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Condenados ao eterno passado

A Câmara dos Deputados vai homenagear os Deputados Federais cassados pelo regime militar, com ato simbólico de devolução de seus mandatos.

Foram 173 deputados afastados entre 1964 e 1977. A maior parte deles foi atingida pelo Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, considerado o documento formal de implantação da ditadura no Brasil.

A motivação final para edição do AI-5 foi a recusa da Câmara dos Deputados em conceder autorização para que o Deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por discurso que havia feito em plenário. Assim, deixando claro que a ditadura não podia conviver com a autonomia dos Poderes, o AI-5 autorizava o Presidente da República a cassar os parlamentares.


A Constituição de 1988, escrita no processo de redemocratização do País, resgatou o princípio da independência dos Poderes, considerando-o uma das cláusulas pétreas, parte fundamental da República

É exatamente por isso que, em seu art. 55, 3º, o Texto Constitucional estabelece que apenas as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal podem declarar a perda dos mandatos de seus membros, inclusive quando em decorrência de condenação criminal transitada em julgado. Dessa forma, fica garantido que um Poder não deve se submeter ao outro.

Nos últimos 24 anos, esse tem sido o procedimento adotado em todos os casos de parlamentares condenados judicialmente.

Agora, na onda de inovações jurídicas provocadas pelo julgamento do mensalão, levanta-se o debate de que o Supremo Tribunal Federal deve ter a prerrogativa de determinar e declarar a perda de mandato dos Deputados condenados, independente da declaração da Mesa da Câmara.

A determinação de que apenas o próprio Legislativo pode declarar a perda do mandato de um de seus membros não foi resultado de uma reserva corporativista, mas sim do aprendizado histórico de que a independência dos Poderes é requisito da democracia.

Mas precisamos lembrar que a democracia, pela qual tanto lutamos, não é uma conquista eterna e inatacável. Manter a democracia é um desafio cotidiano.
Como disse George Santayna, “quem não conhece seu passado está condenado a repeti-lo”.

Enfrequecer o Legislativo e submetê-lo unilateralmente às decisões de outro Poder, ainda que às do Judiciário, é um ataque ao equilíbrio dos Poderes e um risco para o Estado Democrático. O oportunismo e o casuísmo dos que querem a solução rápida para a cassação de parlamentares, à revelia do Legislativo, coloca-nos no rumo do desequilíbrio dos Poderes e da ameaça à democracia. Nosso passado recente já nos mostrou isso, e esquecê-lo pode nos levar de volta ao autoritarismo.

A democracia exige o Legislativo forte e o reconhecimento de que o voto livre e periódico é o melhor instrumento de legitimação do poder.

Gustavo Ponce de Leon, historiador e advogado, é consultor legislativo do Senado Federal e exerce o cargo de Secretário de Estado de Governo do Governo do Distrito Federal.

 

Redação

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