula Freire, Durval Ferreira compôs "E Nada Mais".

    Com os Gatos

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=R3OIDV2FBsY align:center]

    e com o Quarteto em Cy

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=QoOW-lvV1N0 align:center]

     

  • INJUSTIÇA

    Um país que despreza um Durval Ferreira, ainda não entrou no estágio civilizatório.  Lamentável !!!!!!!!!!!

Recent Posts

Mandato de Sergio Moro no Senado nas mãos do TSE

Relator libera processo para julgamento de recursos movidos por PT e PL em plenário; cabe…

10 horas ago

Uma “Escola para Anormais” no Recife, em Água Fria, por Urariano Mota

Diante disso, quando respiramos fundo, notamos que a escola seria uma inovação. Diria, quase até…

10 horas ago

Praticante da cartilha bolsonarista, Pablo Marçal mente sobre proibição de pouso de avião com doações

Coach precisava ter passado informações básicas à base com 3h de antecedência; base militar tem…

10 horas ago

Enchentes comprometem produção de arroz orgânico do MST no RS

Prognósticos mostram que perda pode chegar a 10 mil toneladas; cheia começa a se deslocar…

11 horas ago

Nova Economia debate o poder da indústria alimentícia

Com o cofundador do site O Joio e o Trigo, João Peres; a pesquisadora da…

11 horas ago

Processos da Operação Calvário seguem para Justiça Eleitoral

Decisão do Superior Tribunal de Justiça segue STF e beneficia ex-governador Ricardo Coutinho, entre outros…

11 horas ago