A realpolitik contra a política de causas, por André Araújo

Por André Araújo

PARIS VALE UMA MISSA – REALPOLITIK CONTRA A POLÍTICA DE CAUSAS

O Estado foi a maior criação humana desde que o homem passou a viver em comunidades organizadas. A sobrevivência do Estado é a perenidade dessa comunidade organizada e se coloca à frente das causas morais dentro dessa comunidade.

Os grandes Estados da História antiga, medieval e moderna foram liderados por guerreiros e estadistas que lutavam pela preservação de seus Estados à frente de outras causas religiosas, morais e éticas.

A luta pela sobrevivência do Estado inclui manter sua integridade e  a centralidade do Poder dentro do Estado. Mal comparando, significa manter um navio flutuando, tarefa do comandante acima dos gostos individuais de cada passageiro, na sabedoria de que se o navio afundar, afundam todos, bons e ruins, honestos e ladrões.

A sobrevivência do Estado é como manter um navio flutuando, bem maior do que a vontade de cada passageiro.

Uma das citações símbolos dessa prevalência do Estado sobre causas é a frase ‘PARIS VALE UMA MISSA” proferida por Henrique IV, primeiro Rei Bourbon da França em 1593, sendo Henrique IV protestante e após guerrear nove anos contra os católicos,  sentiu que para ser coroado Rei precisaria virar católico porque a maioria da população francesa era católica, e não protestante. A frase significa que, para ser coroado Rei de França, Henrique IV iria rezar uma missa em Paris, preferia mudar de religião para ser aceito como Rei do que se manter na fé de berço.

Henrique IV foi um grande Rei, unificou a França dilacerada por 30 anos de guerras religiosas, proclamou o Édito de Nantes que deu liberdade religiosa aos franceses, que cada um tivesse a religião que quisesse, grande Rei, grande guerreiro, ótimo estadista, fundou a dinastia que governou a França até 1830, com a interrupção da Revolução Francesa de 1789 a 1814. Henrique IV tambem se reflete na História do Brasil, seu neto Felipe, filho de Luis XIII, foi o fundador da Casa de Orleans, raiz de nossos dois Imperadores Orleans e Bragança.

Henrique IV seria hoje considerado amoral e canalha porque era flexivel e sem escrúpulos, guiado apenas pela sobrevivência do Estado com as manobras que fossem necessárias para isso.

A REALPOLITIK, concepção pela qual vale a sobrevivência do Estado acima de princípios, escrúpulos e causas, foi sistematizada por Nicolau Maquiavel no Século XVI, mas teve seu ápice na Conferência de Viena de 1814, quando sentaram-se a mesa inimigos do dia anterior, os Príncipes Metternich e Talleyrand, para em conjunto reorganizarem o mapa político europeu e mundial, uma vez que a Paz de Viena incluiu territórios nas Américas, Ásia e África.

Talleyrand era ele mesmo o ápice da REALPOLITIK, Ministro do Exterior de oito regimes, da Revolução Francesa à Restauração Bourbon, corrupto até a medula, recebeu 4 milhões de francos ouro para dar independência à Polônia.

No Século XX, a “politica de causas” começou com o Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, na Conferência de Versalhes, na qual Wilson introduziu princípios morais (os 14 pontos) julgando que os Estados europeus eram basicamente crapulosos e os EUA era um Estado de pureza moral. Com isso criou muito mais problemas que soluções, sua visão de mundo era irreal, e em Versalhes foram plantadas as sementes da Segunda Guerra. Sua visão de tratados morais e sem segredos consubstanciados no Tratado de Versalhes fracassaram redondamente, começando pela sua não aprovação por seu próprio Congresso em Washington, que também manteve os EUA fora da Liga das Nações, criação máxima de Wilson. A diplomacia “moral” de Wilson fracassou redondamente.

Enquanto isso, na mesma época, desenrolava-se na Rússia uma outra luta entre a REALPOLITIK e a “política de causas”.

Leon Trotsky lutava pela causa do comunismo em todo o planeta, enquanto Stalin lutava pela construção de um poderoso Estado sucessor da Rússia Imperial, apenas na Rússia, sem correr os riscos de espalhar o comunismo pelo mundo, o que era inviável, na visão de Stalin, e poria em risco seu poder garantido na Rússia soviética, sucessora integral do Império do Czar. Stalin foi o símbolo máximo da REALPOLITIK no Século XX, não tinha escrúpulo algum em fazer acordos com qualquer outro governo, sem nenhuma restrição moral, ética ou ideológica, de acordo com as circunstâncias, política que manteve depois do fim da guerra quando puxou o tapete dos comunistas gregos que já estavam dominando Atenas, o que Stalin considerava um mau negócio porque atrapalharia suas boas relações com a Inglaterra.

No Brasil, Getúlio Vargas representou o apogeu da REALPOLITIK, até 1939 era aliado do Terceiro Reich, em 1940 mudou para o lado oposto e se transformou em aliado dos Estados Unidos, Vargas foi ultradireitista em 1937 e nacionalista esquerdizante em 1953, não tinha ideologia, operava dentro de realidades cambiantes, assim como Perón na Argentina.

No Brasil de hoje, uma perigosa “política de causas” está pondo em risco a integridade e a centralidade do Estado nacional, quando em nome de uma luta anti corrupção, que é uma causa, se permite colocar em risco a governabilidade do Estado, bem infinitamente maior que qualquer corrupção, não há causa moral que supere a sobrevivência do Estado, essa é a lição da História que foi aprendida a custa de muito sangue e sofrimento.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

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  • O autor sabe melhor que

    O autor sabe melhor que qualquer um nesse blog que a 'política de causas' dos EUA é pano de fundo de seus interesses geopolíticos. Mas claro, é melhor usar como exemplos os 'malvados' Stalin e Vargas do que Kennedy, Truman, família Clinton, etc

     

    ps: Um sujeito 'sem ideologia' pôs fim a própria vida pra que então?

    Vcs aí dos jardins, 70 anos depois, ainda insistem em não entender o Getúlio. 

    • https://jornalggn.com.br/notic

      https://jornalggn.com.br/noticia/os-estados-unidos-e-as-causas-internacionais-por-andre-araujo

      Escrevi aqui artigo exatamente sobre o uso pelos EUA de POLITICA DE CAUSAS como capa de seus interesses geopoliticos, visando aumentar seu poder e influencia pelo mundo. A causa " ANTI CORRUPÇÃO ' abre porta para o Departamento de Justiça intervir na FIFA, nas operações Lava Jato pelo mundo afora, aumentando seu poder e influencia nos Ministerios Publicos de varios paises alvos, começando com ""cursos"" para procuradoes que são doutrinados

      para detonar sistemas politicos nacionais, enquanto os EUA continuam sendo o Pais mais corrupto do planeta mas legalizado pelo lobby com recibo aceito com a maior naturalidade. As campanhas politicas nos EUA são as mais caras do planeta, eles inventaram o marketing politico, tudo legal e pago por doações sem limite das grandes corporações enquanto no Brasil tudo é criminalizado de modo que nenhum politico escapa de cair na mão do Ministerio Publico e ser processado.

      transportamndo o Ministerio Publico no MAIOR PODER DO BRASIL enquanto nos EUA e Departamento de Justiça é conduzido por Procuradores Federais sem concurso, sem carreira, nomeados politicamente pelo Presidente.

    • Poucos em seu tempo estavam

      Poucos em seu tempo estavam preparados para o exercício do Poder (com P maisculo) como Getúlio Vargas. A ponto de uma revista como a "Caros Amigos" dedicar uma edição especial sobre ele. Ou quem seria capaz de trazer o grande Franklin Delano Roosevelt vistiar o Brasil de cadeira de rodas para negociar a participação brasileira na Segunda Guerra?? Parece que momentos cruciais da História da Humanidade trazem Homens e Mulheres realmente excepcionais para serem protagonistas

  • A Realpolitik

    Caro sr. André Araujo, nenhum outro artigo poderia definir tão bem a politica no Brasil quanto este. Nós temos um estrutura de Estado que se mantém totalmente disvinculada da sociedade brasileira. Poder Judiaciário? É uma ilusão. Um balão, uma estrutura fina e delicada, muito vistosa, que sustenta um mundo de ar quente. Este é o Estado brasileiro. Continuaremos a nos enganar por mais quanto tempo? A única estrutura pública eficiente, neste país, é a política. Proteção, influência, poder, financiamento. Quantos municipios? Mais de 5.000? Todos tem mandatários e todos tem vereadores. E todos tem sua estrutura politica funcionando. Em todos, os partidos politicos tem representantes, com orçamentos e salários. Pode não haver sistema de saúde ou escolar, nem vias de acesso, nem infraestrutura minima. Mas a representação politica sustentada a partir dos orçamentos públicos estão lá. Todas as metastases arraigadas no corpo alimentando um único tumor. Não é a politica nem o Estado que estão errados. É a forma que a sociedade tem de controlá-lo. Isto, no Brasil, é praticamente inexistente. Chega a ser ridiculo olhar um país, que é uma potência, contruindo sua história como um anão, um medíocre social, politico, diplomático . Abs.

  • Talvez o objetivo dessa "luta

    Talvez o objetivo dessa "luta contra corrupção" seja esse mesmo: enfraquecer o Estado Nacional.

  • Concordo sobre a amoralidade

    Concordo sobre a amoralidade dos líderes políticos. Político tem que abrir mão de sonhar com o purgatório ou paraíso quando morrer. A metáfora do capitão do navio é perfeita, parabéns. Agora o que é terrível constatar é que todos os capitães, em menor ou maior escala, têm que jogar passageiros ao mar em nome do navio continuar navegando (sejam esses passageiros amigos, parentes ou os que estão na terceria classe ] . Dos citados, o que mais jogou foi Stalin, que transformou um país agrário em uma superpotência industrial militar mas ao preço de milhões de soviéticos mortos - seja pelas coletivizações forçadas ou pelos expurgos [ nesse cálculo não coloco nem os 20 milhões de soviéticos mortos pela segunda guerra ]. E aí me lembro de uma poeta que adoro e recomendo a leitura, Ana Akhmatova, que sofreu na mão de Stalin e teve amigos, familiares presos ou mortos nesse período e que acabou o fim de vida exilada em sua própria pátria, que tanto ela amava. Bem, a história da humanidade é marcada a ferro e fogo pela desumanidade. 

    Mas que eu ficaria feliz que o Collor, Cunha e Renan pegassem uma cana, ah, eu ficaria [rsss] 

  • Talvez Lula, em menor escala,

    Talvez Lula, em menor escala, tenha praticada a realpolitik durante seus mandatos, o presidencialismo de coalizão. O problema são os pontos de vista sobre o Estado Brasileiro que os integrantes dessa coalizão tem sobre o Brasil.

    Atribuem à Churchill que ele se aliaria até com as hordas do Inferno para combater Hitler, justificando sua aliança com Stalin. Existem situações que nos levam para alianças inusitadas aos olhares leigos...

  • Penso que os que são dono do Dólar hoje não ligam para causas

    Está no Protocolo dos Sábios do Sião, a confusão será tanta e tamanha que os povos vão implorar pela intervenção alienígena. 

    Quando um perde outro ganha.

    A derrocada do Estado brasileiro é o lucro dos que querem um governo transnacional, com base na cibernética e nas telecomunicações, sem necessidade de intermediários locais para garantir a submissão e a espoliação do Brasil e dos brasileiros.

    A imprensa está ai para não me deixar mentindo sozinho nesta.

    Com o fim da circulação do dinheiro físico, fica absoluto o poder dos que controlam as finanças e os bancos, pois créditos eletrônicos são cancelados instântaneamente, sem que o detentor destes possa esboçar a menor reação, em Chipre isto já foi testado e se mostrou eficiênte ao extremo.

  • De Gaulle

    Estou lendo uma biografia sobre o presidente francês.

    Se encaixa perfeitamente nesse tipo de personagem porém com mais qualidades. Não consta ter sido  corrupto nem assassino.

    Já sabia que foi grande estadista, mas agora fiquei sabendo que foi muito, muito  mais do que isso.

    Para ele o que importava era a França e só a França.

    • O melhor livro sobre De

      O melhor livro sobre De Gaulle são suas MEMORIAS DE GUERRA em dois volumes, há varias edições em português, as memorias tem enorme riqueza de detalhes no periodo crucial da Segunda Guerra e mostra o estrategista De Galle e como ele jogou a Russia contra os Estados Unidos, pais este que ele detestava. Por causa de De Gaulle a França de forma vexaminosa derrotada pela Alemanha em 1940 aparece no final da guerra como potencia vencedora, uma das cinco com assento no Conselho de Segurança até hoje.

  • Grande AA acredito que se vc

    Grande AA acredito que se vc estivesse no lugar daquela besta do ZÉ CARDOSO que se dizia ministro da Justiça a Lava Jato hoje não estaria destruindo o estado braasileiro e DILMA o ser político mais estúpido que já ocupou a presidência do Brasil não  estaria sofrendo impedimento.

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