Existe realmente distinção entre Direito e Privilégio?
por Fábio de Oliveira Ribeiro
A primeira coisa que fiz hoje de manhã foi ver essa entrevista de Marilena Chauí https://www.youtube.com/watch?v=4dxpyU0ppBw&t=101s. De maneira geral posso concordar com o que ela disse, mas gostaria de problematizar uma questão que ela levantou.
Marilena Chauí é eloquente, mas ela esquece um aspecto importante. Ela diz que o Direito se distingue do Privilégio porque ele é universal e universalizante. Não, ele não é. Originalmente, o Direito se configurava como um Privilégio: o privilégio dos romanos que conheciam as formulas e a linguagem que possibilitavam o exercício dos direitos.
O Direito criava assim um abismo entre os romanos iniciados (portadores das fórmulas e da linguagem do Direito) e os não iniciados (aqueles que não podiam ter e exercer direitos em virtude da ignorância). Ora, esse foi exatamente o abismo transplantado para o Brasil pelos portugueses, cujo Direito (e sua linguagem) era ignorado pelos índios.
Nem mesmo é preciso dizer que os negros escravos não podiam ser sujeitos do Direito português (eles eram objetos da dominação pelo Direito). Portanto, o Direito de propriedade não era e não podia ser universal e universalizante: ele era um privilégio dos homens brancos livres que podiam ser proprietários de escravos e que estavam em condições de acumular a riqueza que eles produziam.
Eu geralmente concordo com o que Marilena Chauí diz, mas não posso concordar com essa distinção entre Direito e Privilégio, pois o próprio Direito sempre foi e sempre será um espaço privilegiado em que os privilégios nascem e são exercidos. É preciso ultrapassar a crença de que a sociedade, a democracia e a cultura podem ser salvos ou civilizados pelo Direito.
Como vimos no caso do golpe do Impeachment fraudulento contra Dilma Rousseff e do Lawfare que impediu Lula de disputar a eleição de 2018, o próprio Direito pode ser corrompido e recrutado para remover a soberania popular da arena pública. Logo, o Direito também se transforma em Privilégio quando o “não Direito” (ou o simulacro do Direito) se torna uma realidade reinstituindo o exercício particularizado (e privilegiado) do poder por intermédio daqueles que dizem o Direito e limitam o espaço político da democracia.
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN
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"Aos amigos tudo; aos inimigos a Lei." Sempre foi assim. O resto é republicanismo ingênuo. Como escreveu Robert Dahl, a democracia só é possível se o custo de corrompe-la for tão elevado que não valha a pena apelar para o golpismo. Qualquer projeto político emancipatório tem que levar isso em conta, ou será presa fácil das classes dominantes, mais cedo ou mais tarde.