O vil, o cínico e o arrependido na corrupção contra a Petrobras

A natureza humana está exposta e, como poucas vezes, escancarada, nos exemplos dos depoimentos dos ex-empregados da PETROBRAS inquiridos pela CPI sobre a corrupção contra a empresa.

Considerando os fins dessa discussão, ad argumentandum tantum, é necessária uma licença para considerar que o destino do terceiro depoente, em função das copiosas citações em depoimentos divulgados, é ser, mais cedo ou mais tarde, declarado culpado das acusações de corrupção a ele imputadas, o que o nivelaria, nesse sentido, ao dos dois réus confessos que apelaram para o recurso de defesa da “delação premiada”.

A cobertura maciça da mídia que, como se sabe, tem alvo certo, entre outras tantas possibilidades fornece muitos elementos para a reflexão sobre o comportamento dos homens poderosos diante da perda dessa condição e da necessidade de enfrentar o preço de sua ambição, ganância e cupidez.

E por incrível que pareça, embora feitos da mesma matéria humana masculina e conformados durante uma vida profissional inteira por circunstâncias muito semelhantes, eles se revelaram muito distintos diante da obrigação de depor numa comissão parlamentar de inquérito e nos interrogatórios que “vazaram” seletivamente das investigações do judiciário.

Sem conhecer os personagens dessa trama e desse drama, apenas com as impressões decorrentes da repercussão de suas posturas depois de indiciados e investigados, é provável que parte dos observadores tenha se surpreendido ao perceber que cada um deles produziu sentimentos diferentes em relação a si próprios.

Em ordem cronológica aos depoimentos, vazamentos e declarações, uma sequência possível dessas sensações, embora não a única naturalmente, é a seguinte: asco, perplexidade e comiseração.

A traição, a arrogância e a hipocrisia são, possivelmente, uma unanimidade de crítica negativa entre as pessoas. E nestes quesitos, o primeiro depoente se destacou. Ao se ver na condição de delator, depoente e ‘entrevistado’, obteve “nóooota…deeeeeeeeéisx” nos três quesitos do seu odioso desfile na passarela do crime de colarinho branco (ou seria preto, neste caso petrolífero?).

Ele teve a suprema desfaçatez e abjeção de apontar, indiscriminadamente, os próprios subalternos como corruptos, como se estes, embora não ‘obrigados’ a se submeter, na prática pudessem resistir às imposições do próprio chefe, numa estrutura profundamente hierarquizada como são, em geral, aquelas das grandes estatais. 

A malandragem, a esperteza e a lábia, por outro lado, são, por sua vez, uma quase unanimidade de crítica complacente entre o grande público destes tristes tópicos. E nestes quesitos, o segundo depoente distinguiu-se com louvor. Ele também obteve três notas “…deeeeeeeéisx” antes de chegar à apoteose do corruptódromo. Teve o descaramento de se confessar corrupto há muito mais tempo do que o período apurado nas investigações em que foi indiciado, mas omitir as bandidagens mais remotas, sabe-se lá por qual critério de “recato” e seletividade.  

Entre o primeiro e o segundo concorrentes, neste improvável concurso de sordidez, destaca-se, no entanto, uma atenuante no caso deste último. Diferente do primeiro ladrão confesso, que alegou motivar-se a delatar pelo “nojo” à corrupção, o segundo foi mais “honesto”, pois ao fazer sua auto-crítica, justificou sua alcaguetagem pelo “apavoramento” de ter entrado num caminho mafioso arriscado e sem retorno.

Já o último dos envolvidos expôs seus limites e recônditos de caráter, embora tenha se mantido calado durante praticamente todo o interrogatório da CPI, ao emitir algumas poucas sentenças reveladoras de sua índole, quando entendidas no conjunto com os “vazamentos” de seus depoimentos ao judiciário do Paraná. E os quesitos destacados no seu desfile deslocam-se no espectro do demasiado humano em relação aos dois primeiros atores desta tragédia de elite.

Diferente do provinciano medíocre que se lambuzou com o golpe de sorte do poder repentino e do cortesão patife que se assustou com a facilidade de ter voado muito alto e o consequente risco de ver, de uma hora para outra, as asas derretidas, o aplicado tecnocrata, flagrado possivelmente tentando romper com o fantasma de um perfil histórico de otário num mundo de velhacos, mostrou-se de forma clara envergonhado de estar sendo julgado por fazer o papelão de se julgar capaz de seguir a trilha que seus contemporâneos mais astutos tomaram antes.

É por isso, talvez, que se declare inocente, provavelmente na acepção de ingênuo. Desconhecia ou subestimou uma regra básica da vilania: para seguir a carreira de escroque é pré-requisito adotá-la cedo, pois ao tentar iniciar o caminho de forma tardia o único lugar disponível é no fim da fila, entre os incompetentes.

Mas não resta qualquer sombra de dúvidas, caso o aplicado tecnocrata venha a ser efetivamente condenado pelas acusações que lhe estão sendo feitas, ele será o que menos rejeição provocará na maioria dos observadores do caso.

E a razão é límpida e singela: mostrou-se como o único arrependido, de fato, entre os três colegas de empresa e o único a não permitir que seu medo se transformasse em covardia repulsiva e sórdida hipocrisia a ponto de fazê-lo acusar a outros para safar a própria pele.

Redação

Redação

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  • Mais pérolas?

    "Ele teve a suprema desfaçatez e abjeção de apontar, indiscriminadamente, os próprios subalternos como corruptos, como se estes, embora não 'obrigados' a se submeter, na prática pudessem resistir às imposições do próprio chefe, numa estrutura profundamente hierarquizada como são, em geral, aquelas das grandes estatais".

    Nenhuma estrutura hierarquizada de estatal obriga o funcionário a ser ladrão. Isso é desculpa de picareta. Não gostou, mete o pé e vai trabalhar em outra área. Ou junta papel pra denunciar o ladrão mor. Ou simplesmente vai fazendo seu trabalho sem ceder, que uma hora o cara vai ter que te mandar pra outro setor.

    Ou alguém conhece algum caso de empregado da Petrobras demitido pq não quis roubar? 

    • não quis roubar
      Na Petrobras eu não conheço mas no serviço público estadual sim eu já vi gente ser demitida, afastada, posta em "disponibilidade" por denunciar falcatruas pro chefe sem saber que ele também estava envolvido

      Se vamos viver uma "nação do medo" (filme de rutger hauer) uma das medidas anticorrupção deveria ser uma ouvidoria para denúncias anônimas

  • Não concordo

    Duque é o mais esperto e mais sórdido dos 3. E se mantém impassível porque até a semana  passada estava livre da prisão preventiva. Acredita que pode contar com alguma proteção para ter sua pena diminuída. E alguém que está arrependido confessa os crimes e se entrega, Duque, ao contrário, ficou movimentando dinheiro no exterior. Quem ele está protegendo? Quem protege ele? A delação premiada é a arma da justiça. Esses três não querem pagar o pato sozinhos já que o esquema era tripartite, empresas, estatal e políticos. Aliás, a corrupção acontece sempre nas bordas desses contatos.

  • Não sou psicólogo para

    Não sou psicólogo para analisar   vilania ,cinismo e arrependimento,mas para mim o que os senhores tinham em comum ,é que eram engenheiros muito bem remunerados(mais de 100 mil mensais ),trabalhavam na maior empresa brasileira e eram corruptos.

    Ah ,e eram gananciosos.O dinheiro que roubaram não conseguiriam gastar tudo nesta vida

  • Acompanho o excelente blog do

    Acompanho o excelente blog do Nassif há muitos anos,quase que diariamente e confesso que o que antes me distraia ,agora não mais me distrai ,e sim me deixa indignado com os rumos da política em nosso pais.Faço aqui neste blog  possivelmente  uma de minhas ultimas intervenções para PROTESTAR contra a nossa classe política ,por algo ocorrido nessa semana ,que ainda não foi repercutido em nenhum dos blogs que acompanho ,que é a baixaria de o Congresso  ter TRIPLICADO  a verba do Fundo Partidário.È rasgar dinheiro público ,como se já não bastassem  todos os privilégios que a classe política já tem(verba para gabinete,franquia postal, etc.etc.e tal ).Essa dinheirama toda  vai para mais de 30 partidos(a maioria legendas de aluguel  de ratazanas da política brasileira ).Com licença ,me deu azia ,vou tomar o meu OMEPRAZOL .

  • Aos poucos os empreiteiros

    Aos poucos os empreiteiros vão fornecendo à CPI  da Petrobras conhecimento, tecnologia  e ferramentas para que ela extraia a corrupção acomodada em profundidades superiores a doze anos. 

  •  Sergio Leone em sua

     Sergio Leone em sua "Trilogia dos Dólares", mas precisamente no último filme, mostra o confronto entre três homens numa cena antológica. Na película o bom , o mal e o feio se degladiam. Como seria a cena se colocássemos o vil, o cínico e o arrempendido? Enquanto não temos respostas, vamos nos originais fonológicos e cinematográficos.

    "The Good, The Bad and Ugly" de Enio Morricone com The Ukelele Orchestra of Great Britain

    https://www.youtube.com/watch?v=pLgJ7pk0X-s

    Cena final com Clint Eastwood, Lee Van Cleef & Eli Wallach.

    https://www.youtube.com/watch?v=gwdypLFy8Pk

     

  • O vil, o cínico... etc

    O Sr. Renato Duque se mostrou arrependido??! Ele será o que menos provocará rejeição??!! Que é isso?? O referido é o elo mais próximo do "grande capo di quattro dita"

  • DEDO DURO, NÃO!

    Cursei universidade nos anos 70. Tínhamos sempre um "ratômetro" ligado, pois temíamos  ser apontados como "subversivos" por qualquer motivo e acabarmos no porão do Dops.Então, nada, nada, nada - aos nossos olhos - era pior num ser humano que ser um delator.

    Nunca consegui me livrar desse sentimento. Muitas vezes fui incapaz  até de revelar qual  colega havia cometido o erro que prejudicou algum trabalho que fazíamos. Mesmo que a punição não passasse de uma reprimenda, por exemplo.Chegava a ser pouco profissional da minha parte, mas eu não me perdoaria por ser dedo duro.

    Concordo que os desvios da Petrobrás precisavam vir à tona e quem os cometeu merece ser punido. Mas não consigo deixar de achar execrável qualquer delação , ainda mais quando é premiada !! O cara come, vira o cocho, dedura e livra o seu !! Argh!

    p.s.: Pelo texto, acho que a foto do meio está errada e não era a ele que o artigo se referia.

     

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