Categories: Notícia

O jogo até quarta-feira

Do Facebook de Paulo Moreira Leite
A manobra protelatória que permitiu o encerramento da sessão de quinta-feira sem o voto decisivo de Celso de Mello foi um aperitivo do que virá por aí. Os pronunciamentos chegaram a ser arrogantes. O esforço para ganhar tempo de forma bisonha, teatral, foi ofensivo num tribunal onde a denunciade chicanas é feita com tanta facilidade.
Confesso que fiquei perplexo ao assistir Marco Aurélio Mello virar-se para Celso de Mello e fazer uma advertência nestes termos:
“Estamos a um voto. Que responsabilidade, hein, ministro Celso de Mello.”

É ofensivo. Parece um professor dirigindo-se a um discípulo. 
Parece que a responsabilidade de Celso de Mello não é idêntica a de cada um dos onze ministros que tomaram a decisão. 
Ele vai dar um voto. Não vai cobrar um pênalti. 
O esforço para colocar a decisão sobre os ombros do decano é apenas uma tentativa de diminuir a firmeza de suas convicções. 

O que se pretende é acovardar Celso de Mello diante de um voto que é tão legítimo como o de todos os outros. 
Sua travessia até quarta-feira será longa. Não consigo imaginar as pressões que irá receber durante cinco dias para recuar, deixar de lado o que escreveu, negar aquilo em que acredita. Pense no que dirão as revistas. Imagine caretas de comentaristas, o tom de voz que será usado para falar sobre ele. Calcule as ironias. 

Até porque contraria o senso comum, aquela verdade dos donos da verdade, aquela mentira que tantas vezes repetida deixa de provocar estranhamento, é um voto com um valor especial. 

Isaiah Berlim, um dos pensadores mais argutos do século XX, dizia quem os bons princípios são aqueles que contrariam nossos interesses. 

Um dos mais duros adversários de José Dirceu e do governo Lula, capaz de criticá-los com palavras que considero erradas e injustas, Celso de Mello ensina que é preciso separar os princípios do Direito das convicções políticas.
Nada fará para dar conforto a seus adversários políticos. 
É muito provável que, com a aprovação dos embargos infringentes, o ministro se recuse a votar pela inocência de José Dirceu. 
Ele concorda com a noção de que o governo do PT abrigou uma organização criminosa. 
A discussão não é esta, no entanto. O decano sabe disso. 

Não deixará de dar um voto que considera correto só porque adversários poderão beneficiar-se dessa decisão. Não é generosidade nem altruísmo. É princípio. 

Essa foi a mensagem que deixou, ao lembrar que os interessados em adivinhar seu voto só precisam ler sua declaração de 2 de agosto de 2012. Há pouco mais de um ano, através de seus advogados, Celso de Mello disse aos réus da ação penal que eles teriam direito aos embargos infringentes – que iriam funcionar como um indispensável segundo grau de jurisdição para quem fora impedido de um julgamento na primeira instância. 
Sua postura, assim, é uma forma de ser leal a si próprio – e a todos que deram fé a suas palavras. 

Num Supremo que transformou convicções políticas em sentenças jurídicas, essa postura serve como uma aula sobre a necessidade de recuperar a Justiça como uma força que permite a comunhão de todos os homens e mulheres. 

É dessa forma que um ministro afirma valores. Tantas vezes mencionado por Celso de Mello no julgamento da ação penal, o ministro do STF Aliomar Baleeiro era um udenista convicto e um conservador sem retoques. Mesmo assim, foi capaz de defender os direitos de frades franciscanos acusados de participar da luta armada sob orientação de Carlos Marighella, mandando tirá-los da cadeia onde o regime mantinha trancafiados. Baleeiro demonstrou coragem num tempo em que a maior ameaça ao bom Direito vinha do Estado, da ditadura. 

Os tempos são outros e muitas verdades mudaram. Não há por que comparar personagens, nem situações. 
As pressões contra o Supremo vem de um circo produzido pelos veículos de comunicação que abandonaram os bons princípios do jornalismo – pluralidade, isenção, respeito aos fatos – para organizar um espetáculo que deve ser unilateral como um anuncio de sabonete, definitivo como um pelotão de fuzilamento, catártico como um final feliz de novela. 
Daí a importância de uma declaração de Luiz Roberto Barroso, ao dizer que não toma decisões pensando na “manchete do dia seguinte.” 

Ao tentar impedir o ministro de votar conforme sua consciência, seus adversários querem travar uma luta que ao longo da história só engrandeceu juízes, advogados e cidadãos comuns –- o direito de todos e de cada um a uma defesa ampla, a defender sua inocência até que se prove o contrário. É isso, nada mais do que isso, tudo isso, que está em jogo no STF.

 

Redação

Redação

Recent Posts

Reajuste dos planos de saúde: por que a ANS é omissa na regulação dos preços abusivos?

Pacientes ficam à mercê de reajustes abusivos e desamparados com rescisões de contratos cada vez…

4 minutos ago

Moro escreveu recado duro a Salomão na primeira intimação que recebeu do CNJ; oficiais levaram 2 meses para encontrá-lo

Bilhete antecipa parte da defesa que Moro fará perante o plenário do CNJ; saiba o…

8 minutos ago

O STF e os guardas da porta do presídio, por Luís Nassif

Se CNJ e CNMP não enfrentarem os desafios no horizonte, desaparecerá o último bastião institucional:…

11 minutos ago

Parece que uma anistia está sendo urdida, por Fernando Castilho

Muita gente já esqueceu as centenas de milhares de mortes pela Covid-19, a tentativa de…

13 minutos ago

Câmara da Argentina aprova projeto de reforma econômica de Milei

Câmara ainda precisa votar, à parte, o projeto sobre aumento de impostos para pessoas físicas…

31 minutos ago

Mais intensa, onda de calor segue até 10 de maio

Alta pressão atmosférica bloqueia a formação de nuvens de chuvas intensas e mantém temperaturas até…

41 minutos ago