Opinião

Em 2022 que a sombra do Unabomber o acompanhe onde quer que você vá…, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em 2022 que a sombra do Unabomber o acompanhe onde quer que você vá…

por Fábio de Oliveira Ribeiro

No último dia de 2021 me deparei com uma notícia curiosa:

https://www.nytimes.com/2021/12/30/technology/apple-airtags-tracking-stalking.html

É engraçado ver os EUA sendo transformados em um Gulag Digital, em que pessoas normais são vigiadas com mais frequência do que os dissidentes nos Gulags da URSS. Ok. Talvez eu esteja muito velho. No entanto, essa piada permanece, porque aqueles que comandam a política dos EUA são tão velhos ou mais velhos do que eu.

Obviamente, este não é um fenômeno intencional. Mas talvez esse seja o maior problema. Os políticos norte-americanos são tão gordos, corruptos, irresponsáveis e preguiçosos que deixaram um punhado de empreendedores do capitalismo de vigilância controlar porções cada vez maiores do poder político.

Obviamente, isso não aconteceria na URSS. E aqui a piada se torna ainda mais ácida. O sistema soviético, que colocava a política acima da economia, entrou em colapso. O sistema norte-americano, que coloca a economia acima da política, não colapsará tão cedo.

Os EUA se transformarão numa tirania eterna, cada vez mais sofisticada e assustadora do que a velha URSS. Uma versão atual do Inferno dantesco com a frase escrita em painéis iluminados em todos os aeroportos internacionais norte-americanos:

Deixai aqui toda esperança, vós que entrais

Os soviéticos só podiam exportar seu modo de vida usando a força bruta. Os EUA já fazem isso, embora a sofisticação tecnológica militar não seja capaz de garantir sucesso (observem o caso do Afeganistão). Drones de ataque, soldados robóticos, IA militarizada… tudo isso pode ser hackeado.

O império dos macacos da bunda branca que são obsedados por vigilância não será destruído por uma guerra. Ele simplesmente apodrecerá nas mãos de hackers russos, chineses e alienígenas (desculpem-me, mas não resisti a fazer outra piada), e ninguém se preocupará em prestar atenção à tragédia dos norte-americanos. Eles escolheram livremente o caminho que desejavam trilhar. Quem realmente se importa?

Na década de 1990, em seu manifesto, o Unabomber alertou seus conterrâneos de que uma sociedade dominada pela tecnologia estava “… reduzindo permanentemente os seres humanos e muitos outros organismos vivos a produtos manufaturados e meras engrenagens da máquina social.” Lendo a notícia comentada, alguém pode dizer que o Unabomber estava errado?

Os fins obviamente não justificam os meios usados pelo Unabomber. Todavia, agora podemos reler suas palavras com distanciamento:

“129. Outra razão pela qual a tecnologia é uma força social tão poderosa é que, no contexto de uma determinada sociedade, o progresso tecnológico marcha em apenas uma direção; ele nunca pode ser revertido. Uma vez que uma inovação técnica foi introduzida, as pessoas geralmente se tornam dependentes dela, para que nunca mais possam prescindir dela, a menos que ela seja substituída por alguma inovação ainda mais avançada. Não apenas as pessoas se tornam dependentes como indivíduos de um novo item de tecnologia, mas, ainda mais, o sistema como um todo se torna dependente dele. (Imagine o que aconteceria ao sistema hoje se os computadores, por exemplo, fossem eliminados.) Assim, o sistema pode se mover em apenas uma direção, em direção a uma maior tecnologização. A tecnologia repetidamente força a liberdade a dar um passo atrás, mas a própria tecnologia nunca pode recuar – a não ser com a derrubada de todo o sistema tecnológico.”

https://www.washingtonpost.com/wp-srv/national/longterm/unabomber/manifesto.text.htm

Enquanto afogam seu mundo em mercadorias que extraem dados para serem analisados, comprados, vendidos, empregados para criar padrões, fazer previsões e fornecer evidências incriminatórias, os norte-americanos deram vida à distopia prevista pelo Unabomber. Eles não podem reivindicar, nem recuperar sua liberdade. Essa possibilidade é incompatível com a sociedade dominada pelas tecnologias criadas pelo capitalismo de vigilância e para o capitalismo de vigilância, um sistema no qual os seres humanos não devem ter privacidade ou liberdade.

O capitalismo de vigilância substituiu o antigo totalitarismo político como fonte de psicoses coletivas. Além de desumanizar e explorar usuários de tecnologias digitais, bugigangas e algoritmos tecnológicos minam a ciência, a verdade factual e a democracia.

Mas ninguém pode ver esses inimigos invisíveis que criam e moldam psicoses coletivas. Eles estão em toda parte e em lugar nenhum. No passado, era possível ver e lutar contra um ditador. Agora, isso não é possível, já que todos estão conectados a equipamentos e algoritmos invasivos sofisticados que podem controlar suas personalidades, prever seus comportamentos, antecipar seus desejos, espionar seus sentimentos e armazenar todos esses dados para que eles possam ser usados no futuro quando serão correlacionar com outros dados.

O sistema é tão eficiente que faz algumas pessoas acreditarem que serão mais livres se se fundirem com os computadores. Os norte-americanos estão começando a morrer de medo de vigilância excessiva, mas muitos deles paradoxalmente aplaudem Elon Musk. Ele é um pregador da religião tecnológica, está enchendo o espaço com novos satélites e quer ser o imperador de Marte.

Para ficar mais inteligente, Elon Musk implantou (ou pretende implantar) um microchip em seu pequeno cérebro de porco. Microchips podem ser hackeados. Agora mesmo, alguém em algum lugar já está planejando invadir o cérebro artificial de Elon Musk. Ele quer conquistar Marte, mas um vírus de computador Stuxnet transmitido por Wi-Fi pode deixá-lo completamente louco.

Fuck him! O dono da SpaceX escolheu se tornar um apêndice biológico da tecnologia que poderá e que será usada contra ele. O mesmo pode ser dito de outros norte-americanos, que desejam, compram e comprarão carros autônomos, smartphones (que podem ouvi-los e filmá-los sem sua permissão) e outras bugigangas capazes de monitorar tudo o que eles fazem em qualquer lugar o tempo todo.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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