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Samba sincopado e de breque, em grande estilo

Tanto o samba de breque quanto, principalmente, o samba sincopado são, no âmbito do que muitas consideram o gênero musical  – e o ritmo – brasileiro por excelência, modalidades que, embora observáveis amiúde desde o final da década de  30, atingem seu ápice nos anos 50, com intérpretes criativos, de assinatura pessoal distinta .e compositores escolados em explorar, com perspicácia, os meandros dos dois estilos – como é o caso, entre outros, de Geraldo Pereira em relação ao sincopado e de Miguel Gustavo quanto ao breque.

 

“Sambistas de bossa e de breque” é o título de uma coletânea de músicas dos anos 40 e 50, em que predominam tais modalidades de samba, interpretados por alguns dos maiores nomes do gênero. Lançado pela RCA em 1977 (e, que eu saiba, não editado em CD), o disco é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores já lançados no que concerne ao  breque e ao sincopado e ao mencionado período das gravações.

 

Não só o time de cantores é imbatível, como a seleção das 16 músicas faz jus ao título do disco, priorizando sambas sincopados, de gafieira e de breque compostos por bambas do primeiro time, entre os quais se destacam, com duas músicas cada, os grandes Geraldo Pereira e Wilson Baptista, que figuram entre as maiores influências de Chico Buarque.

Um dos grandes atrativos do disco, aliás, é a rara oportunidade para ouvir o Geraldo Pereira intérprete, não só de sua composição “Falso patriota” (que continua servindo como uma luva aos brasileiros de mente colonizada, deslumbrados com o que vem de fora), mas da malvada “A coitadinha fracassou” (Hélio nascimento Arnaldo Passos) e de “A dama ideal” (Alcebíades Nogueira  e Arnaldo Passos).

 

Demonstrando, uma vez mais, que sabe das coisas – e dando pistas de que também cultua o disco -, Luiz Melodia gravou esta última música em seu ótimo disco Estação Melodia  Ao Vivo, assim como fez com a maliciosa “Chegou a bonitona” (José Batista e G. Pereira, que), certamente uma das melhores faixas de “Sambistas de Bossa e de Breque”, que, interpretada com malemolência por Blecaute, recria a chegada na gafieira de uma gata arrasa-quarteirão [ouça no link abaixo].

Ciro Monteiro, considerado por Paulinho da Viola o maior compositor de sambas de todos os tempos (opinião da qual Vinicius de Moraes compartilhava), interpreta quatro temas: os clássicos “Você está sumindo” (G. Pereira e Jorge Castro) e “Oh! Seu Oscar” (W. Batista e Ataulfo Alves), além de duas composições de Pedro Caetano, desta vez sem seu parceiro Claudionor Cruz: “O que se leva dessa vida” e o carro-chefe do “formigão”, “Botões de laranjeira”, que fez tanto sucesso que Ciro confessou a Fernando Faro – no programa Ensaio dos bons tempos da TV Cultura – que chegou uma hora em que não agüentava mais cantar a música, cuja abertura é pregnante:

“Maria Madalena dos Anzóis Pereira 

Teu beijo tem aroma de botões de laranjeira” 

 

Já a participação do impagável mestre do samba de breque Moreira da Silva é mais discreta, embora não deixe de ser marcante, certamente não por duas canções talvez menores – “Doutor em futebol” e “Bilhete branco” -, mas pela deliciosa e prototípica do samba de breque “Esta noite eu tive um sonho”, assinada pelo próprio Moreira e por Wilson Batista [ouça no link abaixo].

 

Em compensação, Jorge Veiga arrasa na interpretação de “Nega”, de “Velório no morro” e, sobretudo, da deliciosa crônica urbana em forma de samba de breque “O guarda e o motorista”- que torna evidente o porquê do cantor ter sido apelidado de “O caricaturista do samba” [ouça no link abaixo].  Ele demonstra, uma vez mais, ter sido um dos artistas que melhor encarnou em sua persona pública e em sua arte uma expressão original de brasilidade.

 

Por fim, um  atrativo a mais do disco para os aficionados pelo samba é a presença do mítico Luiz Barbosa, intérprete inventivo, cheio de recursos, uma grande promessa abreviada pela morte precoce aos 27 anos, em 1938. Ele defende um de seus maiores sucessos, “Risoleta”(Raul Marques e Moacir Bernardino). Barbosa influenciaria de forma notória Dilermando Pinheiro – o grande e ausente do LP – , que aprimoraria a técnica de batucar no chapéu de palhinha, pelo antecessor criada.

 

“Sambistas de Bossa e de Breque” é um disco que merece não apenas ser ouvido e reeuvido, mas cultuado como um repositório de arte a um tempo popular e refinada.


Redação

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