Ideias para uma nova legitimação da política, por João Antonio

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Ideias para uma nova legitimação da política

por João Antonio

O Brasil vive um momento de crise de legitimidade dos políticos e, por consequência, da política. Diagnosticar as causas da falência do modelo político que conduziu a disputa pelo poder no período pós-ditadura é condição básica para fincar novos pilares capazes de solidificar a democracia em nosso país.

Imaginar soluções sem a política é projetar a barbárie e incentivar a força, ou seja, um governo autoritário como alternativa. Neste texto, de partida, deixo claro: a saída é pela política e em um regime democrático.

Primeiramente, é preciso apontar que o Estado Democrático de Direito não se coaduna com o pragmatismo sem princípios. Esta é uma questão fundamental. Paradoxalmente, os brasileiros vivem o mais longo período democrático de sua história sem que essa experiência tenha engendrado parâmetros programáticos consolidados.

Pelo contrário, uma onda avassaladora do “salve-se quem puder” guiou a prática política nos vários cenários de disputa pelo poder. Imaginar tal situação no campo do liberalismo à moda brasileira é justificável, pois no Brasil os “liberais” nunca se pautaram, na política, por programas bem definidos, capazes de convencer a maioria da sociedade dos seus intentos.

O período pós-ditadura deu origem ou consolidou partidos “liberais” que, embora à direita do espectro político, sempre garantiram sua sobrevivência por meio da máquina do Estado. Desde a redemocratização, esses partidos formaram um campo de poder que se aliou a governos de centro e de centro-direita, mas que também foi determinante para garantir a governabilidade no período em que a esquerda governou o Brasil.

A esquerda, que dirigiu o Brasil por longos 14 anos, não fugiu à regra do pragmatismo sem princípios. Se é verdade que os ganhos sociais, a diminuição da pobreza, a democratização do acesso à educação, entre outros, foram marcas importantes da nossa história recente, no campo da política os instrumentos utilizados pela esquerda para a condução do poder repetiram as mesmas práticas do chamado campo “liberal”.

Convenhamos que 14 anos foi tempo suficiente para uma estratégia de construção de uma nova hegemonia política para o país. Dava para ter consolidado um bloco de forças centrado num programa de desenvolvimento estratégico para a nação. Era isso que se esperava das forças da esquerda democrática no governo, mas não foi o que aconteceu. É fato inegável como a luz do dia.

No fundo, a grande polarização do momento – entre as teses liberais do individualismo como mecanismo impulsionador do desenvolvimento e do mercado como solução para todas as desavenças sociais e a construção de um Estado de Bem-Estar Social – não foi claramente explicitada para a sociedade. Muito menos teve como consequência a construção de um campo com afinidade capaz de, num processo de politização do povo, consolidar um novo projeto de desenvolvimento econômico centrado no ser humano e na cidadania.

A confusão político-ideológica resultante desse processo de erros de condução política e de alianças de ocasião contribuiu em muito para a sobrevida das legendas pragmáticas, que se proliferaram como ajuntamento de políticos que fazem de suas ambições pessoais a essência de sua atuação cotidiana.

O cenário da disputa que se avizinha aponta para a necessidade de uma maior clareza programática, se quisermos fortalecer o Estado Democrático de Direito. Vejo com bons olhos a forma explícita como estão se organizando os diversos campos para a disputa, pois somente programas de governo explícitos levarão a população a uma escolha legítima.

O atual núcleo de poder – com suas reformas e o desmonte do Estado – começa a delinear de maneira mais clara sua escolha por um projeto liberal onde o mercado é visto como o único condutor do desenvolvimento e da política.

Por sua vez, o nacionalismo de direita que, queiramos ou não, está presente na sociedade brasileira, criou coragem e se organizou em candidaturas que expressam uma visão de Estado autoritário, tendo como espelho as antigas práticas da ditadura (força e coação como sinônimo de “ordem”).

A esquerda democrática, cuja experiência de governança o Brasil experimentou recentemente, mesmo atingida por um pragmatismo sem princípios que a levou a práticas morais questionáveis, continua viva e com capacidade de se contrapor aos projetos da direita autoritária e dos “liberais” brasileiros.

Vale uma observação importante, no caso da “esquerda democrática”: forças progressistas tidas por setores conservadores como de “esquerda radical” encontram-se em um nível de fragmentação e de distanciamento do povo e não se colocam como alternativa de poder real. Esse é um dilema histórico que os blocos da “esquerda democrática” talvez ainda não consigam resolver para a próxima disputa de poder.

Diante desse cenário complexo, o grande desafio para os defensores de um Estado Democrático de Direitos Fundamentais – ou de Bem-Estar Social – é enfrentar especialmente a ditadura do mercado financeiro como única solução e apresentar à nação outro caminho. Seu norte seria a preservação e o avanço das conquistas sociais, combinado com o desenvolvimento econômico centrado em investimentos em infraestrutura voltados para os interesses da maioria.

Um processo de legitimação política capaz de consolidar a democracia no Brasil passa pela formação de um bloco político programático. Qualquer tentativa de recomposição com as antigas forças ou a aposta na conquista do poder centrada no mero carisma pessoal não resultarão em um pacto politicamente consistente. E, muito menos, darão garantia à sustentação de um novo projeto nacional direcionado aos que efetivamente precisam da atenção do aparelho de Estado.

O jogo está sendo jogado, o Estado brasileiro segue em disputa e a população – descrente de quase tudo – segue na expectativa de um projeto que melhore sua vida.

Todo cuidado é pouco! A história costuma registrar que, em momentos de vácuo político e de falta de perspectiva programática, a população pode simplificar suas escolhas, optar por um “salvador da pátria” e repetir erros do passado, quando o autoritarismo se consolidou como alternativa de poder (vide a Alemanha Nazista, a Itália Fascista, a Rússia Stalinista, a Espanha Franquista etc).

Portanto, as forças verdadeiramente democráticas precisam, mesmo na divergência, perceber sua responsabilidade com o momento histórico e pensar mais na consolidação de um projeto de Estado Democrático para o Brasil e menos em seus projetos partidários e pessoais.

João Antonio, Mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP, autor dos livros “A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio”, “A Era do Direito Positivo” e “O Sujeito Oculto do Crime – Considerações sobre a Teoria do Domínio do Fato” (Editora Verbatim). Atualmente é Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. o pais seguia acertadamente
    o pais seguia acertadamente seu rumo ate 2013 quando o pais começou a ser implodido por golpistas.

    O Brasil iria ser dentre em breve, uma das maiores economias do planeta, maior produtor mundial de petroleo etc, seremos, mas lucro das estrangeiras

  2. Ideias para uma nova legitimação da política
    Concordo muito com sua análise, mas a questão é como?
    Como as forças verdadeiramente democráticas podem conseguir forças para lutar contra esse modelo nociso de politica por interesses pessoais e partidário que se estabeleceu e se autoprotege usando as ferramentas que implantou no modelo democrático? Como conseguir derrubar uma proposta de um salvador de pátria sem demonstrar que tem a capacidade de desmontar o modelo atual? E ainda, como conseguir convencer os menos esclarecidos que este é o caminho, sem propostas meramente populistas?
    Infelizmente não vejo como chegar ao verdadeiro modelo democrático de direito sem passar por uma situação radical.

    1.  
      A Austrália tem 80% de

       

      A Austrália tem 80% de deserto e o povo é rico

      O Brasil tem 100% de riqueza natural e o povo é pobre

       

      Como mudar?

      Temos que fazer um reforma política, na esfera eleitoral…

       

      candidatos devem ser pré aprovados através de um teste de capacitação e perfil para o cargo…

       

      Todos canditadatos devem ter 2 atributos:

      Capacidade e honestidade…

      um atributo tem que estar vinculado ao outro

      só honesto não basta – ser apenas honesto é como uma criança….sabe indicar erros mas ainda não sabe resolve-los

      só capacitado não basta quando não há honestidade…

       

      Avaliação de desempenho:

      os canditados que forem eleitos devem ser constantemente avaliados….

      para fazer isso ,,,, o modelo já está pronto….quando abre um concurso público…

       

       

      ————————————————————————————-

      O “Sócio” já diz:

       

      o segredo da boa administração e crescimento:

       

      PESSOAS + PROCESSOS + PRODUTOS

       

      temos um território rico…

      Pessoas certas, nos lugares certos criando os processos adequados para o crescimento da nação.

       

       

       

       

       

       

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