Porque navegar é preciso, por Arnaldo Cardoso

Porque navegar é preciso

por Arnaldo Cardoso

Com teatros e salas de concerto fechadas, a música clássica também encontrou nas tecnologias e mídias digitais o suporte para continuação de parte de suas atividades no contexto da pandemia do coronavírus que já se estende por mais de um ano.

Lives streamings através de plataformas como Zoom, Youtube, Facebook entre outras, com variados conteúdos e propósitos se multiplicaram no último ano tornando-se o melhor meio de enfrentar as restrições de mobilidade e reunião impostas pela pandemia em todo o mundo.

Muitos músicos relutaram em aderir, ainda que temporariamente, à “virtualização da música”. Tanto para as orquestras quanto para outras formações de músicos, incluindo solistas, as perdas decorrentes da improvisação de recursos técnicos e de infraestrutura, a falta do público é também sentida e influi nos resultados.

Conexões de internet de alta velocidade e recursos de áudio e vídeo de alta definição se tornaram fatores decisivos para a boa transmissão e recepção dos espetáculos de música provocando desequilíbrio em termos do que deve ser o essencial.

Há questionamentos hoje entre músicos e outros artistas quanto ao risco destas experiências virtuais contingenciais passarem a ser a regra.

O prolongamento desse tempo suspenso tem levado jovens músicos e outros artistas a experimentarem novas formas e inovarem em conteúdo para manter ou criar relações com o público.

Se por um lado deve ser louvado o esforço criativo desses músicos e artistas por outro é preocupante o impacto desestruturador que essa situação pode ter sobre as tradicionais instituições da música e das artes em geral.

Em meio a tudo isso, tivemos a oportunidade de entrevistar o violonista brasileiro Plinio Fernandes, que vive em Londres desde 2014 e que em setembro passado concluiu com honras seu mestrado na Royal Academy of Music. Nessa terceira parte da entrevista (as outras duas também foram publicadas neste jornal GGN, cujos links estão reproduzidos abaixo) o músico expôs suas percepções e experiências a respeito do uso dessas tecnologias digitais no contexto da pandemia e dos lockdowns no Reino Unido.  

AC – Conte-nos um pouco sobre como foi a prova final de seu mestrado na Royal Academy of Music. Em função da pandemia do coronavírus, a ausência de uma plateia no momento de sua prova teve algum efeito sobre você?

PF – Num cenário ideal eu teria a plateia repleta de pessoas queridas e amigos para me prestigiar e comemorar comigo esse momento tão importante, mas do limão tentei fazer uma limonada, e tentei ver os jurados como membros de uma plateia dispostos a me impulsionar. A acústica e demais características do lugar serviram de inspiração.

AC – Qual avaliação você faz da experiência vivida durante o confinamento em Nottingham (na casa da família do músico Sheku Kanneh-Mason) de tocar para o público das redes sociais? Você acredita que essa prática de produzir lives como tem ocorrido em todo o mundo poderá continuar no pós-pandemia? Você vê o ambiente virtual como um meio para a democratização do acesso à música clássica?

PF – Foi uma experiência incrível ter passado parte do confinamento em Nottinghan com a família do Sheku e um aprendizado maravilhoso ter tocado nas lives streamings para um público enorme de pessoas ao redor do mundo. Essas lives foram feitas através do canal do Facebook do Sheku que tem mais de 150 mil seguidores espalhados pelos vários continentes. Foi uma experiência enriquecedora e muitas pessoas passaram a me seguir também nas redes sociais. Foi muito bom dividir música com as pessoas nesse momento tão doloroso que tem sido o da pandemia. As lives aconteciam semanalmente, e nós recebemos muitas mensagens de pessoas que diziam que aquele momento tinha se tornado importante para elas, que estavam em suas casas, lidando com perdas e sobrevivendo à pandemia. Isso para nós foi muito tocante e nos motivava a criar um repertório cada vez mais variado para que as pessoas pudessem aproveitar aquele momento. Foi muito bonito.

Ao mesmo tempo em que eu acredito na democratização da música através do uso das ferramentas tecnológicas digitais como as lives streaming e as redes sociais, eu acho difícil que isso continue com tanta força no pós-pandemia, quando os teatros reabrirem, pois eu acredito que a experiência ao vivo que a apreciação não só musical, mas artística de modo geral propicia é insubstituível e as ferramentas digitais não dão conta de suprir a necessidade que temos da arte.

AC – Como foi a sua experiência em tocar numa emissora de tv de arte em Paris com alcance para mais de 2 milhões de espectadores? Experiência similar poderá ser experimentada no Brasil?

PF – Foi uma ótima experiência e a melhora nesse tipo de performance só ocorre fazendo mais disto. Tocar ao vivo em televisão, rádio ou lives streamings exige um tipo de concentração diferente da de concertos. Saber que há um imenso número de pessoas te assistindo sem as ver, entrar na casa de tantas pessoas, ao mesmo tempo que proporcionam uma sensação muito bacana é estressante. Em Paris eu toquei em duo com o Sheku para o lançamento do cd dele e na mesma semana tocamos na rádio BBC de Londres.

No dia seguinte à participação na televisão francesa seguimos para a estação de trem de Paris para retornar a Londres e muitas pessoas nos reconheceram, elogiaram, foi uma sensação muito gostosa e gratificante.

Quanto a reproduzir essa experiência no Brasil, imagino que seja possível e pode ser bem bacana. A recente entrevista que demos para o Jornal Hoje da Globo, gravada em Londres, foi muito boa, teve uma grande repercussão com ótimo feedback. São sempre bem vindas as oportunidades de divulgar a música clássica e instrumental brasileiras.

Parte I da entrevista: https://jornalggn.com.br/artes/a-diplomacia-musical-de-plinio-fernandes-por-arnaldo-cardoso/

Parte II da entrevista: https://jornalggn.com.br/musica/repetir-o-discurso-da-meritocracia-seria-leviano-e-cruel-diz-musico-por-arnaldo-cardoso/

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista político

Redação

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