Século do Ego n°2. Eleições 2018, o Golpe no Brasil e na Guatemala, por Armando Coelho Neto

Século do Ego n°2. Eleições 2018, o Golpe no Brasil e na Guatemala

por Armando Rodrigues Coelho Neto

A TV Globo é um crime contra a humanidade. Essa afirmação se deu com a subsequente definição desse tipo de delito, com base em sua postura nociva aos interesses do povo brasileiro. O tema foi tratado na semana passada, inspirada no documentário “O Século do Ego”, que revela o uso de experimentos psicológicos para manipulação de massas, com objetivos econômicos e políticos. Na obra há indicadores que técnicas semelhantes podem ter sido utilizadas no golpe de 2016 no Brasil. Como precário resumo, a exposição feita restou imprecisa, cabendo ao leitor interessado assistir os quatro episódios e tirar suas próprias conclusões.

O documentário mostra como os estudos de Sigmund Freud foram utilizados pelo seu sobrinho Edwards Bernays e sua filha Anna Freud, entre outros. Se a manipulação das massas era possível em tempos de guerra, também seria possível em tempos de paz. Eis o mote para a criação do cidadão consumidor ou consumidor americano. Estavam em curso formas de controle e administração das forças terríveis interiores presentes nas pessoas, conforme sugeriam as pesquisas de Freud. A revelação das tais forças pelo psicanalista seria em si uma advertência para o mundo. Mas, acabou sendo transformada em receita de manipulação econômica e política.

 

Assim concebida, logo se espalhou além das fronteiras dos Estados Unidos. Quase concomitantemente entrou em cena a figura de George Gallup, que mais tarde virou nome de instituto de pesquisas. Foi ele quem introduziu questionários para avaliação de governo, aferição de condutas e o resto já é conhecido.  Essa conjugação de métodos, diante da constatação de uma sociedade doente, a psicanálise se converteu em grandes clínicas públicas. Surgiram terapias em grupo, enquanto se tentava criar um modelo de felicidade e de adaptação das pessoas a um mundo exterior artificialmente criado. Contraditoriamente, a proteção de “individualidade” não comportava grandes questionamentos…

– Sob a influência do cientificismo das pesquisas, nasceram as Macabéas americanas. Por ser grande referência para a elite do atraso no Brasil, por tabela surgiram as Macabéas em sua vertente Macunaímica.

O texto passado foi abortado, com a citação a um dos exemplos mais enigmáticos de manipulação com base nas experiências de Freud: o golpe de estado na Guatemala em 1954, quando interesses particulares se fundiram aos do Estado. Uma das maiores clientes de Bernays era a empresa United Fruit Company, com sede nos EUA, a qual tinha grandes plantações de banana da Guatemala e na América Central. Por décadas, diz o narrador do “O Século do Ego”, a empresa controlou o país através de ditadores amigáveis. Por essa razão, aquele país era chamado de “República das Bananas”.  Mas, em 1950, surgiu como líder nacionalista o coronel de nome Jacobo Arbenz Guzmán, o qual tinha prometido acabar com a influência da United Fruit Company no país. Eleito pelo voto direto, prometeu, em 1953, a desapropriação de terras, parte daquela empresa.

– À época, as bananas da Guatemala tinham o mesmo significado do petróleo para os brasileiros de hoje. Portanto, interesses comerciais externos se conflitavam com interesses locais.

Arbenz era, então, bom para a Guatemala, porém ruim para a United, que logo pediu a ajuda de Bernays. Este, por sua vez, entrou em ação sugerindo que a empresa deveria começar fazendo alguma coisa boa para o povo guatemalteco. A rigor, Arbenz era um socialista sem vínculos com Moscou, mas logo passou a ter sua figura associada ao comunismo, numa época de Guerra Fria. Ter um país “comunista” ao lado dos EUA era uma ameaça terrível.

Era preciso ir mais longe. Então, Bernays organizou uma viagem de jornalistas americanos influentes para a Guatemala, muitos deles sem informação alguma sobre o país – seja política, social ou econômica. Entretanto, tinham uma orientação preciosa: conversar com políticos selecionados por Bernays, os quais, por seu turno se encarregaram de difundir aos tais jornalistas a ideia de que “Arbenz era um comunista controlado por Moscou”.

– Qualquer semelhança com a orquestração midiática no golpe de 2016 no Brasil pode ser coincidência, mas parece a história repetida como farsa. Sim. É temeroso falar que o PIG todo tenha sido pago, mas a República de Curitiba cumpriu à altura o papel exercido pelos políticos selecionados por Bernays.

Na mesma época em que Bernays levou os jornalistas para a Guatemala, houve uma grande manifestação contra os EUA, que até funcionários da United Fruit acreditam ter sido obra daquele psicanalista, o qual também criou uma falsa agência de notícias, a “Agência de Informações da América Central”. A expressão “fake news” não era conhecida até então, mas os recrutados passaram a produzir matérias e editoriais pesados contra a Guatemala. Entre as falsas notícias plantadas estava a de que Moscou iria usar o pobre país para desembarque de tropas vermelhas. Em breve, a Guatemala seria um posto avançado da União Soviética.

O trabalho comercial pró United Foods coincidia com o interesse dos Estados Unidos, que logo pôs a CIA em ação para organizar o golpe de Estado. Para tanto, treinou e armou um exército rebelde no país. Com a falsa ameaça criada, teve início uma campanha de medo e terror. Um dos representantes da CIA, ouvido pelos produtores da série, assume a artificialidade do clima de terror. A utilização de aviões guiados por pilotos da CIA passando a bombardear a Guatemala mostrou bem essa ideia. Enquanto isso acontecia na república das bananas, nos EUA, Bernays desenvolvia uma campanha midiática interna, preparando o povo americano para aplaudir o fim de uma ameaça aos EUA.

Antes de consolidar o golpe, um novo líder já estava saindo do laboratório, um tal  coronel Carlos Castillo Armas. Logo, a prova de ameaça comunista foi apresentada: vários livros sobre marxismo foram exibidos e queimados, reafirmando a ideia de que uma “ameaça comunista” era real. Diante da exitosa missão, o então vice-presidente Richard Nixon dos EUA não perdeu tempo e logo foi visitar a Guatemala. Em sua fala, destacou: “Esta é a primeira vez que um governo comunista é derrubado pelo povo”.

– A visita do vice-presidente dos EUA à Guatemala no pós-golpe, também por mero acaso, muito se assemelha à visita de Mike Pence, vice-presidente dos EUA ao Brasil. A diferença pontual é que o anúncio da “ponte para o futuro” para os guatemaltecos foi feita por Nixon.

Em depoimento para os produtores de “O Século do Ego”, o jornalista Larry Tye, do premiado jornal americano Boston Globe, é categórico ao afirmar que Bernays e a imprensa criaram as condições para o golpe da Guatemala. No Brasil, não fosse o escorrego de Romero Jucá, o conluio pró-golpe de 2016 permaneceria no campo das suspeitas, do obscurantismo e teorias da conspiração.

O golpe de 2018 tem a marca da manipulação. Fez isso para a resposta ser aquilo. Mas, quer se legitimar por meio das urnas, enquanto a mídia se engolfa no ódio que disseminou…

Eis que entre contradições da timida resistência democrática, eclodem egos de manipulados e de manipuladores. O resultado está urnas de ontem. É luta.

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

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  • Mas que dia!

    Procurei a série é possivel assiti-la no Youtube e no Vimeo e decidi enviar para as pessoas entenderem o processo do fenômeno da Comunicação de Massa, da qual McLuhan ja detalhava nos anos 70. 

    E por falar em rede Globo :)... Eis que ontem em plena votação com fila quilométrica em Paris, coisa não vista nas ultimas eleições, chega a equipe da Globo e se instala na frente da fila e começa a entrevistar uma pessoa "coincidentemente" toda vestida de verde e amarelo e em determinado momento uma figura vai atras da pessoa entrevistada e faz o simbolo do PT. O reporter ao invés de ignorar mandou a pessoa sair com maus modos. Foi o que bastou para o pessoal da fila começar a gritar fascismo não, elenão, fora rede Globo etc. Tinha uma conhecida minha que foi até o reporter e bateram boca, até que um francês e uma brasileira disseram que pela lei francesa ele não podia estar ali, na fila para votação, fazendo entrevista. Visivelmente o reporter não mora na França porque foi bem arrogante e ai levou mais fora rede Globo ::))

    Isso você não vê na rede Globo. Mas tem videozinhos no facebook. Enquanto existir gente com disposição de luta, ha esperança.  

  • Enquanto estamos sob ação de

    Enquanto estamos sob ação de encanto e desencanto sabendo dos bastidores de um um plano de poder ad eternum do Grande Irmão, sabotadores tupiniquins agem sem parcimônia e na calada da noite em algum tribunal, em algumas/muitas empresas que já estão sabotando os votos de seus empregados (o último direito), temos em alguma masmorra ou hotel 5 estrelas, uma figura perspiscaz que orienta a bancada do golpe - parte 4, 5 e por aí vai. Esqueceram Eduardo Cunha. Nem o coiso nem seus herdeiros coisinhos  tem estrume no cérebro ou vestígios de inteligência para esse avanço da extrema-direita no congresso. Sei que a Globogolpe criou as condições perfeitas para o avanço da barbarie. . Mas Eduardo Cunha, o moita, tem serventia extrema nesse contexto. Onde ele está? Onde se esconde? É o novo conselheiro de Moro?

  • Cuidado

    "É temeroso falar que o PIG todo tenha sido pago, mas a República de Curitiba cumpriu à altura o papel exercido pelos políticos selecionados por Bernays."

    Cuidado, caro Armando, não subestime o poder do viralatismo, daquele que, não apenas não levando nenhum em espécie mas também prejudicando a si mesmo, age alinhado aos interesses dos EUA, do dólar por achar que está fazendo a "coisa certa", porque habitou-se a gostar de franks-sinatras e bobagens que-tais. Aceitamos que se estabelecessem como verdades o que pessoas operando as comunicações de massa quiseram, tomamos sem dó...

    Já as pessoas do judiciário federal em Curitiba, mesmo numa interpretação da teoria do domínio do fato bem mais leniente do que a que Rosa Weber e outros ministros do STF usaram para condenar Dirceu, são claramente culpados por mais essa investida do golpe do capital contra estados nacionais. Moro, Dallagnol e pessoas que, mesmo sem terem se tornado celebridades midiáticas contribuem pra essa investida de agora, então... Zucolotto, Cattapreta et caterva que o digam.

  • Colhem o que plantam

    Evitou-se uma regulamentação mínima da mídia e o direito de resposta foi deixado ao juiz de piso.

    E o Zé queria uma TV para chamar de sua quando promoveu a salvação à moda do Proer , não uma solução de mercado...

    "Delenda est Carthago"

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