A lógica das políticas econômicas neoliberais

Digo há algum tempo e enfatizo: do ponto de vista programático, essas eleições são as mais significativas das últimas décadas. Pela primeira vez estão claramente explicitados dois modelos de governo: o neodesenvolvimentista e o neoliberal. Ambos têm suas virtudes e defeitos e propõem o pote de ouro da retomada do desenvolvimento no final do arco-íris. E essa divisão é quase tão antiga quanto o surgimento da economia.

O protagonismo na economia sempre foi disputado por dois setores: o financeiro e o da chamada economia real (comércio, indústria e serviços). A partir de determinado período, o trabalho também tornou-se protagonista, de certo modo aliando-se aos empresários da economia real.

As linhas econômicas, no fundo, representam esses interesses, o neoliberal representando a alta finança; o desenvolvimentista representando a indústria.


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Os neoliberais são fundamentalmente internacionalistas. Isto é, não estão ligados aos interesses nacionais. E, como tal, não enxergam problemas nacionais – como saúde, educação, inclusão social, industrialização – como prioridade.
Sua prioridade  é o interesse do grande capital. A utopia que vendem é que, quanto melhor tratar o capital, mas ele ingressará no país, e, automaticamente trará o desenvolvimento.

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Em alguns pontos o interesse do grande capital bate com o interesse do país.

Mas quando o mercado toma a política econômica nos dentes – como ocorreu no Brasil de FHC e de Lula (até a crise de 2008) – todos os conflitos entre o interesse do capital e do país são arbitrados em favor do capital. O interesse nacional e dos cidadãos ficam em segundo plano.

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Entendendo o que é o negócio do grande capital fica mais claro quais seus interesses na política econômica:

1. Emprestar a governos, através de compra de títulos públicos.

2. Arbitragem de ativos: comprar na baixa e vender na alta. Vale para imóveis, empresas, ações ou moedas de países, cotações de commodities.

3. Swaps de moedas: tomar empréstimos em determinada moeda e aplicar em outra, aproveitando o diferencial de juros.

4. Reestruturação de empresas, através de processos de fusão, incorporação, aquisição ou investimentos em novos setores.

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Em função dessa lógica, na política econômica, ao capital financeiro interessam apenas alguns aspectos seguidos à risca por seus representantes quando Ministros:

Mobilidade de capitais – é condição necessária para entrar rapidamente em mercados “baratos” e sair quando a bolha explode. Qualquer política prudencial recomendaria prazos mínimos de permanência desse capital gafanhoto. Na gestão neoliberal, é anátema, expondo o país à toda sorte de jogadas, como ocorreu em fins de 1998, 2002 e 2009. E, antes disso, no início da República até o país quebrar, em 1932.

Políticas de controle da inflação – toda a estratégia consiste em elevar os juros acima da inflação esperada (como é o caso da política de metas inflacionárias). Afeta o emprego, a produção, mas preserva-se o valor do capital.

Política cambial e de juros – interessa apenas a apreciação do real.Se um investidor trouxer US$ 100 milhões com o dólar a R$ 2,20 e o dólar for a R$ 1,80, só por conta da valorização do real ele sairá do país com US$ 122,2 milhões.  Se aplicar a uma Selic de 12%, sairá com US$ 140 milhões. Se, pelo contrário, na saída o dólar estiver a R$ 2,50, só pelo efeito câmbio seu capital será reduzido para US$ 88 milhões. Esse negócio extremamente rentável fica comprometido quando a relação dívida/PIB torna-se muito alta; ou quando as contas externas se deterioram. Logo, a  perpetuidade desse negócio depende de superávits fiscais robustos.

Superávit fiscal – Cada tostão aplicado em programas sociais tira espaço do capital financeiro para continuar ganhando com a dívida pública. É por aí que se dá a disputa. Daí porque programas como o Bolsa Família, Reuni, Prouni, crédito agrícola jamais serão prioritários em um governo neoliberal.

Bancos públicos – Um setor em crise de capitalização é barato. Basta o financista comprar a empresa ou parte dela, injetar capital para imediatamente haver um salto no seu valor. O mesmo vale para empresas que precisam se capitalizar para crescer. Ao prover capital para esses setores, o BNDES tira mercado e protagonismo dos fundos de investimento.

Política agrícola – o foco do mercado é a grande propriedade agrícola apta a receber financiamento em dólares ou investimento. O crédito agrícola é uma pedra no caminho por fortalecer a pequena e média propriedade, amenizando a concentração fundiária. Em todos os setores, o desenvolvimento se dá pelo fortalecimento das cadeias produtivas, as teias econômicas de pequenas e médias empresas em torno das maiores. Já a lógica do grande capital é o da concentração econômica, da criação de empresas globais.

Incorporação tecnológica – Ao país interessa agregar valor às commodities e às manufaturas, para gerar empregos mais qualificados e balança comercial mais robusta. Ao grande capital, não. Como seu horizonte é o mundo, tanto faz se o processamento das commodities é feito aqui ou na China, desde que seja em empresas controladas por ele.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • "Ambos têm suas virtudes e

    "Ambos têm suas virtudes e defeitos e propõem o pote de ouro da retomada do desenvolvimento no final do arco-íris". Vai sair um artigo com os defeitos do modelo neodesenvolvimentista?

  • Temos pela frente o nosso essencial ABROLHOS!
    Para quem serve o neoliberalismo? Não leva em conta a nacionalidade, as pessoas e suas necessidades, nem o seu desenvolvimento. Sempre que precisam ajustar o Estado Mínimo ferram a vida de todo mundo em prol de uma entidade que ninguém sabe quem é e porque precisam sacrificar tanto a nacionalidade. Portanto só serve ao grande capital e seus espoliadores.

    A grande jogada é ser neoliberal até alma no seu DNA e se apresentar aos eleitores como o continuador das políticas sociais, como o protagonista das "mudanças" que só interessa a eles e que para nós outros será uma verdadeira catástrofe.

  • Excelente, uma aula

    No entanto, neoliberalismo e desenvolvimentismo são antagônicos, misturar alguns dos seus princípios - a terceira via - se mostrou uma falácia

    Blair e  Gordon Brown são exemplos

    Como diz Nassif:

    Mas, no geral, o interesse de curto prazo do grande capital conflita com os projetos de longo prazo dos países. E, quando o mercado toma a política econômica nos dentes - como ocorreu no Brasil de FHC e de Lula (até a crise de 2008) - todos os conflitos entre o interesse do capital e do país são arbitrados em favor do capital

    Marina propôs a terceira via e foi esfumaçada pelas contradições toda vez que seus economistas abriam a boca

    Claríssimo

    Pena que tais diferenças não cheguem ao conhecimento da classe média

    • Prezado Assis
      Não chega ao

      Prezado Assis

      Não chega ao conhecimento de ninguém.

      Será que 1%. entende o que esta sendo  discutido aqui?

      Não creio.....

      • Mário,

        É por aí

        A diferença é que o povão não sabe; mas, sente.

        A classe média não sabe e não sente, copia o que a mídia diz.

      • Teremos que batalhar ou

        os do "outro lado" os convencerão do oposto, isto seja ficar parado e não fazer nada. Perdemos muito da nossa representação popular conseguida mesmo nos anos de chumbo, do golpe de 64. Diretórios academicos de universidades e faculdades, sindicatos de trabalhadores, defensores dos consumidores, CREA. OAB, e outros, estão "infiltrados" de pessoas que ou são contra a lutar ou são néscios que não pensam no futuro.

        Cada dia que não fazemos alguma coisa neste sentido,  é um dia perdido!

  • Um dos motivos da existência

    desse fenômeno dito neoliberal, a meu ver, tem relação com o baixo rendimento dos títulos do tesouro de países ditos desenvolvidos. Esses títulos hoje mal e porcamente compensam a inflação em seus países. 

    Aparentemente, a grande maioria desse capital não vem dos cofrinhos de Bill Gates nem de Warren Buffet e Cia., mas, por exemplo dos fundos de pensão dos professores da California e outros fundos assemelhados. Aliás, quem aplica a bufunfa destes professores, salvo engano é um tal de PIMCO, que possui 1 ou mais trilhõeszinhos de dólares para investir mundo afora, preferentemente com retorno bem maior do que os títulos estadunidenses.

    Como não ganham o suficiente para bancar as futuras aposentadorias com os tais títulos do tesouro, eles obviamente tratam de procurar algo mais rentável. Muitos negócios antigamente rentáveis nos EUA, por exemplo, atualmente se tornaram micos, um deles é a construção de shopping-centers. 

    E é aí que os fundos põem suas "condicionalidades" na mesa:

    "Olha aqui, seu político de uma figa: a receita é nós colocarmos o quanto achamos que você precisa de grana em seu país e em troca a gente entra ou sai com nossa bufunfa mais o rendimento quando quisermos. Mande a conta para aqueles bobos que pagam os impostos na sua terra." 

    O tal figurino neoliberal apontado por Nassif se encaixa nisto como uma luva. 

    Uma vez que esse capital obteve seus ganhos ele trata de procurar outro lugar para "massacrar" economicamente outro povo.

    Claro, deve sobrar uma comissãozinha para o político que cai na conversa destes fundos ou a aceita. Aliás, não seria surpresa se alguns políticos sem mandato recebam alguma bolsa-sobrevivência desses fundos, enquanto preparam novas mentiras eleitoreiras para reassumirem suas funções de guardião ds mesmos.

    E os fundos mais bravos são os tais fundos-abutre, a respeito dos quais a hermana Cristina Kirchner pode compor uma ópera. 

    Agora, um dos motivos dos juros serem baixos nestes países mencionados pode ser também o elevado montante de seus débitos, os quais, por sua vez poderiam chegar a um ponto de serem impagáveis, se já não o sejam. 

    E no meio disso surgiu a tal crise financeira de 2008, que forçou muitos países a simplesmente "imprimir dinheiro" para não haver quebra de bancos. Isso aumentou ainda mais a dívida pública e fez os países em questão darem mais um passo rumo ao abismo. E ficaram reféns desse capital. Um banco foi à lona no início da crise, alguns dias depois surgiu essa impressão de dinheiro para salvar as instituições "to big to fail", but too stupid or too dishonest to survive.

    A meu ver, um efeito colateral desse neoliberalismo foi maravilhosamente bem captado pela China, logo no começo deste fenômeno, quando a China tratou de atrair fábricas de manufaturados dos países devedores, conseguindo assim trazer progresso a seu povo. Não houve, claro, progresso trabalhista.

    Paralelamente a China virou credora destes países, e com isso anda pressionando também para ter um livre mercado. A pressão deles é interessante: eles permitem que as empresas destes países remetam os lucros obtidos na China para suas matrizes. As matrizes apresentam excelentes resultados financeiros, mas sem produzir nada em casa.  (Exemplo: Apple, que tem dezenas de bilhões de dólares em caixa, e produz quase só na China.)

    E se houver alguma resistência contra a China, ela ameaça tributar esses lucros, levando os países a uma crise maior ainda.

    Uma forma de fazer os chineses serem mais cautelosos com o resto do mundo seria promover dentro de suas fronteiras o surgimento / desenvolvimento de forças sindicais de trabalhadores, para cobrarem mais despesas sociais de suas empresas, como  férias, fim de horas-extras, regulamentação de demissões, etc. Com isto aumentariam o tal custo-China.

    Esse caminho foi adotado no Brasil no período de 1975-1980 junto aos sindicatos brasileiros de trabalhadores na indústria automotiva: os sindicatos alemães, percebendo que a indústria local ia transferir a fabricação de alguns automóveis da Alemanha ao Brasil, tratou de "municiar" os sindicatos brasileiros com novas metodologias de luta. Esses sindicatos brasileiros conseguiram um bocado de progresso para seus filiados naquela época, *** apesar *** do regime militar. Isso tornou as matrizes das montadoras mais cautelosas, pois agora tinham que analisar um custo maior de mão de obra.

    Certamente um dos sindicalistas mais atentos a essas novas formas de lutas foi um certo Lula; alguém saberia dizer o que foi feito dele ? 

    Claro, os milicos mandantes da época acordaram para isto, tentaram subjugar os sindicatos, mas não contavam com a conivência das montadoras com estes sindicatos. E depois de algum tempo, esses milicos tiveram que sair de cena. 

     

     

  • Texto que deu explicação a

    Texto que deu explicação a muitos e muitos questionamentos meus sobre economia e sobre as diferenças básicas, práticas mesmo, entre desenvolvimentismo e mercadismo.

  • Bela aula de economia. Para

    Bela aula de economia. Para reforçar ainda mais a crença na necessária política desenvolvida pelo PT, sem fugir aos necessários ajustes.

    Só desinformados e caluniadores defendem o neoliberalismo.

  • Obrigada, Nassif, por colocar

    Obrigada, Nassif, por colocar de maneira didática as coisas que a gente, que não é economista, apenas percebe.

  • Toda teoria econômica traz

    Toda teoria econômica traz embutida nela uma ideologia, ou se preferirem, uma visão de mundo. Toda, sem exceção.

    Neste caso, os neoliberais, claro está, utilizam argumentos que no seu âmago defendem e sempre defenderam o grande capital, o sistema financeiro, em suma, os lucros. Todavia, é por demais óbvio que você jamais vai encontrar nos manuais escritos por autores neoliberais essa defesa explicita e enfática do lucro em prejuízo do trabalho assalariado e isto por uma razão bem simples: ela é obscurecida, disfarçada por argumentos de cunho racionalista e pelo exoterismo matemático que tão bem eles utilizam. Mas está lá, é só saber ler nas entrelinhas. Qualquer obtuso consegue compreender a racionalidade filosófica dos argumentos neoliberais, ou ser convencido por eles, mas enxergar o que isso significa na prática a quem beneficiam e a quem prejudicam já são outros 500. 

  • neoliberal

    Então, o governo de um país que não consegue crescer economicamente e torna-o barato para a "compra" somado a aumento de taxas de juros que beneficiam os bancos, é um governo neoliberal!

    Sendo assim, o Brasil hoje(último governo) se tornou neoliberal!

     

    • considerações

      Uma maravilhosa oração do rito católico começa: “De profundis clamat ad te domine” etc.

      Quando vi tão “profunda” observação pensei: tá aqui a interpretação mais apropriada para esta interpretação. Em tempo, esta é a oração coma qual a Santa Madre Igreja entrega as almas.

      Vivendo e aprendendo.

  • No fundo os neoliberais

    No fundo os neoliberais tucanos acreditam apenas numa verdade: que o país é deles e que todos os demais estão aqui de passagem. Ha, ha, ha... Eles não me fazem lembrar dos descendentes de portugueses do século XVIII, mas dos holandeses de Pernambuco no século XVII pouco antes do Brasil Holandês ser liquidado. Ha, ha, ha... Tucanos são agora estrangeiros orgulhosos da propriedade de uma terra que pertence a um outro povo que não pode nem ser expulso, nem exterminado. Ha, ha, ha...

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