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Oniricamente

 UM ÊXTASE

 

Tocam a campainha. Quem seria naquele momento tão especial. Não poderia abrir a porta naqueles trajes, com aquela expressão inequívoca no rosto, descendo-lhe dos olhos à boca qual um derramamento incontrolável.

Era ele que lhe entregava sofregamente um toque na nuca, um gesto suave no cotovelo, um ralar de suspiros anteriores. Era ele. E agora ter que abrir a porta assim de repente.

Por que interromper aquele ritual quase fluído de sonhadora presença? Por que quebrar o par mágico da situação inesperada com um toque de campainha? Por que deixar de auscultar-lhe o peito e saber-lhe a respiração? Por que  desgrudar-se do onírico, da ideia, da sensação suprema?

Ora, atender a campainha. Quem poderia trazer notícia melhor, quem poderia derramar-lhe outros embevecimentos? Quem no roçar de pelos saberia adivinhar seus excessos e devaneios naquele momento em evolução? Quem, no emudecimento das explicações, estaria ali fora a tocar aquela campainha? Não importava quem fosse, seria menor. Seria pior. Seria insuficiente.

Do meio do corredor até ao sofá, ouviu uma, duas , três vezes a campainha. Resolveu não deixar entrar ali  nada que fosse inferior a ele em si mesma.  O bônus reiterava o prazer, a satisfação com a visita etérea do corpo magro e retilíneo a lhe pressionar todos os músculos.

 Quem poderia ser melhor que aquilo que sentia em seu corpo naquele instante?

A insignificância de se estar com.

Além, a plenitude da ideia, o apreço pela invenção, a graça pela fantasia. Elementos complexos e sem filtro da razão.

Que tocasse a campainha mil vezes que do sonho não sairia por nada.

Depois de algum tempo, olha pela janela e descobre que fora ele, o cavaleiro da fantasia, que estivera ali tocando duas, três vezes a campainha.

Redação

Redação

View Comments

  • Lírico

    Odonir, este teu texto ... É um cartão de visitas; um distintivo da tua verve e sensibilidade!  Gosto demais e louvarei todas as vezes que você nos brinde com esta beleza,, sutileza e verdadeira "magia na bruma".  Esta é uma arte difícil: dizer sem dizer.

    Um primor!

    Abraços rimados!

    • Anna, com todos os tons de amar, de apaixonar-se ...

      Sei lá eu quais são?

      Escrevo às vezes o que vejo, o que me contam, o que acompanho e até vivo.

      Mas sei pouco do que é isso: amar.

      Caminhando.

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