Fora de Pauta

O espaço para os temas livres e variados.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  • Lula, a alma do Brasil

    Nasci e lá vivi até os onze anos de idade.

    Juazeiro (BA) era o meu universo.

    A rua Antônio Pedro era a minha casa e a casa onde eu morava o local onde minha família se fazia família.

    Foi lá, em Juazeiro, onde ouvi o Brasil ser campeão mundial de futebol em 1958 e 1962.

    Foi em 1962 que poucos minutos após a final em que o Brasil se sagrara campeão, pelas mãos de meu pai fui às ruas. Ao ver homens vestidos com o uniforme da seleção brasileira, perguntei; pai, são os jogadores da seleção?

    Você acha que existe um mundo melhor que esse, onde se misturam as desconhecidas fronteiras de sua cidade e a imaginação de uma criança?

    Não, não existe.

    Se a imaginação do homem não conhece fronteiras, imagine a da criança.

    Era hora de crescer.

    E parece que estava marcado assim na agenda de alguém, a quem eu poderia chamar de Deus.

    Mas não era.

    Era a agenda de meu pai.

    Um homem que não tinha sequer o primário (como era chamado na época), mas que se alfabetizou num esforço absurdo (já com dois filhos), marcado pelo compromisso sem limites com o crescimento.

    A sua companheira, minha mãe, que tinha primário completo, cumpria o papel que lhe tinha sido dado pelos tempos da raça humana.

    E aquele tempo dizia que ela devia ser a fiel e inseparável companheira daquele homem, como assim foi até sua morte.

    Na agenda de meu pai estava marcado que viajaríamos no começo de março de 1963.

    Destino.

    Salvador, a capital do estado.

    Para morar lá.

    Naquele tempo, dizer que ia morar na capital significava muita coisa, inclusive “status”.

    Na cabeça de meu pai significava somente uma coisa.

    Crescimento.

    Era impressionante, uma sede inesgotável.

    Entusiasmado por ir morar na capital, eu não percebia que deixava a parte final da infância para trás.

    E, que minhas filhas não saibam, não há nada melhor do que a infância em Juazeiro.

    Sei, sei, a sua também foi maravilhosa. Que bom.

    Salvador

    E vi o mundo surgir diante de mim.

    As escolas em que meu pai e minha mãe me puseram no início me fizeram conhecer pessoas bem diferentes daquelas que faziam parte da minha vida até poucos meses atrás.

    E a vida se apresentou com nova roupa.

    Nas férias, porém, eu voltava a vestir a velha roupa. É que em todas, viajávamos para Juazeiro.

    Inicialmente as viagens eram de trem.

    Sim, já tivemos trens de passageiros também no Nordeste do Brasil, inclusive com vagões-restaurante e vagões-dormitório, um estilo europeu nos anos 1960-1970.

    Eram simplesmente sensacionais, principalmente quando nos aproximávamos de Juazeiro, quando o trem fazia as paradas obrigatórias em cada uma daquelas cidades.

    Na verdade, pequenos vilarejos, que se apresentavam às janelas do trem com seus doces, cocadas, brinquedos, rapaduras, roupas, frutas típicas…

    Eram “cidades” que paravam e se transferiam para a estação de trem para vender os seus produtos a aqueles afortunados viajantes e conhecedores do mundo, que se encantavam por poder comprar “coisas” que sempre fizeram parte das suas vidas

    Quem aí assistiu “Amarcord”, de Fellini?

    Lembra da cidade que uma vez por ano parava e se arrumava toda, todos vestiam sua melhor roupa para ver passar, lá ao longe, um transatlântico de viagens de turismo, todo iluminado, num contraste lindo e absurdo onde todos os sonhos e desejos são possíveis?

    Meu Deus, como é linda aquela cena!

    Devia ser assim para o povo daquelas cidades.

    Só que, diferentemente do transatlântico de Fellini, um sonho inalcançável, o trem era algo mais palpável e que ajudava na renda deles.

    Mas hoje me permito imaginar o quanto cada um deles deve ter sonhado em um dia fazer aquela viagem no “meu” transatlântico.

    O futuro

    Quarenta anos depois da minha chegada a Salvador, viajei para dar um curso numa cidade do interior da Bahia.

    Tinha acabado de lançar o meu livro.

    Algo me dizia que eu jamais estaria pleno se não o lançasse também naquela cidade.

    Juazeiro.

    Fui de carro.

    Eu, minha mulher e nossas duas filhas.

    Não poderia ser uma viagem comum.

    E não foi.

    Era 2003.

    Lula tinha sido eleito presidente do Brasil no final do ano anterior.

    Aquelas casas, aquelas pessoas, aqueles mesmos vilarejos, que me diziam coisas importantes da minha vida agora eram importantes para a minha vida.

    Compreender tudo aquilo era fundamental.

    Aquelas pessoas que esperavam o “transatlântico” da linha férrea para viver um dia especial, agora viviam sob o céu das antenas de televisão.

    A vida diminuíra de tamanho.

    Eram outros os horizontes.

    A televisão chegara já há algum tempo e ocupava agora o lugar mais importante da casa.

    E com sua sedução, seus encantos, sua magia, a ilusão na medida certa, transformava a vida daquelas pessoas.

    Como um ópio, a felicidade agora vinha de fora.

    Muita coisa tinha mudado.

    E muita coisa ia mudar mais ainda.

  • Juizecos que fizeram história...

    Roland Freisler

    Alfredo Buzaid

    A supremíssima côrte do Pinochet

     

    O nosso supreminho 

  • A FALÁCIA DA 2a.INSTÂNCIA E A "JURISPRUDÊNCIA LULA"

    Ou: "PRECISAMOS PARAR DE CULPAR O SOFÁ"

     

    Todos sabemos que os Exmos. "deputados" do STF não podem ser tão burros ou pouco sérios que não possam ou queiram se e nos responder as seguintes perguntas, com as seguintes considerações:

    A QUALIDADE DO SISTEMA DE JUSTIÇA

    O alto índice de corrupção (parte da criminalidade disseminada na sociedade brasileira) existe também no nosso Sistema de Justiça (Polícia, MP e Judiciário) ou ele é uma "ilha virtuosa" em meio as demais instituições?

    V.Exas. admitem que neste Sistema de Justiça (aqui doravante "SisJus"), além das probas, sérias e competentes, há pessoas corruptas, criminosas, seletivas, parciais, incompetentes, de má fé, corporativas, partidárias, autoritárias, indiferentes e até ridículas?

    Ou não há listas de exemplos para cada uma destas (des)qualificações? Quando ouço uma suprema proeminência dizer "mexeu com juiz, mexeu comigo!", ela inclui também esses tantos acima? Ou V.Exas.tomam tão supremas decisões baseadas cegamente em um SisJus ideal imaginário e irreal?

    Se este SisJus for "sagrado" vira "igreja" e a crença nele vira religião, não? Já imaginaram V.Exas. uma perigosíssima possibilidade (há indícios e fatos) não só de nossa Justiça ser deturpada por membros (des)qualificados, inclusive em formação de quadrilha e conspiração contra o país e sua democracia?!  Há meios de lidar com esta "possibilidade"?

    Estamos certos que V.Exas. em seu supremo papel não deixam de avaliar este enorme risco, bem como soluções e ações para mitigá-lo, não?

    Porque o cidadão comum não percebe e pior, desconhece como isso possa ser solucionado, se e quando acontece, já que tem havido sérias rupturas na nossa normalidade institucional, certo?

    A IMPUNIDADE, A DEMORA E A SELETIVIDADE (esta, o verdadeiro problema a equacionar)

    Sendo o fim da 2a. instância apenas a 9a. de um longo procedimento de até 12 fases, começando com uma (1) suspeita, denúncia ou flagrante, passando por (2) indiciamento, (3) denúncia, (4) aceitação, (5) julgamento, (6) sentença, (7) recurso, (8) nova sentença e afinal mais 1 ou 2 últimas instâncias, V.Exas acham que a "demora" se dá por causa das "fases" ou das PESSOAS que operam e decidem sobre CADA UMA destas fases?

    Em CADA uma das fases citadas, o "SisJus" PODERÁ, dependendo das PESSOAS envolvidas (suspeito/réu E operador do SisJus) e das possíveis (des)qualificações já citadas, agir com atitudes até independentes dos FATOS e de suas RESPONSABILIDADES, como: ignorar, protelar, arquivar, devolver, engavetar (até em pastas erradas!), chicanear, falsificar, impor, chantagear, selecionar, tomar partido, teratologizar, anular, suspender, pedir vista, julgar, condenar, absolver, etc.

    Assim sendo, o SisJus com sua parte "pouco virtuosa" pode fazer (e faz!) uma SELEÇÂO de QUEM será submetido ao sistema e por quanto TEMPO. Desde sequer investigar até CONDENAR inocentes em tempo recorde e absolver culpados após décadas ou a mera prescrição.

    A IMPUNIDADE está loooonge de se dar ou ser resolvida pela prisão em 2a.instância, mas pela SELETIVIDADE das PESSOAS (desqualificadas) no SisJus aos seus possíveis amigos, inimigos ou indiferentes (os menos favorecidos do "tanto faz/que se dane").

    A DEMORA está looonge de ser por "recursos possíveis à 2a. instância" (apenas), mas pela SELETIVIDADE das PESSOAS no SisJus aos seus possíveis amigos, inimigos ou indiferentes.

    A SELETIVIDADE: No "caso Lula" (inimigo?), tempo recorde de 18 meses; No caso Azeredo (amigo?), 11 anos, de um crime cometido há 2 décadas. No caso de centenas de milhares de presos "comuns" (em nossas fábricas e universidades do crime), pode não ter havido sequer investigação, denúncia, ou julgamento!

    A 2a.INSTÂNCIA COMO "PROBLEMA OU SOLUÇÂO"

    Isto considerado, como avaliar a impunidade encadeada com demora como causa ou solução de criminalidade (corrupção e outras)? E que isso seria resolvido por um dos pedaços de um sensível processo?

    Com tantos meios de se proteger ricos e poderosos AMIGOS (esta é a qualidade chave) em processos judiciais como acreditar que a mera prisão em segunda instância é uma solução para impunidade,?

    Não lhes parece afinal  que o SisJus ser MAL OPERADO sob regras e princípios estabelecidos (Lei e CF) é um problema muito maior a ser equacionado do que sair MUDANDO ou ABDICANDO das mesmas regras e princípios casuisticamente sob a operação destas mesma (des)pessoas?

    Pela conveniência e sincronicidade com a prisão de um renomado lider político previamente às eleições em que lidera pesquisas, não fica parecendo que tal mudança e campanha para mantê-la é um casuísmo (ilegal e inconstitucional) à ele relacionado?

    Ou a inédita rapidez e atropelo aplicados para condená-lo não poderia esperar sendo aplicados mais uns mesezinhos para o STJ e eventualmente STF? No popular, isto tudo pega muito mal, V.Exas. não acham?

    Portanto, do acima exposto é cristalinamente claro que a tal "prisão na 2a.instância" é um mero passo na longa estrada da impunidade. Esta por sua vez é um mero passo na longa estrada de combate à nossa brasileira criminalidade, pois há muitas outras causas tão ou mais relevantes.

    AS CAUSAS DA CRIMINALIDADE (CORRUPÇÂO)

    Muito mais importante do que se preocupar falsamente com uma impunidade que parece ser só a do inimigo, o papel do sistema de justiça é se preocupar com a criminalidade como um todo, não só com sua parte corrupção que, num circulo vicioso, acaba sendo causa ou efeito?

    Para dirimir esta dúvida, basta observar as sociedades mais desenvolvidas para constatar que quanto maior o equilíbrio social, menor é a corrupção, independentemente do PIB, taxas de juros, equilíbrios fiscais e outros balelas que interessam mais aà banca do que à sociedade.

    Ou V.Exas. não preferirão viver num mundo ideal onde possa haver impunidade mas não haja o que punir?

    O PAPEL DO SISTEMA DE JUSTIÇA LIDERADO PELO STF

    Desnecessário dizer que o Supremo papel do SisJus é o de proteger, respeitar e fazer cumprir a Lei e a Constituição. De resto, condenar com base na presunção de inocência, com provas e sob Lei .Ao STF inclui a eventual interpretação. Mas somente quando há dúvidas e omissões (ex. in vitro, aborto, união civil, etc.).

    Jamais quando a CF e a lei estão cristalinamente claras na letra e no espírito, como no caso, da presunção de inocência (CF) e na afirmação explícita de que prisão POR SENTENÇA somente é possível após transitar em julgado.

    Querer alterar isso é LEGISLAR e criar confusão e insegurança jurídica, como de fato. Este papel de fazer e alterar leis é de gente (bem ou mal) ELEITA para tal;

    Se alguém entre V.Exas. acha que haverá desmoralização e vergonha, ela se dará sim, se mantiverem alterada ilegal, casuística (?) e inutilmente (conforma demonstrado) o que diz a Lei e a CF. Serão além de tudo, usurpadores.

    Envergonhando sua história pessoal e da instituição...

    Na História.

     

  • Dizem que a temperatura irá

    Dizem que a temperatura irá mudar a partir de amanhã.

    Se pudesse colocar um termostato no meu corpo, e esse está perto de acontecer, seria assim:

      23 ou 24 graus ( máximo do máximo) durante o dia.

        E temperatura muito baixa à noite.---tipo uns 12´13  graus.

             Tesão !

           

  • Por que Ciro Gomes lidera os

    Por que Ciro Gomes lidera os votos de esquerda

    por Paulo Roberto Silva (12/04/2018)

    A militância ainda não entendeu uma verdade fundamental: o eleitor de esquerda é diferente dela.

     

    Um mito ronda as análises eleitorais brasileiras: o mito de que, não importa o cenário, o PT leva de 25% a 30% dos votos em uma eleição federal. Por isso, Lula ou seu poste ungido estariam impreterivelmente no segundo turno. É um mito porque trata cenários eleitorais diferentes como se fossem uma coisa estável. O objetivo deste texto é entender o perfil do eleitor de esquerda nas eleições mais recentes e demonstrar por que este eleitor tende a migrar para Ciro Gomes. Ou seja, numa eleição sem Lula (cenário mais provável, agora que o presidente está preso), é grande a chance de Ciro ir ao segundo turno, desbancando o PT em nível nacional.

    Esta tese está baseada nos seguintes pressupostos:

    * O eleitor de esquerda, historicamente, é muito mais moderado que sua militância;

    * O peso eleitoral do PT no Nordeste é frágil e depende de aliados como Ciro

    * O estelionato eleitoral dilmista enfraqueceu a relação deste eleitor com o PT de forma quase irreversível

    * Ciro Gomes reúne os atributos típicos que agradam a um eleitor de esquerda brasileiro

    O perfil moderado do eleitor de esquerda

    Vamos considerar o perfil do eleitor pós-redemocratização. A hegemonia eleitoral petista no campo da esquerda é um fenômeno que começa nos anos 1990, como reflexo da eleição de 1989. Esta eleição foi transformadora ao fazer do PT um partido com viabilidade de chegar ao governo federal, desbancando o PDT de Brizola e o PSDB, que na época tinha um posicionamento de esquerda moderada.

    Se considerarmos as bancadas da Câmara Federal na legislatura que vigorou de 1987 a 1990, vemos na esquerda uma predominância de partidos com posições moderadas (PSDB, PDT e PSB), contra uma minoria mais radical para o contexto da época (PT, PCB e PCdoB):

    Partido     BancadaPSDB39PDT25PT16PSB5PCdoB5PCB3

     

    Com o fenômeno Lula, o crescimento imediato do PT foi significativo, elegendo 35 deputados em 1990. Ainda assim, o PDT elegeu 46 deputados e o PSDB 38. O fortalecimento eleitoral do PT durante a década acompanhou a moderação de seu discurso e a transformação do PSDB, que durante o governo FHC migrou para a centro-direita, adotando posições de cunho liberal.

    É significativo que o deputado mais votado do partido na eleição de 1998 tenha sido José Genoino, com 306 mil votos. No Congresso do PT de 1999 ele lideraria um grupo, em cuja composição estavam quadros como Marina Silva e Eduardo Jorge, que dizia claramente:

    A democratização do capital é condição essencial para o aprofundamento da democracia no Brasil. Neste país, não se trata apenas de incrementar uma melhor distribuição da renda, via tributação e políticas públicas de bem-estar, segundo o ideário da social-democracia. É a própria estrutura do capital que deve ser mudada e submetida às regras da competição, permitindo o surgimento de uma economia aberta, sem privilégios definidos pelo Estado, com restrições efetivas aos oligopólios e com oportunidades multiplicadas.

    Requisito prévio para isso é o abandono da vocação de intervencionismo econômico de tipo tradicional do Estado brasileiro, em função de um novo papel para este em relação à economia. Papel que pode ser definido como de regulação e fiscalização do mercado – para corrigir suas distorções e estimular a concorrência – e indução a um desenvolvimento ecologicamente sustentado e democratizador. Além de papéis tradicionais, como a administração da moeda.

    Faça um esforço e imagine se algum quadro petista atual seria capaz de dizer o que afirmam os dois parágrafos acima. Ouso afirmar que seu conteúdo é mais liberal do que um posicionamento do Partido Novo hoje. E estamos falando de uma posição de gente que liderava o PT às vésperas da eleição de Lula à presidência. O auge deste movimento, evidentemente, foi a Carta aos Brasileiros.

    O PT só se elegeu porque mostrou ao eleitor – ao tiozão do churrasco, não aos mercados ou à dona zelite – que não causaria transtornos à ordem. E não sou eu quem diz isso. É André Singer, em um dos artigos fundadores do lulismo:

    No programa divulgado no final de julho de 2002 pelos partidos que integravam a Coligação Lula Presidente, há um perceptível câmbio de tom em relação ao capital. Em lugar do confronto com os “humores do capital financeiro globalizado”, que havia sido aprovado em dezembro de 2001, o documento de campanha afirmava que “o Brasil não deve prescindir das empresas, da tecnologia e do capital estrangeiro”. Para dar garantias aos empresários, o texto assegura que o futuro governo iria “preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade de o governo cumprir os seus compromissos”, seguindo pari passu o que havia sido divulgado na Carta. Nessa linha, compromete-se com a “responsabilidade fiscal”, com a “estabilidade das contas públicas” e com “sólidos fundamentos macroeconômicos”. Por fim, assegura que não vai “romper contratos nem revogar regras estabelecidas”. Afinal, “governos, empresários e trabalhadores terão de levar adiante uma grande mobilização nacional”.

    Ou, em outro artigo fundacional:

    O presidente [Lula] vocalizou, então, o discurso conservador de que o seu governo não adotaria qualquer plano que pusesse em risco a estabilidade, preferindo administrar a economia com a “prudência de uma dona de casa”. Se ao fazê‑lo estabelecia um hiato em relação ao seu próprio partido, em troca criava uma ponte ideológica com os mais pobres.

    Posto isto, temos que o que empolgava o eleitor petista até as eleições passadas não empolga hoje. O eleitor petista diferentemente de sua militância, foi sendo atraído por um posicionamento moderado, de mudança dentro da ordem. Muito diferente do Lula atual que vê jacaré debaixo da cama em entrevista a Mônica Bergamo.

    O radicalismo atual da militância petista favorece Ciro Gomes. Diferentemente do PT, ele consegue soar moderado, afastado dos escândalos da Lava Jato, e pode construir uma imagem mais equilibrada que a paranoia atual do petismo.

    Uma ilusão chamada Nordeste

    A esta altura o leitor mais crítico, aquele que é tão fã dos Correios que adora um lacre, levanta a mão e diz “mas o André Singer falou que o Lula criou uma conexão com o pobre do Nordeste, o Nordeste é Lula”. Beleza. De fato, o voto no PT cresceu no Nordeste durante o auge do lulismo. Mas para isso ele precisou de aliados locais: Eduardo Campos em Pernambuco, Ciro Gomes no Ceará, Jackson Lago e o clã Sarney no Maranhão. Efetivamente, neste período o PT liderou chapa no Nordeste apenas na Bahia e no Piauí.

    As eleições de 2014 funcionaram como um excelente laboratório da importância desses aliados locais para a performance lulopetista na região. De certa forma, os fatos em Pernambuco e no Ceará funcionam como um comparativo que nos permite medir a relevância ou não do parceiro para que um candidato petista ganhe no Nordeste. No Ceará o clã Gomes se aliou ao PT e lançou Camilo Santana, que apesar de petista é afilhado de Ciro. Em Pernambuco, o clã Arraes rompeu com o PT nacionalmente e teve candidato próprio local, Paulo Câmara.

    Em Pernambuco, com apoio do clã Arraes, Marina Silva obteve 48% dos votos válidos, sendo o único estado em que a candidata liderou a eleição. Dilma Rousseff teve 44% dos votos. Paulo Câmara, candidato do clã Arraes, foi eleito no primeiro turno com 68% dos votos. Já no Ceará, com apoio do clã Gomes, Dilma Rousseff teve 68% dos votos no primeiro turno, liderando o resultado. Camilo Santana teve 48% dos votos válidos, empatando com Eunício Oliveira, do PMDB, que também apoiava Dilma Rousseff.

    Onde os clãs locais apoiaram Dilma, ela ganhou. Onde faltou esse apoio, ela perdeu.

    O enfraquecimento dos laços políticos do PT no Nordeste, onde o partido conta agora apenas consigo mesmo e com seus aliados PCdoB e PSOL, favorece Ciro Gomes. Como um nome do Nordeste, ele tem maior potencial de articular alianças com os clãs locais, alavancando seu nome.

    O enfraquecimento eleitoral do PT

    As eleições de 2016 foram um marco na história do PT. Apenas 4,84% dos eleitores votaram no partido. Em 2012, a eleição municipal anterior, o partido havia recebido 16,72% dos votos. É um desastre.

    Este resultado se explica pelo simples fato de que a população em geral se sentiu traída pelo governo Dilma, e isto, somado ao desgaste natural de um partido tanto tempo no poder, o fez tomar uma bela surra do eleitor. Insisto, não foi o grande capital, a CIA ou os Sábios de Sião que derrotaram o PT. Foi o eleitor comum, o mais prejudicado pela crise fiscal aberta pelas pedaladas.

    Na eleição de 2014 o PT bateu forte na tecla do medo. Toda a campanha de Dilma enfatizou as conquistas do governo Lula para os mais pobres e disse que só Dilma seria capaz de mantê-las. Enquanto isso, o secretário do Tesouro Arno Augustin fabricava orçamento por meio das pedaladas fiscais. Uma vez eleita, Dilma precisou pagar a conta das pedaladas, e a primeira medida foi dificultar o acesso ao seguro desemprego.

    Junho de 2013 e a greve dos garis de 2014 deixavam claro que o povão mais pobre estava se cansando das ilusões perdidas do lulismo. O modelo econômico estava em cheque pelos setores mais populares. Ao transferir a conta das pedaladas, criadas para tapar rombos gerados por concessões fiscais aos ricos, para os mais pobres, Dilma e o PT se tornaram o inimigo número 1 do povão. Não foi manipulação, foi falta de comida na mesa.

    A votação no ABC Paulista foi representativa desta ruptura dos pobres com o petismo, e da surra eleitoral que o povão quis dar no PT. Em seu reduto de nascimento o PT perdeu em absolutamente todos os municípios. Em São Bernardo do Campo, onde o prefeito era Luiz Marinho, sequer conseguiu ir ao segundo turno. Em Santo André o candidato de oposição derrotou o prefeito no segundo turno com 78% dos votos válidos. Foi um massacre.

    Dificilmente esse gap será recuperado pelo PT nas eleições deste ano. Isto favorece Ciro Gomes. A um eleitor tipicamente de esquerda, mais moderado, e cansado do PT, Ciro aparece como uma solução interessante e viável contra Temer, Alckmin e Bolsonaro.

    Não dá para afirmar qual candidato tem chances de ganhar a eleição. Mas neste momento Ciro Gomes, apesar de seus inúmeros problemas, se posiciona como o capaz de atrair parcela considerável do eleitor da esquerda. Diferentemente da militância barulhenta que grita golpe nas redes sociais, o eleitor de esquerda quer mudança e política social, mas dentro da ordem. É o que Ciro Gomes pode representar.

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    Paulo Roberto Silva

    Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

    https://www.revistaamalgama.com.br/04/2018/ciro-gomes-lidera-vo

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