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Trivial de inéditos de Nazareth

Há tempos acompanho o trabalho de Alexandre Dias, de recuperação da obra de Ernesto Nazareth.

Aqui, 50 composições do mestre, interpretadas pelo Alexandre, e que estão disponíveis no sítio Sovaco de Cobra

Um ideal perdido de Ernesto Nazareth.

O texto a seguir faz parte da série Raras de Ernesto Nazareth e possui a autoria de Alexandre Dias e revisão e diagramação de Zé Carlos Cipriano (conheça as demais músicas e a proposta da série neste artigo):

Ouça o tango brasileiro Ideal, de Ernesto Nazareth, na interpretação de Alexandre Dias (clique no botão PLAY abaixo para ouvir. Atenção: caso a gravação não esteja sendo reproduzida corretamente, acesse osite da Piano Society, que contém todas as gravações da série disponíveis para download):

Grãos de café – fonte da imagem: Flickr (jcolivera.com)

O tango brasileiro Ideal, publicado em 1905 sob encomenda da Casa Pinto & C., é uma das pérolas escondidas no repertório Nazarethiano. Embora existisse um Cine Ideal (o favorito de Ruy Barbosa, à Rua da Carioca nº 60), é improvável que o tango fizesse referência a ele, pois em sua dedicatória consta: “aos compradores do Café Ideal”.

Segundo o biógrafo Luiz Antonio de Almeida, naqueles tempos, as pessoas compravam café em grãos, torrando-os e moendo-os em casa. Daí ser provável que o Café Ideal –  “O melhor e mais saboroso – Vende-se em toda a parte – Rua da Saúde, 150”- “fosse das primeiras marcas a comercializar o produto já em pó e acondicionado em embalagens”.

Esta constitui, portanto, uma das peças de cunho comercial de Nazareth, em que ele faz referência a uma empresa, possivelmente vindo a gozar dos benefícios que a propaganda viria a proporcionar. Dentre vários outros exemplos em sua obra, cito também o tango brasileiro Pyrilampo “Dedicado aos laboriosos industriais Srs. Lima Junior & Cia., proprietários da importante fabrica de lâmpadas Pyrilampo”, o samba brasileiro Suculento, com letra exaltando os poderes do xarope Vermutin, e a valsa Cardosina “Oferecida por Almeida Cardoso & Cia., a seus distintos fregueses e amigos”, cujo título faz referência a um xarope para tosse e bronquite desenvolvido pela Farmácia Homeopata Almeida Cardoso.

Em 1905 Nazareth tinha 42 anos e, segundo o biógrafo Luiz Antonio de Almeida, residia na Avenida dos Anjos nº3, à Rua Senador Furtado, no bairro do Maracanã. Neste ano foram publicadas as peças Escovado,Coração que Sente, Ferramenta, e composta a valsa Cardosina, ainda inédita em publicação.

Esta é a época das primeiras gravações feitas no Brasil, cuja indústria fonográfica abriu as portas em 1902. É interessante notar que o nome de Nazareth já figurava nos lançamentos de 78-RPMs desde o primeiro ano. Algumas gravações de suas músicas dessa época são: Está Chumbado, pela Banda do Corpo de Bombeiros em 1902 (Zon-O-phone X-1055), Favorito (“Saco de Alferes Cidade Nova”), pelos cantores Bahiano e Senhorita Consuelo, acompanhados de pianista anônimo por volta de 1903 (Odeon 689),Brejeiro (“O Sertanejo Enamorado”), pelo cantor Mário Pinheiro acompanhado de pianista anônimo por volta de 1905 (Odeon Record 40.227), Brejeiro, pela Banda do Corpo de Bombeiros (Odeon Record 40.572) e Turuna, pela mesma banda (Odeon Record 40.589), ambos por volta de 1906.

No entanto Ideal foi gravada apenas uma vez até o presente momento (dezembro de 2010), pelos músicos Daniel Allain (flauta), Israel Bueno (violão 7 cordas), Marco Bertaglia (violão 6 cordas), Arnaldinho do Cavaco e Guta do Pandeiro, lançada em 2008 no CD que acompanha o Songbook “Ernesto Nazareth 3” (Clássicos do Choro Brasileiro) (CCEN03PE), da editora Choro Music. Sua versão original para piano solo, portanto, permanece inédita em disco.

Não existem edições comerciais desta peça à venda hoje, porém para uma edição moderna revisada por mim, acesse este link.

Ideal é um tango especialmente delicado, marcado pelas indicações “suave” na parte A, “bem jocoso” na parte B, e “brincando” e “demorando com graça” na parte C. Nele não vemos o caráter percussivo de outros tangos como Sarambeque ou Catrapuz. Confirmando esta idéia, em seu manuscrito consta o subtítulo “Serenata Poética” (a única referência ao signo “poesia” em sua obra). Tendo em vista estes humores, optei por interpretar Ideal com um espírito onírico, buscando ressaltar seu lado pueril.

Luis Nassif

Luis Nassif

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