Categories: Política

As verbas publicitárias e a Rádio Arco-Íris

Comentário ao post “Nota do PSDB de Minas sobre declarações de promotor

O ponto relevante da denúncia, na parte que trata do pagamento de dinheiro público a uma rádio pertencente à família Neves (Rádio Arco-Íris, de Betim), com a finalidade de custear campanhas publicitárias do Governo do Estado de MG, é o fato da irmã do ex-governador de MG, Aécio Neves, ser a pessoa que ocupava o órgão supostamente responsável pela administração das verbas publicitárias (Núcleo Gestor de Comunicação Social da Secretaria de Governo) e, ao mesmo tempo, ser proprietária da Rádio Arco-Íris. Formalmente, Aécio Neves só ingressou no quadro societário em dezembro de 2010, pelo menos de acordo com os documentos citados na denúncia. Na época, ele já tinha deixado o Governo de MG (ele deixou em abril de 2010, para se candidatar a senador).

A excrescência da legislação brasileira é permitir que políticos ou seus parentes sejam proprietários de órgãos de comunicação ou imprensa. A partir disso, tudo o mais parece ficar viciado. O problema é a lei permitir esse absurdo. O sujeito é político e dono de órgão de comunicação (!). Aí depois ficam querendo exigir imparcialidade política do órgão de comunicação. Piada pronta.

Uma vez que a legislação brasileira permite essa distorção, que vale também para aqueles particulares que fazem dos órgãos de comunicação de sua propriedade um meio de proteger e veicular interesses partidários específicos, locupletando-se por meio de negociatas escusas com os donos do poder neste país, a contratação da referida rádio por meio de agências publicitárias não caracteriza, por si só, o favorecimento pessoal que infringiria o princípio da impessoalidade que deve incidir nos atos da administração pública. Essa alegação da nota do PSDB mineiro é correta.

Desde que não se observasse que os valores pagos à rádio eram significativamente maiores que os valores investidos em outras rádios, não se poderia falar em favorecimento pessoal. Se o tratamento dispensado a ela foi o mesmo dispensado a outras rádios em condições equivalentes, considerando o público que ela abrange e etc, não haveria problemas. O fato da empresa pertencer à família do Governador não compromete o pagamento. É uma empresa de comunicação e a publicidade tem que ser feita em todos os órgãos de comunicação. Mas essa informação sobre quanto exatamente a rádio recebeu de verbas publicitárias entre 2003 e 2010, comparando inclusive com os valores recebidos em anos anteriores, tinha sim que ser investigado. Eu penso que essa informação, inclusive, poderia ser obtida diretamente do Estado de MG, sem precisar passar pela ação ou investigação do MP mineiro.

A denúncia faz menção ao total das verbas gastas pelo Governo de MG com publicidade governamental durante a gestão de Aécio Neves. Se teve acesso a essas informações, pode sim ter acesso à informação de para onde exatamente foi o montante dos gastos, o que poderia ser feito por meio de petição visando a esclarecer a situação, que requeresse todos os documentos relacionados aos pagamentos das verbas publcitárias (quem recebeu, quanto recebeu, quais foram os procedimentos adotados nos pagamentos e etc). Seria possível requerer inclusive a informação sobre quanto a Rádio Arco-Íris recebeu, a título de pagamento de campanhas publicitárias, nos anos anteriores a 2003, primeiro ano do mandato de governador de Aécio Neves.

No bojo dessas informações certamente que estaria a informação de quanto exatamente a Rádio Arco-Íris recebeu do Governo de MG a título de pagamento de campanhas publicitárias e quais foram os procedimentos adotados nos pagamentos. Caso o Estado de MG se negasse a fornecer as informações, seria o caso de se ajuizar ação popular e requerer a exibição dos documentos, visando a uma possível declaração de nulidade do ato administrativo e posterior condenação dos envolvidos a devolverem o dinheiro investido ilegalmente na rádio Arco-Íris, desde que, claro, ficasse evidenciado o favorecimento pessoal.

Com relação ao patrimônio pertencente à rádio Arco-ìris e o aparente uso dos veículos por parte de Aécio Neves, essa parte da denúncia não tem muita força para provar que o patrimônio dele é maior do que o que foi declarado à justiça eleitoral, apesar de eu pessoalmente acreditar que o patrimônio dele, na prática, deva ser muito maior do que o valor declarado na campanha de 2010.

Isso porque, via de regra, o patrimônio da empresa não se confunde com o patrimônio dos sócios. Se os veículos estão registrados no nome da Rádio Arco-ìris, é ela quem deve declará-los à Receita Federal ou a qualquer outro órgão ou entidade e não os sócios. Quanto a este ponto, a denúncia não tem muita força, mas apenas indícios de que estaria existindo confusão patrimonial, já que Aécio Neves supostamente estaria usando veículos de propriedade da rádio como se fossem de sua propriedade, tudo isso baseado na suposição de que era ele quem realmente estava dirigindo ou usando o veículo indicado na hora das multas sofridas na cidade do Rio de Janeiro. Os autos de infração exibidos na denúncia não comprovam cabalmente quem conduzia o veículo na hora da infração.

Em suma, é mais um caso que indica os claros riscos que existem em se permitir que políticos e seus parentes sejam proprietários de órgãos de comunicação. Numa situação dessa, a avacalhação está praticamente liberada. Não há a menor possibilidade de se discutir independência ou imparcialidade diante disso.

Luis Nassif

Luis Nassif

Recent Posts

Nova Economia debate o poder da indústria alimentícia

Com o cofundador do site O Joio e o Trigo, João Peres; a pesquisadora da…

16 minutos ago

Processos da Operação Calvário seguem para Justiça Eleitoral

Decisão do Superior Tribunal de Justiça segue STF e beneficia ex-governador Ricardo Coutinho, entre outros…

21 minutos ago

O mais bonito Social Club, por Felipe Bueno

Filme e álbum estão disponíveis em streamings e são indispensáveis como fruição. Obras de arte…

59 minutos ago

Cidade que se perdeu na inundação, Eldorado do Sul é evacuada

Os moradores de Eldorado do Sul estão sendo resgatados por meio de helicópteros, ônibus e…

1 hora ago

Acorda, Rio Grande, por Elmar Bones

Quando as águas baixarem, o que vai ficar exposto, como os escombros das cidades destruídas,…

2 horas ago

PGR denuncia irmãos Brazão e delegado por assassinato de Marielle

Marielle foi executada por atritos políticos e interesses econômicos fundiários dos Brazão, diz a Procuradoria

2 horas ago