A carta dos advogados (e sua repercussão, concordemos ou não com o teor, contendo denúncias de desrespeito aos direitos dos investigados*); a revelação do grave erro na transcrição, feita pelos procuradores, do depoimento que levou Marcelo Odebrecht à prisão preventiva; a revelação das escutas clandestinas, com a recusa do juiz Sérgio Moro em apurar o caso; a confissão inadvertida de um dos procuradores ao Globo de que, propositalmente, “bloqueavam” os acordos de leniência (o que causou prejuízos bilionários ao país muito acima do desvio apurado); os vazamentos seletivos praticados pela Polícia Federal.
Aos poucos, os erros da operação Lava Jato estão vindo à luz também por uma mídia que fez o máximo para esconder aquilo de que muitos desconfiavam: as ilegalidades da operação. Mas qual o motivo de certo “afrouxamento” na defesa da Lava Jato pela grande imprensa?
Duas hipóteses: a primeira delas, o fato de que não se conseguiu livrar totalmente o PSDB das denúncias. Sérgio Guerra, Aécio Neves, Aloísio Nunes, e mesmo (o governo) FHC, são alguns dos nomes citados nos depoimentos.
Mas a hipótese mais provável é de que a operação fracassou politicamente. Explica-se. A primeira função política atribuída pela oposição e pelo cartel de mídia à Lava Jato (e aqui desconsideramos a possibilidade de a operação ter nascido somente para este fim) era prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff. Sem repercussão midiática e exploração política, a Lava Jato seria apenas um imbróglio no Paraná. Oportunista, o cartel viu na operação uma enorme chance de ferir de morte a candidatura petista. Não conseguiu, por pouco.
Eleição perdida pela oposição, a segunda missão da operação era contribuir para o impeachment. É como se os investigadores tivessem a obrigação de provar a culpabilidade de Dilma. Não conseguiram. Mesmo assim, o cartel de mídia deu mais uma chance à força tarefa: envolver Lula. Também não conseguiram. Pior: na medida em que as investigações prosseguem, começa a se firmar em parte da opinião pública a compreensão de que é Dilma quem garante a operação. E que isso não aconteceria com o PMDB. Contribuiu para esta mudança de ventos, o desastre político em que se configurou a tríplice aliança Temer-Cunha-Aécio.
Ainda que a Lava Jato seja muito mais que isso (é, sim, uma investigação necessária da atuação cartelizada de empreiteiras contra a Petrobras) foi assim, como política, que foi midiatizada. O preço a pagar é alto. Na medida em que não servem mais a esse propósito, os investigadores ficam expostos aos seus próprios erros. O risco agora é de a operação ser anulada, ao menos parcialmente, graças aos equívocos e à má condução.
Pior: se ficar provado que houve abusos contra direitos dos presos (ainda mais os milionários), a possibilidade de um processo contra os próprios investigadores é grande. O outro risco é o dos procuradores e Moro partiram para o tudo ou nada, para evitarem um fiasco completo ou o esquecimento. E aí, realmente, Lula e o PT devem ficar atentos.
O fracasso político da Lava Jato se deveu a uma série de fatores. Pelo menos um de ordem constitucional: o fato de que Sérgio Moro não poderia sentenciar deputadores e senadores, uma competência do Supremo Tribunal Federal. Outro fator: o “fatiamento” da operação. Com isso, o alcance político da turma de Curitiba acabou se restringindo.
Há um outro fator, este bem menos comentado: o procurador-geral Rodrigo Janot interferiu na relação de forças políticas no interior da Força Tarefa, ao nomear novos integrantes para o grupo. Os primeiros procuradores formavam uma turma muito mais coesa em favor de uma atuação deliberadamente política, na frente midiática. Resta saber se os novos integrantes ajudam a disciplinar este furor partidário capitaneado por Fernando Lima e equipe.
A tensão é clara, como demonstra o descontrole de recentes depoimentos de Moro (tentando fazer pouco caso do gravíssimo erro da transcrição que o fez manter alguém preso por mais de oito meses); as ameaças agressivas do procurador Deltan Dallagnol a Marcelo Odebrecht; e as súplicas de Fernando Lima por espaço na mídia para “denunciar” a nova MP dos acordos de leniência (outro fator de enfraquecimento político da Lava Jato, que também se fortalecia como um catalisador da crise econômica, ao sabotar os contratos).
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* A Folha de S. Paulo tentou desacreditar a Carta dos Advogados ontem, ao noticiar que, supostamente, o documento teria sido produzido por iniciativa de Marcelo Odebrecht. A tentativa sai pela culatra, na medida em que abusos e desrespeitos ao Estado do Direito são um problema em si mesmo, Independentemente da origem do texto ou intenção dos autores.
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