Depois da ponte de Sarajevo, por José Carlos Fiori

Jornal GGN – Em artigo publicado na edição de hoje do Valor, o professor da UFRJ, José Carlos Fiori, fala sobre o histórico de batalhas e conflitos da cidade de Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina, país que fazia parte da antiga Iugoslávia. Fiori relembra o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, pelo estudante sérvio Gabrilo Princip, episódio que deu início à Primeira Guerra Mundial. Recorda, também, dos conflitos resultantes da dissolução da Iugoslávia, a última guerra europeia do século XX, quando a cidade de Sarajevo sofreu um bombardeio sistemático, resultado em 12 mil mortos e 50 mil feridos. Leia mais abaixo:

Do Valor

Depois da ponte

José Carlos Fiori

“Se se tiver em conta as civilizações, como principais personagens da história, será preciso forçosamente distinguir as guerras “internas” desta ou daquela civilização, das guerras “exteriores” entre estes universos hostis. De um lado, as Cruzadas e as Jihads, do outro, as guerras internas da Cristandade ou do Islã, porque as civilizações queimam­se a si mesmas em intermináveis guerras civis, fratricidas: o Protestante contra o Romano, o Sunita contra o Xiita…” F. Braudel, 1995 [1966], “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo”, Vol II, p: 206 Publicações Dom Quixote, Lisboa.

Escrevo estas linhas num Café de Sarajevo. Seu nome, sua decoração e sua elegância lembram Viena, e o período da dominação austro-­húngara da Bósnia-­Herzegovina, entre 1878 e 1918. O Café está situado a poucos metros da ponte Latinska, sobre o rio Miljaka, o lugar exato em que o estudante sérvio Gavrilo Princip, de 19 anos, matou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, no dia 28 de julho de 1914, dando início ­ sem saber, nem pretender ­ a uma guerra devastadora que destruiu quatro impérios, mudou a geografia da Europa e redesenhou a história e geopolítica mundiais.

Ao mesmo tempo, na frente do Café Vienense, uma placa convida para visitar um museu com filmes e fotografias sobre a última grande guerra europeia do século XX, que também passou pela Bósnia e Sarajevo, entre 1992 e 1995, e pelo Kosovo, em 1998/9, incluindo o massacre de Srebrenica, em julho de 1995. Durante esta última guerra, a cidade de Sarajevo sofreu o mais longo cerco da história militar moderna. Durante três anos, Sarajevo sofreu um bombardeio sistemático que deixou um “passivo” de 12 mil mortos e 50 mil feridos, sendo 85% civis. Uma história terrível, que transformou o nome desta cidade, Sarajevo, em sinônimo de guerra e destruição, através de todo o Século XX e para todas as gerações futuras.

No entanto, Sarajevo poderia ter sido apenas uma cidade de montanha, alegre e acolhedora, se a história não a tivesse colocado numa encruzilhada por onde circularam e onde se instalaram vários povos e etnias. Mais do que isto, onde se criou um espaço de convivência e confronto quase permanente entre as duas principais civilizações/religiões que contribuíram decisivamente para a transformação do Mediterrâneo no berço do mundo moderno: o islamismo e o cristianismo, com seus vários povos e divisões internas. Tudo começou, de alguma forma, com a Batalha de Poitiers, no ano de 732 D.C., quando o exército de Charles Martel derrotou e deteve a expansão muçulmana, perto dos Pirineus, estabelecendo uma espécie de primeira e definitiva fronteira entre o mundo cristão europeu e o mundo islâmico arábico.

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Redação

Redação

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  • e se os mulçumanos tivessem vencido?
    Por vezes fico me perguntando:

    e se os mulçumanod tivessam vencido?

    Os povos da iberia europa ocidental estariam agora rezando para Meca?

    E nós também estariamos?

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