A urgência e a emergência da luta antifascista no Brasil, por William Nozaki

A urgência e a emergência da luta antifascista no Brasil

por William Nozaki

O que parte da sociedade e das forças políticas não compreenderam sobre o último período é que a defesa de Lula Livre não é uma concessão ao PT, mas uma necessidade para a sobrevivência da democracia brasileira.

Lula é o verdadeiro “centro gravitacional” de nossa dinâmica sociopolítica, qualquer tentativa de fazer de Alckmin, Marina ou Ciro uma “terceira via” é artificial e enganosa, pois parte do diagnóstico equivocado de que Bolsonaro e Haddad são pólos equivalentes, o que é um absurdo, pois, a autoritarismo do primeiro não se compara ao republicanismo do segundo.

Esse erro está sendo levado a cabo pela confluência de outros quatro fatores: (i) o crescimento de Bolsonaro como candidato anti-petista e “anti-sistêmico”, na esteira da exposição midiática que teve com o atentado; (ii) o desespero das candidaturas de Alckmin, Ciro e Marina com a chance cada vez mais remota de ida para o segundo turno, estimulando o discurso de que o bolsonarismo não pode ser vencido pelo petismo; (iii) as ambiguidades da candidatura petista na defesa da libertação de Lula e na questão do indulto, bem como os inadvertidos e antecipados acenos em direção ao mercado; (iv) as movimentações tresloucadas de Paulo Guedes, Hamilton Mourão e nas reações contra as mulheres do #EleNão.

O resultado desse cenário é que o debate sobre a “questão do desenvolvimento”, que permite associar Bolsonaro e Alckmin a Temer, está sendo precocemente substituída pela “questão da democracia” e da luta antifascista, que põe em dúvidas a capacidade de o professor-prefeito vencer o capitão reformado.

Esse debate tem se expressado na opinião pública de duas maneiras: na discussão sobre a antecipação do voto útil no primeiro turno (em Alckmin ou Ciro) e no debate sobre a organização de um bloco democrático e antifascista também já no primeiro turno. Certo está que o fascismo não pode ser subestimado, mas dissociar essa luta do Lula Livre é praticar o auto-engano, pois é fingir que outra figura pode “despolarizar” as eleições e a política, o que simplesmente não é verdade.

Há cerca de dois anos, as forças político-partidárias estavam acintosamente polarizadas, mas não se passava o mesmo em intensidade com a sociedade. Hoje a sociedade se polarizou inequivocamente, percebendo o perigo dessa situação, algumas forças politico-partidárias ensaiam sinais de reconciliação. A iniciativa veio tarde demais e já não poderá dar frutos no processo eleitoral, só depois. A eleição deixou de ser solução definitiva para a crise quando se optou por manter Lula, o centro de facto, preso. Isso cria uma armadilha para os eleitores progressistas em geral e para os petistas em particular.

No que se refere ao eleitor progressista, a arapuca está no fato de que a transferência de votos de Lula para Haddad tem se mostrado tão exitosa que a cada nova pesquisa se torna mais impensável conceber um segundo turno sem Haddad. De modo que, de forma estilizada, o voto útil da classe média do Sudeste em Ciro Gomes já não é mais capaz de deter o voto popular dos trabalhadores do Nordeste em Fernando Haddad, o único efeito desse suposto voto útil agora é enfraquecer a ida do PT para o segundo turno.

Já no que diz respeito aos petistas, o engodo está em, sob pretexto de querer acertadamente debater a “questão do desenvolvimento” e as relações entre Temer, Bolsonaro e Alckmin, negligenciar o fato de que, gostemos ou não, a agenda anti-fascista, pro-democrática e de construção de um bloco mais amplo, já ocupou a preocupação dos eleitores e tomará as ruas, ao que tudo indica, antes do fim do primeiro turno. Nesse cenário, o PT não pode repetir o erro de 2013, qual seja: deixar de participar do movimento porque ele não nasceu petista e teima em não respeitar o calendário da tática eleitoral do partido.

Estamos, portanto, diante do risco de duas profecias auto cumpridas: eleitores progressistas que achando que Haddad terá mais dificuldades de vencer Bolsonaro no segundo turno estão criando mais dificuldades para Haddad vencer Bolsonaro no segundo turno, antecipando um voto útil que não será vitorioso; apoiadores petistas que, com medo de que o movimento antifascista atrapalhe a migração de votos para Haddad, estão criticando indevidamente o timing e amplitude do movimento, o que também pode atrapalhar o crescimento eleitoral de Haddad.

Em uma conjuntura tão complexa como essa o mais aconselhável é não promover rinhas entre verdades cristalizadas e a realidade em mutação acelerada. Sendo assim, assuma-se: a polarização se entranhou nas eleições e ela será, a um só tempo, a luta da democracia e do desenvolvimento contra o fascismo e o neoliberalismo, com contradições, ambiguidades, com tudo.

William Nozaki – professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Possui graduação em Ciências Sociais pela USP e mestrado em Economia pela UNICAMP onde realiza o doutorado em Desenvolvimento Econômico. Atua nas áreas de economia política e brasileira pesquisando temas como crescimento econômico, concentração de riqueza e distribuição de renda.
William Nozaki

4 Comentários

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  1. Alguém me explica?

    Eu queria saber porque a CUT não assinou o manifesto de 6 centrais sindicais – que inclui da Força Sindical até a Conlutas, ou seja quase todo o espectro politico do sindicalismo – contra Bolsonaro e o fascismo?(está no Diário do Centro do Mundo) Se a questão é de desenvolvimento e associar Bolsonaro a Temer, nada melhor que um manifesto sindical, não?

    1. Mr Rambouz, me responda:

      As entidades sindicais filiadas, por exemplo, a Força Sindical estiveram na primeira linha do golpe que nos jogou no colo do “coisa ruim”.

      Aí agora esquecemos tudo e damos as mãos com os golpistas para nos salvar do resultado do golpe?

      Ah, como assim?

      A CUT deveria agora se irmanar aos golpistas.

      Considerando que temer tem candidato (o meirelles) até ele poderia estar nesse amplo arco anti-coisa-ruim, não?

      Oblesqbom?

  2. Sociologia barata!

    Claro que reduzir o cara pelo seu rótulo não é nada bom, mas a julgar suas credenciais que o colocam ombro-a-ombro com fornazieri na pomposa fundação escola de sociologia e política de são paulo não dava para esperar nada mesmo!

    Que se pretenda ensinar sociologia eu entendo, mas como se ensina “política”????????????????????

    Bem, deve ter sido um nome mais agradável como “marca” e “recall”.

    Mais ou menos como fazem com a sociologia de botequim que divulgam!

    Ou insistem na pobreza argumentativa para ceder a uma suposta diluição de conceitos caros, como se reducionismo conferisse verdade só porque fica mais fácil de entender, cedendo àquilo que chamo de populismo intelectual, ou não sabem de p*orra nenhuma mesmo!!!!

    Não existe candidato antissistêmico no capitalismo, pedros bós!!!!

    O máximo de concessão que podemos fazer é que o grosso do eleitor imagina estar praticando algo como voto cacareco ou macaco tião.

    Mesmo assim, tomar essa manifestação como explicação total do fenômeno é de uma arrogância para com a autonomia do eleitor que só perde para burrice!

    (ATENÇÃO: FALAR EM AUTONOMIA NÃO IMPLICA EM DESCONHECER OU DESPREZAR AS VARIÁVEIS DE INFLUÊNCIA E ASPECTOS IDEOLÓGICOS QUE ESTRUTURAM TAIS ESCOLHAS!!!!!!!!! AO CONTRÁRIO, É ENTENDER QUE TODAS AS CLASSES SOCIAIS ESTÃO SUJEITAS A TAIS INFLUÊNCIAS, E QUE TODAS AS ESCOLHAS SÃO FORMULADAS DENTRE A COMPREENSÃO MAIOR OU MENOR DESSAS INFLUÊNCIAS POR QUEM É INFLUENCIADO, E O CONJUNTO DE INTERESSES E DEMANDAS QUE QUER SATISFAZER COM TAIS ESCOLHAS, tendo como base o maior ou menor poder relativo de cada classe nesse jogo de (mútua) manipulação!!!!)

    Boa parte do eleitor não quer um antissistema ou anti-política, ao contrário, o eleitor de bolsonaro, e talvez até do “Lula-Andrade”, quer um sistema que funcione, e não tem a menor ideia de como realizar politicamente o que ele imagina ser o “paraíso” (sistema capitalista):

    – Serviços públicos de qualidade, mas sem impostos, segurança pública que proclame guerra às drogas, mas que a sociedade continue em paz, livre-mercado, livre tudo, mas sem desemprego e exército de reserva, liberdade para si e regras para os outros, enfim, quer a utopia capitalista que não se realiza a não ser como distopia.

    Quer um país respeitado, forte, importante e organizado, pulando todas as etapas (inclusive e principalmente as mais sangrentas), e trazido por obra e concessão de um líder perfeito.

    O fascismo, pedros bós, não é uma face excepcional do capitalismo, ele é uma das suas versões mais eficazes!

    O eleitor quer, portanto, um tipo de autoritarismo que seja eficaz e “bonzinho”, porque imagina que esse método é mais rápido (e de fato, é).

    Não há, portanto, luta ANTIFA sem luta anticapitalista!!!!! Porque é justamente a crença de que haverá algum dia um capitalismo perfeito para todos que insemina ânimos autoritários, já que, per si, o eleitor intui (ao contrário do esmagadora dos “imbecis da academia!), que capitalismo não rima com democracia e nunca rimará!

    A História deveria ter ensinado a essa rapaziada que foi justamente por tais condições e interdições, que a luta antifascista não triunfou em nenhum lugar quando foi chamada a conter o ímpeto autoritário do Capital:

    – Ver Hitler, Franco, Salazar, Mussolini e etc.

     

    fundação escola de sociolog…argh, esse troço deveria ser fechado!!!!

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