O artigo que permitiu a redescoberta de Eliezer

Coluna de 12/01/1996, na Folha, que permitiu a redescoberta de Eliezer pelo governo FHC

A última obra de Eliezer

Em plena agonia, o ex-presidente Fernando Collor convocou os chamados “notáveis”, para tentar uma sobrevida impossível ao seu governo.

A crise abriu a oportunidade para que o ex-Ministro Eliezer Baptista tentasse implementar um conjunto de idéias grandiosas, de reconstrução da infraestrutura brasileira.

Homem que surgiu na vida pública no final dos anos 50, Baptista notabilizou-se por transformar a Vale do Rio Doce na mais eficiente estatal brasileira, e por uma capacidade turbilhante de montar megaprojetos. É dele, por exemplo, o projeto de Grande Carajás

Durante escassos meses, graças ao trabalho de Eliezer, a administração pública brasileira viu-se dotada de vida inteligente e recuperou sua capacidade de pensar a longo prazo.

Montou-se uma equipe central de 52 pessoas, coordenando trabalhos específicos solicitados dos diversos ministério. Um dos projetos mais relevantes, dentro do chamado “Custo Brasil” era o da reconstrução da malha ferroviária brasileira. Eliezer chamou para coordenar o grupo o engenheiro Renato Casali Pavan, um empreiteiro paulista responsável pela construção dos terminais modais do Ceasa, levado para o governo federal pelo ex-ministro Dílson Funaro.

Buraco negro

A Rede Ferroviária Federal (RFF) cobria quase todo o país. Mas havia um buraco negro em São Paulo, justamente o centro industrial mais relevante, e onde se situava o mais importante porto da América Latina –o de Santos.

Os estudos constararam que, se houvesse a possibilidade de integrar a malha da Fepasa à da RFF, ter-se-ia a cobertura integral do território brasileiro, abrindo-se a possibilidade de atrair grandes operadores internacionais, barateando sensivelmente item importante do custo Brasil.

O impeachment paralisou o processo. Eliezer voltou para casa e incumbiu sua equipe de entregar as conclusões dos diversos trabalhos ao novo governo. Mas o gênio administrativo do grande Itamar Franco estava preocupado com questões mais transcendentais. Um ministro empurrou para outro, e os trabalhos foram mofar em uma gaveta qualquer do governo.

Desde então, os ex-integrantes dos Gts de Eliezer iniciaram um trabalho solitário de catequese, tentando convencer o Congresso e órgãos do Executivo da necessidade de integrar as malhas ferroviárias.

Banespa e RFF

Com as eleições, Pavan foi convocado pelo governador Mário Covas para presidir a Fepasa –empresa que nos últimos anos fora alvo de loteamentos políticos irresponsáveis. No cargo, tentou integrar a Fepasa à RFF. Mas esbarrava em exigências burocráticas para se atrelar ao programa de desestatização do governo.

Quando o caso Banespa exigiu a utilização de estatais paulistas para quitar débitos junto ao governo federal, Pavan viu a possibilidade de colocar em marcha os planos de Eliezer. Sugeriu, então, incorporar a Fepasa à RFF e deixar por conta do BNDES a privatização da empresa, obtendo adiantamentos por conta da venda futura.

Os primeiros estudos demonstraram que a mera incorporação aumentou o valor da concessão da Fepasa entre 20% a 60%, dependendo do trecho.

Com a incorporação, a malha ferroviária permitirá que produtos do Uruguai e do Centro-Oeste cheguem até o porto de Santos.

Dentro de 6 meses, os editais de privatização da Fepasa estarão na rua. A concessão valerá US$ 200 milhões. Quem vencer, se comprometerá a investir mais US$ 1,5 bilhão em 20 anos,

A velha máxima nacional –da necessidade de se estimular o transporte ferroviário– que frequentava as aulas dos que têm 50 anos, os debates estudantis dos que têm mais de 40 anos, se tornará realidade.

Desde já, o programa ferroviário brasileiro –que se iniciou com a integração da Fepasa à RFF, e se completará com sua privatização–, configura-se como uma das mais importantes reformas estruturais contemporâneas.

Em seu habitat carioca, com problemas de saúde, o construtor de país, Eliezer Baptista, mais uma vez demonstrou o invencível poder transformador das idéias, e o papel fundamental que pode ser exercido por núcleos de inteligência do poder público –ainda que só consigam se manifestar nos períodos tão escassos, que entremeiam a agonia e a morte de governos.

 

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Muita boa vontade com Santos e má vontade com Itamar Franco

     

    Luis Nassif,

    É claro que você deve muito a São Paulo, mas não há necessidade de retribuir o que São Paulo lhe deu. A bem da verdade, retribuir o que você deve a São Paulo é ruim para o que sobra do Brasil. Depois que as estradas de ferro transpuseram a Serra do Mar, unindo Santos ao planalto paulista, São Paulo não precisaria mais da ajuda federal, pois o planalto paulista tem as terras mais férteis e mecanizáveis e de índice pluviométrico mais alto do país.

    São Paulo não era o Estado mais populoso do Brasil até o final da década de 20. Foi só a partir daí que São Paulo tomou à frente da nação, crescendo economicamente e atraindo a população.

    Assim, eu me assustei quando vi lá no meio do seu texto o parágrafo a seguir transcrito e que vinha após um subtítulo intitulado “Buraco Negro”:

    “A Rede Ferroviária Federal (RFF) cobria quase todo o país. Mas havia um buraco negro em São Paulo, justamente o centro industrial mais relevante, e onde se situava o mais importante porto da América Latina –o de Santos.”

    Ora, o Porto de Santos já estava àquela época saturado. Por que não aproveitar outras regiões do Brasil? Veja, por exemplo, o que aconteceu com Teófilo Otôni, que nem chega a ser para mim, pois lá só nasci, o que Poços de Caldas é para você. Até a década de 50 era a terceira cidade de Minas Gerais com 120 mil habitantes. Havia a Panair e havia a Bahia e Minas que levava e trazia pessoas e mercadorias para o porto de Caravelas.

    Hoje não há mais Panair, não há mais Bahia e Minas. Só há a mesma população que lá existia a 70 anos. Felizmente parece que depois que levaram a universidade para lá a cidade está começando a retomando o crescimento. Quantas mais Teófilo Otoni existem no Brasil que poderiam ser recuperadas.

    E tudo muito mais barato. Venda o porto de Caravelas que também já não há mais para os chineses. Retome a Bahia e Minas. Duplique a rodovia do Boi. Do porto de Caravelas pode-se ir pela BR 101 para Vitoria no Sul ou para  o Norte até Salvador na Bahia sem serra nenhuma a transpor.

    Com a Vitória e Minas retomada e com a duplicação da Rodovia do Boi, de Caravelas, pode-se ir, também sem serra a transpor, a Teófilo Otoni de onde pela BR 116 vai-se para o Sul em direção a Governador Valadares ou para o norte em direção a Vitória da Conquista. E há a opção de se fazer grandes obras de infraestrutura de modo a ligar Teófilo Otoni a Montes Claros e de lá a Brasília, em estrada de rodagem e de ferro. Obra assim cortaria a estrada que liga Belo Horizonte a Araçuaí que até hoje ainda falta um pouco a ser asfaltada.

    Há muito a que se fazer só aqui em Minas por estradas que eu conheço. E que se lembre que a menos de 100 quilômetros de Belo Horizonte na década passada eu ainda cruzei o rio Paraopeba em ponte para um só veículo que parecia ter sido construída no tempo do império, e cruzei o rio das Velhas em ponte também para um só veículo em estrada que ligava Belo Horizonte a Conceição do Mato Dentro, terra de José Aparecido.

    Para minha surpresa, depois de vangloriar do Eliezer Baptista por focar em Santos, você, em artigo escrito já no início do segundo ano do primeiro governo de Fenando Henrique Cardoso, houve por bem depreciar a figura de Itamar Franco. Não que eu fosse admirador de Itamar Franco, mas em terra que todos o condenam, eu gosto de lembrar que como governador por 4 anos ele trouxe para Minas Gerais a hidrelétrica de Irapé, algo que em 12 anos, o PSDB de Minas Gerais não conseguiu nada semelhante.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 19/06/2018

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