A nova linguagem do jornalismo

No domingo fui a um evento sobre mídia alternativa, no qual um dos expositores era da chamada Mídia Ninja – a rede montada na internet para transmissão de eventos utilizando a tecnologia do celular.

Cada vez mais reforça a convicção de que as manifestações de junho passado – as passeatas mobilizadas pelas redes sociais – serão reconhecidas futuramente como um marco na história das mídias e do chamado mercado de opinião.

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O rapaz contou como um dos Ninja foi preso pela PM do Rio de Janeiro, acusado de atirar coquetéis Molotov na passeata, acusação endossada pelo próprio Jornal Nacional. Houve convocação geral para que manifestantes enviassem vídeos que comprovassem a inocência do Ninja. Imediatamente despencaram dezenas de e-mails com vídeos acoplados. Um advogado da OAB levou a um juiz de direito que ordenou a libertação imediata do Ninja. Na edição seguinte o JN corrigiu a notícia e chamou a atenção para o fenômeno dos agentes policiais infiltrados.

Em outro episódio, um Ninja flagrou policiais civis espancando uma moça encapuzada. Os vídeos foram levados até a delegacia, e o delegado ordenou a detenção imediata dos agressores.

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Na época, críticos das boas maneiras jornalísticas apontaram o pouco acabamento dos vídeos, em comparação com o apuro técnico das transmissões profissionais. Criticaram a linguagem tosca, a falta do lide (a abertura ou “cabeça” das matérias), a prolixidade da cobertura.

Não entenderam nada.

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Nada contra o apuro, o acabamento, a estética das transmissões profissionais. Mas equipararam o produto notícia ao produto show e, com isso, houve uma perda da credibilidade jornalística junto a públicos mais bem informados, sem saber diferenciar a dramaturgia da notícia.

É um padrão repetitivo. Reparem em transmissões ao vivo do comportamento da torcida em jogos de futebol. A câmera fecha no repórter. Aí,  se volta para os torcedores e eles, do nada, começam a gritar o nome do seu time. Qual a diferença dos programas de auditórios, nos quais há o coordenador de público com cartazes mandando aplaudir, vaiar ou ficar quieto?

Ou o close nos olhos do entrevistado, quando se emociona.

Em uma das passeatas, um dos Ninja flagrou um técnico da Globo colocando um cartaz político contra a corrupção nas mãos de um manifestante ébrio. Foi desmascarado. Provavelmente não havia intenção política, mas apenas a de conferir à reportagem a cena que – imaginava-se – mais atrairia os telespectadores.

Em qualquer caso, há a constante manipulação dos fatos.

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A nova linguagem não deve ser vista como mera questão de acabamento, mas de uma mudança radical na estética, no discurso e no modo de fazer jornalismo. Representa um retorno ao documentarismo de velhos tempos, nos quais o ponto central era a notícia crua, sem o chantilly do roteiro prévio, dos personagens ensaiados.

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O que aconteceu até agora é ilustrativo dos fenômenos paralelos que ocorrem na mídia, à medida que uma nova tecnologia disruptiva – a internet – vai se consolidando.

Há um fenômeno de criatividade extraordinário, no qual mergulham novos desenvolvedores, novos modelos de reportagem escrita e televisiva, novas formas de expressão.

O novo já nasceu.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • "...críticos das boas

    "...críticos das boas maneiras jornalísticas apontaram o pouco acabamento dos vídeos, em comparação com o apuro técnico das transmissões profissionais...".

    Muitos deles acham bacana aquelas reportagens profissionais em que aparecem repórteres correndo, literalmente, atrás da notícia, seguidos, também em correria desabalada, pelos cameramen, a câmera balançando a todo momento, dando a impressão do fato ser algo urgente e perigoso. Esse "formato", que se justificava e determinadas situações, tornou-se banal, a ponto de ser usado em qualquer situação para "valorizar" a notícia, dando-lhe aquele caráter de perigo e urgência que, nas maiorias das vezes, elas não têm. Chega a ser bobo!

  • "...críticos das boas

    "...críticos das boas maneiras jornalísticas apontaram o pouco acabamento dos vídeos, em comparação com o apuro técnico das transmissões profissionais...".

    Muitos deles acham bacana aquelas reportagens profissionais em que aparecem repórteres correndo, literalmente, atrás da notícia, seguidos, também em correria desabalada, pelos cameramen, a câmera balançando a todo momento, dando a impressão do fato ser algo urgente e perigoso. Esse "formato", que se justificava e determinadas situações, tornou-se banal, a ponto de ser usado em qualquer situação para "valorizar" a notícia, dando-lhe aquele caráter de perigo e urgência que, nas maiorias das vezes, elas não têm. Chega a ser bobo!

  • Construção

    O futuro é construído pelos jovens.

    A internet é a maior fonte de relacionamento e informação dos jovens.

    O facebook bomba.

    Bingo de Nassif:

    "Na época, críticos das boas maneiras jornalísticas apontaram o pouco acabamento dos vídeos, em comparação com o apuro técnico das transmissões profissionais. Criticaram a linguagem tosca, a falta do lide (a abertura ou "cabeça" das matérias), a prolixidade da cobertura.

    Não entenderam nada."

    De fato, não entenderam nada.

    Em outra época a grande mídia conseguiu  anular, ou eliminar, ou, pelo menos, distorcer as verdades para que o mundo continuasse a ser o que era.

    Hoje, os jovens, tal como na década de 60/70, não aceitam mais serem domados.

    A internet, a sua independência de informação e amplitude não permite mais tais “assimilações”.

  • na verdade, os jornalistas 

    na verdade, os jornalistas  fazem de tudo para que seu produto seja aceito na redação! é a concorrência e a necessidade de manter o emprego! nem que isso implique vender seu caráter e sua honra!

     

  • Estamos apenas no começo.

    Ainda estamos diante de um processo espontâneo e aleatório, mas aos poucos haverá uma maior organização, com uma maior divisão de tarefas e um melhor aproveitamento das informações.

    Agora quase todos tem diante de si, os esquipamentos de registros de som e imagem, e o mais importante os meios para a transmissão e divulgação dos mais variados fatos.

    Até agora o máximo que as pessoas dispunham era apenas o depoimento e a testemunha dos fatos, agora além disso, elas  tem os mecanismos para o registro e divulgação.

    Hoje é possível formar vários grupos de mais de 2 mil integrantes cada um, com capacidade para cobrir quase todo o território nacional.

    Com o passar do tempo estas informações além de divulgadas, possibilitárá o surgimento de vários analistas,  o que além da divulgação dos fatos, possibilitará também que estas pessoas passem intervir de forma organizada em resposta aos fatos ocorridos, numa ação muito próxima aos dos partidos, mas com uma dinâmica infinitamente maior.

     

  • A Sony está lançando uma

    A Sony está lançando uma câmera que mesmo ancorada em base fixa as imagens saem  tremidas e com lapsos de foco. Tudo isso para dar maior credibilidade as imagens e para acompanhar a evolução natural do jornalismo Bruxa de Blair que tanto encanta alguns jornalistas que estão rastejando pelas franjas e periferias da imprensa de verdade.

    Pelo amor de Deus!!!!!

     

    • A Sony ganharia bem mais, e

      A Sony ganharia bem mais, e garanto que teria mais público, em lançar uma câmera que, mesmo balançando, mantivesse a imagem fixa. Pois, exatamente ao contrário do que dizem seus detratores da "imprensa de verdade", ter imagem fixa pode ser difícil, mas difícil mesmo é ter imagem honesta.

  • Verdade factual

    Mídia ninja virou sinônimo de verdade fatual. É onde os fatos falam mais alto que as versões publicadas. É óbvio que precisamos que os militantes desta mídia aumentem ao extremo para vencer o poder econômico dos que preferem a notícia manipulada, conforme seus interesses pessoais sejam econômicos, políticos partidários ou ideológicos.


    O absurdo do Mensalão, a transformação de um crime partidário de caixa dois em perseguição política de membros do governo e de um partido é estarrecedor. É inimaginável que uma mentira tão grande e deslavada tenha chegado tão longe e envolvido tantas pessoas ditas honradas e probas.


    A mídia ninja já chega atrasada. É preciso a mídia das formiguinhas que nos blogs mostram a outra face da notícia publicada e impingida.

  • O que há de "novo" mesmo ?

    Discordo do analista, quando reconhecendo que a alta tecnologia dos players manuais, aos quais os manifestantes têm acesso, tem permitido aos mesmos, gravar  e mostrar, o que antes só os meios de comunicação tinham condições de fazer, e assim sendo, podem dismistificar fatos e ou arranjos jornalísticos, e armações de alguns veículos de comunicação pouco sérios.

    Entretanto, este mesmo estágio tecnológico, permite que grupelhos mal-intencionados ou manobrados, usem esta tecnologia, para disseminar via Rádio e Tv, e mais fortemente pelas redes sociais, suas manifestações nem sempre patrióticas ou de reinvindicações sérias e por avanços sociais, mas na maioris das veses, para a alimentação de pensamentos reacionários, e tentativas de assassinar reputações.

  • Jornalismo ou documentação

    Discordo com o amigo Nassif de que o grupo Ninja faça jornalismo, eles fazem é documentação visual. Pode até em ium futuro qualquer isto ser usado de foma mais editada.

  • Somos, todos, mídia

    A Mídia Ninja é, realmente, uma nova linguagem. E não está sozinha nesse novo jornalismo, porque muitos indivíduos estão promovendo uma nova linguagem jornalística na web, mas que também ainda assumem um lado da narrativa (ausente no outro mundo), embora com dinâmica diferente da velha mídia, mas sem a “lide, a estética e o apuro” que tanto se critica - que considero mais real, sem uma tese moral pronta e acabada. Os leitores do jornalismo impresso, os telespectadores dos telejornais, os ouvintes do radiojornalismo contemporâneos do século XXI estão a exigir que a nova escrita jornalística tenha movimento, clareza, profundidade e relação direta com o “corpo-sócio-semiótico” dos indivíduos e a digressão enquanto categoria da pós-modernidade, nesse rapidíssimo e super-dinâmico meio que é a internet. E não são mais só leitores, telespectadores e ouvintes passivos, são participativos, colaborativos, produtores-consumidores de informação.

    Somos, todos, mídia.

    Porém, ainda, a nova linguagem jornalística deve perder o caráter vertical da “moral conspícua” da sociedade de consumo, pois os consumidores não tomam mais a “descrição do mundo” efetuada pelo jornalismo como a forma adequada para mediação das relações em sociedades.

    Ainda necessita entender o seu tempo e o tempo de suas tribos, as “gírias”, a inserção cultural em que os fatos se dão e a consciência da alteridade, deixando de substituir o sujeito pela “coisa”, o qual, geralmente, é redutora. Precisa ganhar a mobilidade conceitual que respeita o trânsito livre das palavras, das culturas e dos gêneros, suportando as diversas camadas lexicais traduzidas pelos falares dos povos, isto é: as diferenças discursivas respeitadas numa melhor “angulação” do objeto.

    Somos, neste blog, todos participantes de uma nova linguagem jornalística, que está adquirindo maturidade enquanto sobe a colina de uma nova era da informação. 

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